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'Polícia deve proteger rolezinho', diz americano que estudou flashmobs

17/01/2014 07h23

A discussão em torno de causas, efeitos e desdobramentos dos "rolezinhos" feita atualmente em São Paulo ocorreu há cerca de dois anos na pequena Kansas City, cidade de 460 mil habitantes no estado de Missouri (meio-oeste dos EUA), após uma onda de "flashmobs" que terminaram em confusão.

No episódio mais grave, em agosto de 2011, três jovens foram feridos a tiros em um confronto durante um "flashmob" no elegante shopping Country Club Plaza, em área nobre de Kansas City.

Depois disso, o Consórcio de Pesquisas Educacionais da cidade conduziu uma pesquisa, entrevistando 50 jovens entre 15 e 24 anos, entre participantes de "flashmobs" e de perfil socioeconômico semelhante.

Desde então, a cidade mudou sua abordagem ao problema, explica à BBC Brasil J. Brian Houston, professor-assistente de comunicação da Universidade de Missouri e um dos autores da pesquisa.

BBC Brasil - O senhor comenta em seu estudo que os jovens se diziam entediados, queriam ser vistos, chamar atenção. É essa a motivação principal por trás dos "flash mobs"?

J. Brian Houston - É uma confluência de fatores. Os jovens participantes dos "flashmobs" em geral vinham de partes de Kansas City com poucos serviços, negócios. Os jovens sentiam que não havia muita coisa para fazer em suas comunidades.

Esse tédio parece estar associado a decidir fazer um encontro em um determinado local - no caso, um shopping center elegante.

Diante de uma grande quantidade de jovens de áreas pobres se reunindo em uma área nobre, com episódios de violência e brigas, Kansas City ficou muito alarmada.

E os jovens com os quais conversamos disseram: "Esse tipo de coisa (brigas e violência) acontece o tempo todo em nossos bairros, e ninguém parece se importar. Mas assim que vamos para uma parte melhor da cidade, daí vira um problema". Achei isso uma observação interessante, de que a questão é tolerada se ocorrer em alguns bairros, mas captura a atenção da cidade se ocorrer em outros.

E eles se sentiam no direito de ir (à área nobre) e tinham raiva pelo fato de isso ser mal visto.

BBC Brasil - Desde então, mudou algo na forma como Kansas City lida com a questão?

Sim, a cidade e a Prefeitura têm se esforçado para dar mais oportunidades aos jovens em algumas partes da cidade, investindo em centros e programas voltados ao público jovem, com mais opções de lazer.

Acho que se você oferece mais oportunidades seguras aos adolescentes, coisas que despertem o seu interesse, vai reduzir a sensação de falta do que fazer - mesmo que não a elimine completamente.

Não tivemos grandes "flashmobs" desde que a cidade começou a levar a questão mais a sério. O aumento de centros comunitários e atividades ajudou, ainda que haja muito a ser feito; muitos jovens que ainda não têm oportunidades suficientes.

BBC Brasil - Muitos "flashmobs" terminaram em violência nos EUA. Esses encontros foram organizados com intuito violento?

Acho que a maioria dos jovens que participa dos encontros não tem a intenção de participar de nenhum ato violento. Querem ir para onde todos estão indo, querem ser vistos.

Mas se você junta jovens que não se conhecem, de bairros e escolas diferentes, podem surgir brigas, mesmo que não planejadas. Além disso, há alguns "maus elementos" dentro do grupo, gente que (vai ao encontro) querendo causar problemas. Isso rapidamente sai do controle.

É preciso algum engajamento (envolvendo) a cidade, a polícia e as escolas, dizendo (aos jovens) "não queremos que isso aconteça mais e o que podemos fazer para impedir", e iniciar um diálogo preventivo, alegando que (a violência) não ajuda ninguém.

BBC Brasil - Pela sua experiência, qual deve ser o papel das autoridades?

A reação inicial em Kansas City foi impor toques de recolher, impedindo jovens de estar nas ruas a partir de um determinado horário. É uma reação comum, que para muitos faz sentido. Mas isso trata apenas um sintoma do problema.

