Topo

Maduro promete "mão de ferro" e prepara ofensiva anticrime após assassinato de miss

08/01/2014 12h24Atualizada em 08/01/2014 15h48

O assassinato da miss Mónica Spear e seu marido gerou comoção na Venezuela, um país em que dezenas de pessoas morrem de maneira violenta a cada semana.

Mónica foi Miss Venezuela em 2004 e atualmente era uma atriz popular. Ela e o marido, o empresário irlandês Henry Thomas Berry, foram mortos em uma estrada na região central do país na noite de segunda-feira (6).

Os desdobramentos do crime nos meios de comunicação da Venezuela e o debate gerado nas redes sociais podem dar a impressão de que este é um episódio nunca visto, alarmante pelo grau de violência gratuita e pela importância da vítima.

Mas, as histórias de mortes violentas de venezuelanos são coisas rotineiras. As chamadas páginas vermelhas da imprensa local relatam com detalhes muitos casos de mortes durante assaltos, em tiroteios entre grupos de criminosos ou em ajustes de contas.

Tantos casos na imprensa acabaram banalizando a violência. Ainda que sejam grandes tragédias pessoais ou familiares, para o conjunto da sociedade o fenômeno se transformou em algo repetitivo.

No entanto, o que casos de maior repercussão como o da miss e seu marido e até os casos considerados mais comuns deixam claro é a insensatez da violência no país, onde muitas vezes uma pessoa é morta pelos motivos mais fúteis.

Obstáculo na pista

As primeiras investigações indicam que Mónica Spear e seu marido foram vítimas de um golpe comum na Venezuela e também muito conhecido no Brasil. Os assaltantes colocaram um obstáculo na estrada em que o casal viajava, entre Puerto Cabello e Valência, no centro do país, atingindo o veículo.

A versão oficial afirma que os dois foram obrigados a parar e, enquanto eram atendidos pelo guincho, o grupo de assaltantes apareceu e, por razões que ainda não foram esclarecidas, dispararam contra a família, que buscou refugio dentro do carro.

Este tipo de explosão violenta aparentemente injustificada é comum na Venezuela.

A insegurança é um problema que não se restringe a uma classe social no país. Do empresário ao trabalhador, ou até a Miss Venezuela que passeava durante as férias, todos podem acabar integrando as estatísticas que, em 2013, contaram mais de 24 mil mortes no país, segundo o relatório do Observatório Venezuelano da Violência (OVV), um órgão não-governamental.

Segundo o OVV, em 2003 foram 11.342 homicídios e, em 2013, foram 24.763.

Os números oficiais, apresentados pela primeira vez em dez anos pelo governo, falam de um número menor mas ainda alarmante: 16 mil mortos em 2012. Em média 43 por dia.

Com estes números, não é de se estranhar que na Venezuela qualquer pessoa consiga relatar algum caso de violência envolvendo amigos e familiares.

Mas, a repetição destas histórias transformaram a violência em algo comum. Até que alguém como Mónica, atriz popular, jovem mãe, é morta. Aí a indignação se espalha.

O debate sobre o caso não destaca apenas a preocupação e tristeza dos cidadãos mas também a onipresente polarização política na sociedade venezuelana.

O governo, em 14 anos de hegemonia dos chavistas, tentou implantar cerca de 20 programas de combate à violência, alguns com muita propaganda, mas sem muito sucesso, a julgar pelo contínuo crescimento dos números de mortes violentas.

Bandeira política

Com a notícia da morte da miss e atriz, o governador Henrique Capriles, líder da oposição, usou sua conta no Twitter para convocar o presidente, Nicolás Maduro, para trabalhar em conjunto e criar uma política integral de segurança.

Pouco depois, sem fazer referência ao convite do líder da oposição, o governo anunciou uma reunião de governadores e prefeitos para reforçar os planos de policiamento e prevenção do crime.

Os porta-vozes oficiais lamentaram a morte de Mónica e seu marido mas também pediram que o caso não seja usado como bandeira política, porque sabem que a segurança é o setor mais frágil da administração.

Por isso, é a área que melhor pode ser aproveitada pela oposição para minar as bases de apoio popular do governo, principalmente se for levado em conta que os mais afetados pela violência são os mais pobres, justamente a camada que concentra a base de apoio para o chavismo.

Quando Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, eram registradas 5 mil mortes violentas na Venezuela por ano. Naquela época, a falta de segurança era um tema que preocupava o país e todos reconheciam que viviam em uma sociedade violenta.

Durante muito tempo a estratégia oficial foi afirmar que o problema era uma criação das "matrizes de opinião" cujo fim era desprestigiar e finalmente acabar com a chamada revolução bolivariana.

O governo chegou até a acabar com a prática de informar oficialmente os índices de violência com regularidade e chegou a fechar as salas de imprensa nas delegacias e outros prédios da polícia.

Mudança de estratégia

Depois da morte de Hugo Chávez em março de 2013, o presidente Maduro mudou de estratégia e reconheceu pela primeira vez que a insegurança não é uma "percepção" mas sim um problema real que aflige os venezuelanos, como indicam todas as pesquisas de opinião.

Maduro também adotou a medida polêmica de mandar o Exército para as ruas em um novo plano de segurança.

Para um visitante estrangeiro pouco acostumado a ver soldados uniformizados e armados com fuzis nas esquinas, a imagem não tranquiliza e passa a impressão de um país em guerra. Apesar de estar claro que não é este o caso.

Mas, o número de mortos pelas armas de fogo, o grande número de grupos armados e o estado de sítio em que muitos venezuelanos são obrigados a viver, principalmente nos bairros pobres onde caminhar à noite pode se transformar em uma sentença de morte, reforçam a percepção de muitos de que o país vive em uma situação pior do que a Colômbia com sua guerrilha ou os países do Oriente Médio.

O fenômeno da violência parece não ter solução no curto prazo. A experiência indica que o escândalo gerado pelo assassinato de Mónica Spear, com o tempo, perderá o impacto devido a outros eventos, até que outro crime notável volte a gerar indignação coletiva.