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Garotos de programa lutam para 'profissionalizar' atividade

Josh Brandon, de Londres, quer ser "melhor garoto de programa do mundo" - BBC
Josh Brandon, de Londres, quer ser "melhor garoto de programa do mundo" Imagem: BBC

07/01/2014 10h27

Muitos veem a prostituição masculina como uma atividade perigosa e degradante. Em uma série de depoimentos, homens homossexuais que vendem sexo em Londres falaram de seus esforços para mudar a imagem da profissão. Outros compartilharam experiências menos positivas, de abandono pela família e uso de drogas.

"Meu objetivo é ser o melhor garoto de programa do mundo", disse Josh Brandon.

Nascido no País de Gales, ele tem cerca de 20 anos e vive em Londres há quatro.

Inicialmente, seu plano era trabalhar como modelo e ficar famoso.

Mas logo após chegar, ele começou a trabalhar na indústria do sexo. Hoje, cobra por hora e oferece descontos a clientes leais: quem paga por nove horas ganha a décima de graça.

"Tenho um esquema de reservas muito profissional e sou muito discreto", disse.

A casa (e local de trabalho) de Brandon fica no Soho, o bairro gay de Londres, colado ao West End - onde se concentram teatros, cinemas e museus.

O aluguel altíssimo é, para ele, um investimento.

"Todo mundo conhece essa área e o fluxo de turistas é constante", disse.

"Recebo muitos americanos e árabes. Conheci clientes que estavam em visita a Londres e que agora contratam meus serviços em seus países. Acabo de voltar de Munique, fui atender a um comerciante de armas. O máximo que já ganhei em um mês foram US$ 49 mil (R$115mil) . Quando você trabalha tão duro, o dinheiro pode ser bom".

Tommy, do Brasil

Russell Reeks administra a seção de anúncios classificados da revista gay QX. Ele disse que Londres se tornou um polo internacional para homens atuando na indústria do sexo.

"Hoje em dia, todas as nacionalidades do mundo estão representadas nas nossas páginas", disse. "Há homens que vêm aqui ao escritório direto do aeroporto, com malas e tudo. Alguns nem falam inglês, mas querem que o anúncio seja providenciado antes de qualquer outra coisa, antes até de acharem um lugar para ficar".

O brasileiro Tommy é um dos anunciantes. Ele ainda está aprendendo a falar inglês mas isso não o impede de ganhar dinheiro.

"Trabalhar em bar não era bom - muito trabalho e pouco dinheiro", disse o brasileiro. "Eu tinha um amigo do Brasil que já estava trabalhando como acompanhante aqui em Londres e disse que eu devia tentar".

"Eu coloquei o anúncio e meu telefone não parou mais de tocar. Já vi dois clientes hoje e tenho mais dois hoje à noite. Cobro US$230 (R$544) por hora, então você pode fazer a conta. Se eu trabalho o fim de semana inteiro, nem preciso trabalhar durante a semana".

"Meu primeiro dia foi difícil porque um cliente me pediu para ter uma relação sexual sem proteção. Tive de dizer não. Levo minha segurança muito a sério", diz Tommy.

Segundo Michael Underwood, enfermeiro de uma clínica de saúde sexual londrina, o profissional que vende sexo em geral cuida de sua saúde.

"Temos uma clínica especial para profissionais da indústria do sexo", explicou. "Com frequência constatamos que eles usam camisinha quando trabalham. Em Londres, houve um aumento nas infecções pelo vírus HIV mas, de maneira geral, isso não está acontecendo entre os acompanhantes. Se levam seu trabalho a sério, não vão ficar brincando com a saúde", explicou Underwood.

Nico, da França

A imagem que se tem do profissional do sexo como vítima e da indústria da prostituição como atividade associada a doenças e vício é algo que pessoas como Brandon tentam transformar. Mas essa ideia reflete, no entanto, a realidade vivida por muitos.

Nico tem 40 anos e começou a vender sexo aos 16. Ele se mudou de sua cidade natal na região da Normandia, na França, para Paris. De lá, seguiu para Londres, onde pretendia trabalhar como vendedor de lojas.

Durante um período, trabalhou vendendo roupas de marca em uma loja no bairro chique de Knightsbridge. Mas a experiência não durou muito.

"Comecei a fazer sexo por dinheiro porque era um adolescente muito nervoso. Não conseguia lidar com a vida normal. Não tinha qualquer apoio da família, foi minha única opção. Passei a usar drogas para esquecer o que estava fazendo com meu corpo. Eu tinha 16 e meus clientes eram, na maioria, homens velhos. As drogas me ajudavam a me desligar."

Nico disse que ainda usa drogas como crack, por exemplo.

"Quando não tenho dinheiro para pagar pela droga, me prostituo. A principal diferença entre Paris e Londres são as drogas. Em Londres, você pode conseguir qualquer coisa. Tem sempre alguém querendo pagar por sexo e um traficante querendo pegar seu dinheiro. Talvez um dia eu consiga parar, mas não agora".

Estigma

E se a experiência de Nico - rejeitado pela família, viciado em drogas - parece confirmar os estereótipos normalmente associados à prostituição, o depoimento de Brandon sugere que as coisas nem sempre são assim.

"Usar drogas é antiprofissional," disse. "Elas não se encaixam na minha marca nem nos meus objetivos".

Rejeição por parte da família também não precisa ser a norma, disse.

"Quando ganhei o prêmio de Male Sex Worker of the Year (prêmio anual para profissionais homens atuando na indústria do sexo), mandei um torpedo para o meu pai. Ele respondeu: "Tenho orgulho de você, filho".

O pai de Brandon, que trabalha para uma companhia de trens no País de Gales, disse que aceita a profissão do filho mas não faz alarde sobre o assunto. "Sei o que ele faz e não saio por aí falando sobre o assunto. Não comento com os amigos. Digo a ele para tomar cuidado, mas o que mais você pode fazer?"

Para Del Campbell, representante de uma ONG que faz campanha sobre assuntos relacionados a HIV e AIDS - o Terence Higgins Trust - está havendo uma mudança na forma como a sociedade encara o trabalho na indústria do sexo.

"Existe menos estigma associado a homens que se prostituem", disse Campbell. "É comum que mulheres sejam vistas como vítimas, mas para alguns homens, trabalhar como garotos de programa é hoje um trabalho normal. Você pode mencionar que é acompanhante durante um jantar e, em certos círculos, ninguém vai se chocar".

Ele reconhece, no entanto, que algum estigma ainda existe. "Depende muito do indivíduo", explicou. "De vez em quando encontro alguns acompanhantes que dizem precisar escapar da vergonha de fazer sexo por dinheiro. Sentem muita culpa por mentirem para suas famílias. Muitos dos estrangeiros dizem para a família que estão trabalhado em um restaurante ou em uma loja".

"Você tem de dizer a esses homens que esse trabalho provavelmente não é para eles. Mas você também encontra pessoas que, verdadeiramente, pensam que essa é uma profissão como qualquer outra. Nós deveríamos apoiá-los. Estigma nunca ajuda".