Os problemas que identificamos nas entrevistas eram o tédio, a pobreza - que é o que precisa ser enfrentado, com mais investimentos em serviços e centros, em vez de bater o pé e criar limitações à circulação dos jovens. Até porque não queremos uma cidade restritiva e proibitiva. Queremos que os jovens se divirtam, mas não queremos que isso cause problema.

BBC Brasil - Houve algum debate sobre como a polícia deve agir nos "flashmobs"?

Uma das questões é polêmica: a polícia deve monitorar os jovens nas redes sociais, para saber onde vão se reunir? Sabendo isso, a polícia pode se preparar e ir ao local.

Eu acho que essa pode ser uma boa estratégia, (mas) se a polícia estiver lá para dialogar com os jovens, garantir sua segurança e não apenas puni-los.

Muitos dos jovens com quem conversamos não gostavam da polícia, não queriam diálogo. Mas muitos outros diziam gostar de saber que havia policiamento e segurança nos locais que frequentam.

Nem sempre esse diálogo com a polícia vai funcionar ou será fácil, mas é (um esforço parecido com o) da polícia comunitária. Daí acho que a abordagem da polícia (nos "flashmobs") pode funcionar.

BBC Brasil - E quanto aos shopping centers e lojistas, qual foi a reação?

Eles ficaram alarmados e surpresos, sobretudo quando houve violência. Mas eles são parte da comunidade, e precisamos de soluções comunitárias para esses problemas, que envolvam a cidade, a polícia, os shoppings no diálogo.

De fato, vemos muitos (lugares nos EUA) que não permitem jovens em grupo. Essas reações são compreensíveis, mas não funcionam no longo prazo.

BBC Brasil - E qual é a melhor abordagem no curto prazo para impedir que esses encontros acabem em violência?

Quando entrevistamos os jovens, percebemos que vários deles estavam dispostos a dialogar e buscar soluções. A maioria não quer estar envolvida em violência, e podemos criar oportunidades para diminuir as chances de que isso aconteça.

Esses "flashmobs" podem parecer algo novo, por envolverem novas tecnologias (de comunicação) que permitem grandes reuniões, mas as coisas por trás disso são antigas. Nos anos 1950, tínhamos aqui nos EUA grupos de jovens que saíam fazendo bagunça. É a mesma coisa, de jovens querendo ver e serem vistos, só ganhou escala maior agora.

BBC Brasil - Em dezembro, houve mais um "flashmob" no Brooklyn (NY), que terminou em violência. O senhor acha que eles continuarão a ocorrer?

O verão costuma ser a estação na qual esses encontros mais acontecem, como parece ser o caso no Brasil agora. Os jovens estão fora de casa, precisam de locais públicos.

Cidades e comunidades tendem a não ser proativas quanto a esse tipo de coisa, daí algo acontece e todos reagem. Onde houver tédio e falta de oportunidades entre os jovens, isso vai acontecer.

Quando líderes e comunidades começarem a pensar a respeito dessas questões, antecipar necessidades e possíveis soluções, a chance é menor. As cidades precisam pensar de maneira construtiva, e não apenas restritiva.

BBC Brasil - E que papel o shopping tem nessa discussão, como um espaço de consumo?

O shopping center escolhido para os "flashmobs" de Kansas City é um lugar nobre, bonito, uma área aberta. Dá para entender por que alguém ia querer se reunir ali.

A ida de jovens pobres para lá e os problemas causados acrescentaram uma dimensão de classe social à discussão, tornando-a mais tensa.

Se tivesse acontecido em um shopping menos nobre, de um bairro mais simples, teria ocorrido o mesmo? Acho que teria havido alguma reação, mas não igual.

Você menciona o consumo, mas vejo mais como uma questão social.

BBC Brasil - E de raça também?

Houve questões de raça - havendo jovens afro-americanos envolvidos (nos "flashmobs"), isso acabou sendo descrito na mídia como "jovens afro-americanos causando violência".

Para muitos, isso causou preocupação e temor de que se contribuísse para o preconceito e para piorar a situação para os próprios jovens.