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Ateus contestam ações de 'bancada teocrática' no Congresso

25/02/2013 06h32

Associações que reúnem ateus, agnósticos e humanistas se mobilizam contra o que chamam de ações da "bancada teocrática" no Congresso que atentariam contra a laicidade do Estado brasileiro, estabelecida pela Constituição.

A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), a maior do país, tem 16 representações junto ao Ministério Público contra medidas que, segundo a organização, violam a laicidade. Elas incluem um projeto de lei que obriga a leitura de versículos bíblicos nas escolas da rede municipal em Araguaína (Tocantins) e outro sobre a inclusão de mensagens bíblicas nos contracheques dos servidores da Câmara Municipal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Em São Paulo, a organização move um processo contra a prefeitura por patrocínio a um evento religioso com dinheiro público.

"Isso era um dos objetivos centrais da criação da Atea, que os ateus tivessem uma personalidade jurídica para fazer suas representações perante as autoridades", disse Daniel Sottomaior, fundador da associação, à BBC Brasil.

No início do mês de fevereiro, a Justiça condenou a rede de TV Band a exibir, durante o programa Brasil Urgente, quadros sobre diversidade religiosa e liberdade de consciência e de crença no Brasil. O apresentador José Luiz Datena relacionou o ateísmo à índole de criminosos durante uma reportagem, afirmando que ateus "são os caras do mau" e "não respeitam limite nenhum".

"Nós estávamos monitorando as falas do Datena e assim que ele disse isso, postamos no nosso site o material e dissemos às pessoas: 'Se sentiu ofendido? Se manifeste' e demos orientações sobre como fazer isso. O Ministério Público recebeu diversas representações, o que gerou a ação", conta Sottomaior.

Já a Liga Humanista Secular do Brasil conseguiu o status jurídico de amicus curiae, que dá à associação o direito de enviar um representante para argumentar em uma discussão aberta no Congresso, segundo a atual presidente do órgão, Åsa Dahlström Heuser.

Religião no Congresso

A Frente Parlamentar Evangélica no Congresso reúne 76 (de 513) deputados de diversos partidos e 3 senadores, de acordo com seu site oficial. Ainda em construção, o site traz seções de "Projetos de Lei Nocivos" e "Projetos de Lei Benéficos", diferenciando entre projetos de lei que iriam contra e a favor dos interesses do grupo.

A existência de uma bancada católica não é confirmada oficialmente por deputados nem pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz, órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

"Esse processo de formar uma bancada traz a ideia de que existe uma única proposta da cristandade para as questões. Nós não acreditamos que este método seja válido. Temos que dialogar e debater com outros setores", disse Pedro Gontijo, secretário executivo da comissão, à BBC Brasil.

Informalmente, órgãos de monitoramento como o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), chamam de bancada aos parlamentares que atuam mais frequentemente em questões defendidas pela Igreja católica, muitas vezes ao lado dos evangélicos.

"A bancada católica tem afinidades com alguns temas da igreja evangélica, como aborto, união civil homossexual, regulamentação da profissão de prostituta. A igreja evangélica é mais incisiva nos debates e acaba aparecendo mais, mas na votação as duas atuam juntas", diz André Santos, consultor parlamentar do Diap.

'Cooperação'

O deputado João Campos (PSDB - GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica e ligado à Assembleia de Deus, nega que as medidas defendidas pela bancada violem a laicidade do Estado brasileiro. "Acho que não tem ninguém que defende mais a laicidade do Estado do que nós evangélicos. O que me parece é que essas iniciativas são fruto de ignorância a respeito da laicidade estabelecida na Constituinte ou de muito preconceito contra os religiosos", disse à BBC Brasil.

"No artigo 19 inciso 1º, a Constituição veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e municípios, subvencionar igreja ou culto, ter relação de dependência com líderes religiosos e embaraçar o funcionamento de igrejas, salvo em caso de colaboração de interesse público. A laicidade na Constituição brasileira não é um Estado sem religião, não é um Estado ateu. O Estado e a Igreja estão separados, mas cooperam entre si."

Sobre as críticas à atuação de parlamentares com argumentos baseados em princípios religiosos, feita por representantes de associações de ateus, ele se defende: "Porque eu sou religioso eu sou um cidadão menor? Não posso participar da democracia, da vida política do meu país? Quem acompanha atuação dos parlamentares evangélicos e católicos sabe muito bem que nós não usamos a Bíblia nos temas que enfrentamos. Usamos argumentos culturais, jurídicos, científicos e de outros tipos, como todo político faz."