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Sob holofotes, Mídia Ninja pede dinheiro do público para ampliar alcance

Integrantes do coletivo Mídia Ninja, que planeja expansão das atividades e financiamento do público - Divulgação/BBC Brasil
Integrantes do coletivo Mídia Ninja, que planeja expansão das atividades e financiamento do público Imagem: Divulgação/BBC Brasil

05/08/2013 05h03

Sob os holofotes desde o início da onda de protestos no Brasil, o coletivo de jornalismo Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) faz planos ambiciosos para o futuro.

"O nosso ideal é ajudar a criar uma rede financeiramente viável que dê conta não só da demanda do público por informação de qualidade, mas também da oferta de jornalistas que não encontram vagas no mercado ou que estão sendo despedidos das grandes redações", disse à BBC Brasil o jornalista Bruno Torturra, um dos membros do grupo em São Paulo.

O primeiro passo começa nesta semana, com o lançamento de uma campanha de financiamento coletivo para dar estrutura a equipes de produção e, em seguida, do site oficial do coletivo, que deve reunir conteúdo de grupos espalhados por todo o país.

Além da organização do conteúdo de centenas de fotografias e horas de vídeos documentando as manifestações, o grupo também pretende responder aos pedidos do público e dos críticos por mais textos e material editado pelos jornalistas - um desafio para quem tem milhares de colaboradores e afirma não ter uma linha editorial única. "A gente tem uma teia", diz Torturra.

A "teia" reúne grupos de produção cultural e comunicação em todo o país, ligados ao Fora do Eixo - uma rede de coletivos criada em 2005 para organizar festivais de música independentes. "Através do Fora do Eixo já estamos em todos os Estados, mas são pessoas com múltiplas funções, que são ativistas, produtores e que podem fazer a função de ninjas", explica.

Atualmente, mais de 20 pessoas se dedicam exclusivamente à produção de conteúdo para a Mídia Ninja nas equipes de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre e Salvador.

"Um número um pouco maior de pessoas nos dá apoio, inclusive offline (não apenas nas transmissões na internet). Depois temos ainda centenas de pessoas que são colaboradoras eventuais, mandam uma foto, um parágrafo. É algo que nem dá pra contar, vem em fluxo. E agora (depois do início das manifestações) temos mais de 1.500 pessoas inscritas para trabalhar para o Mídia Ninja, que ainda não organizamos e não sabemos como vamos organizar", diz.

Fama

A procura por fazer parte da Mídia Ninja deu um salto após o início dos protestos em todo o país. Usando smartphones, laptops e acesso 3G, os colaboradores do grupo atualizavam sua página oficial no Facebook e transmitiam as manifestações ao vivo.

Em São Paulo, atingiram a marca de cerca de 100 mil espectadores ao transmitirem com detalhes os confrontos entre a Tropa de Choque e os manifestantes na noite de 18 de junho.

Nos protestos contra o governador Sérgio Cabral, no Rio, os ninjas tiveram o triplo de audiência e foram também protagonistas - dois deles foram detidos e soltos depois. Em frente à 9ª DP, no bairro do Catete, uma multidão se aglomerou aos gritos de "Ei, polícia, solta a Mídia Ninja".

Com a rejeição dos manifestantes à mídia tradicional, muitas vezes acusada de omitir o vigor dos protestos, os ninjas ganharam apoio e credibilidade junto aos participantes dos atos públicos em todo o país.

Desde então, o grupo foi objeto de reportagens nos principais meios de comunicação nacionais, nos jornais americanos New York Times e Wall Street Journal e no britânico The Guardian.

"A popularidade facilitou o nosso trabalho mais do que dificultou. Tem mais gente enchendo o saco, tem mais gente querendo sabotar e cada vez mais calúnias sobre nós. Mas a polícia agora nos trata como jornalistas e recebemos muito apoio e informação de gente que está nas ruas", diz Torturra.

A cobrança dos leitores, segundo o jornalista, também aumentou, assim como as críticas aos erros e aos posicionamentos do grupo. "Temos o nosso ponto de vista claro, mas não somos tendenciosos. Acho que ter o ponto de vista dos jornalistas claro é justamente o que torna a transmissão honesta", defende.

O novo site pretende reunir o conteúdo dos núcleos de produção jornalística ninja no país --o que incluiria textos, blogs, documentários, vídeos e reportagens com pontos de vista diversos. Mas Torturra admite que algum tipo de controle será necessário.

"Vamos analisar se algo for muito agressivo, muito ofensivo ou muito fora do que a maioria acredita que é razoável --desde um material de má qualidade, mal apurado, até uma edição que não seja justa. Mas (a seleção do material) é (feita com base) na construção de um bom senso coletivo, não em uma chefia que vai aplicar um manual de redação."

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o produtor cultural Pablo Capilé, um dos fundadores do Fora do Eixo, afirmou que a rede é autogestionada --arrecada dinheiro através de eventos e atividades organizadas pelos coletivos e por editais ou licitações públicas. O dinheiro de editais, no entanto, seria equivaleria a entre 3% e 7% do caixa.

"Não é dinheiro de governo, nem dinheiro de partido. É política pública", defende Torturra. "Os recursos ajudam a financiar todas as atividades do Fora do Eixo nacionalmente, o que ajuda a Mídia Ninja a funcionar. Mas a Mídia Ninja nunca foi financiada por ninguém."

Recentemente, uma reportagem, do jornal O Globo afirmava que os "Ninjas querem verba oficial para sobreviver", e destacava posts em mídias sociais que circulavam fotos de Capilé com lideranças do PT. Capilé reconheceu ter colocado as fotos em seu perfil do Facebook, e disse ter outras fotos, com políticos de outros partidos.

Cartão de crédito

Como em eventuais relações políticas, a transparência também está presente no controle de recursos do grupo.

Quase toda a equipe da Mídia Ninja em São Paulo vive em uma casa que pertence ao Fora do Eixo, para multiplicar os recursos disponíveis. "Eles (as pessoas que moram na casa) têm a senha de um mesmo cartão (de crédito), mas esses gastos são controlados pelo Fora do Eixo. Isso pode ser usado para pagar a gasolina e a comida de pessoas que forem cobrir uma manifestação, mas não seria diferente se fossem produzir um show. Um orçamento específico da Mídia Ninja ainda não existe."

Na lógica de divisão comunitária dos recursos, nenhum dos ninjas recebe salário. Para planejar a operação com um orçamento próprio, eles esperam contar com a ajuda do público, com campanhas de financiamento coletivo pela internet. A primeira delas, que deve ser lançada nessa quarta-feira, deve arrecadar dinheiro para a compra de equipamentos para as equipes.

A depender da adesão à campanha, o grupo já pensa em uma proposta de assinatura mensal do site, mas com valores baixos e sem restrição de conteúdo. "É uma espécie de assinatura-apoio", explica Torturra.

Caso o plano dê certo --e caso os leitores manifestem com doações o mesmo apoio que mostraram nas ruas-- será possível pensar na remuneração dos colaboradores fixos, dizem os ninjas.