Topo

Paratleta acusado de matar namorada enfrenta 'dupla batalha' para provar inocência

Reuters
Imagem: Reuters

03/03/2014 06h05

A Justiça da África do Sul começa a julgar nesta segunda-feira o caso do paratleta Oscar Pistorius, acusado de assassinar a tiros sua namorada no banheiro da própria casa no ano passado.

Antes do crime, o corredor amputado conhecido como "Blade Runner" era um dos maiores ídolos não só da África do Sul como também de todo o mundo dos esportes, tendo conseguido competir entre atletas sem deficiências físicas nas Olimpíadas de Londres de 2012.

Pistorius enfrentará nos próximos dias "dois julgamentos" na África do Sul, com enorme repercussão internacional. Ele luta não apenas para tentar provar sua tese de que confundiu a namorada com um ladrão. Seu desafio é ainda maior: o paratleta precisa também mostrar que, mesmo supostamente enganado, ele agiu de forma razoável dentro das circunstâncias.

Afinal, mesmo que ele consiga comprovar que não matou de propósito a namorada - como está sendo acusado pelos promotores públicos - ele ainda teria que convencer o tribunal de que foi razoável atirar contra um invasor sem identificá-lo.

"Primeiro" julgamento: assassinato ou acidente?

O julgamento principal de Pistorius é movido pelos promotores públicos sul-africanos. Eles tentarão comprovar que Pistorius assassinou intencionalmente sua namorada, Reeva Steenkamp, no dia 14 de fevereiro do ano passado, após uma acalorada discussão.

Os promotores usarão o trabalho da perícia forense para incriminar Pistorius: o ângulo das balas disparadas e a curta distância que o atleta estava da porta do banheiro quando disparou.

Também haverá contribuições de testemunhas - vizinhos que dizem ter ouvido uma discussão aos berros entre ambos. Pistorius nega que tenha brigado com a namorada.

E finalmente haverá tentativas de falar sobre o caráter do acusado. O "personagem" que os promotores tentarão criar - com a colaboração de ex-namoradas e conhecidos de Pistorius - é de um homem instável e com temperamento explosivo.

Estas estratégias devem produzir grande parte das manchetes da imprensa ao longo do julgamento.

Já a equipe de advogados de defesa deve responder com uma detalhada narrativa sobre um trágico caso de erro de identidade.

Neste ponto, Pistorius leva vantagem, devido a sua equipe de advogados de ponta. Além disso, não há testemunhas cabais que possam relatar o que aconteceu na casa do paratleta naquele dia, já que só ele e a namorada estavam presentes.

Durante as audiências da Justiça no ano passado que levaram Pistorius a ganhar liberdade condicional, houve uma espécia de prévia do embate entre promotores e defensores - com vantagem para o paratleta.

A equipe de Pistorius conseguiu provar que o primeiro detetive a chegar à cena do crime, Hilton Botha, cometeu uma série de erros. Ele não usou roupas especiais (para proteger a cena do crime de contaminação) e perdeu a munição coletada no local.

Botha também disse que Pistorius estava usando seu aparato de lâminas na hora do crime, e disparou de cima para baixo. A perícia nunca conseguiu comprovar esta versão.

Uma das grandes dúvidas agora é: o Estado será capaz de apresentar novas evidências no tribunal? Ou dependerá apenas das provas mostradas por Botha?

"Segundo" julgamento: um acidente possível?

Se comprovar que não assassinou sua namorada de propósito, ainda assim Pistorius será submetido a um "segundo" julgamento.

Mesmo que sua versão seja tomada como verdadeira neste caso, ainda assim Pistorius fez quatro disparos contra alguém que nunca havia conseguido ver ou identificar. A vítima estava escondida atrás da porta do banheiro, segundo o seu relato.

A equipe de defesa de Pistorius vai alegar que ele estava em uma posição vulnerável, sem sua lâminas, e amparado apenas nos cotos de suas pernas - uma situação que poucas pessoas que não possuem deficiência poderiam compreender.

Eles também alegarão que invasões violentas de casas são comuns na África do Sul, e que Pistorius estava convencido de que sua casa, que possui um grande esquema de segurança, foi invadida por uma pessoa mal-intencionada.

Os promotores, por sua vez, tentarão mostrar que Pistorius era experiente no uso de armas de fogo, e tinha a obrigação de identificar melhor a sua vítima antes de disparar.

A dificuldade para a juíza Thokozile Matilda Masipa, que está à frente do julgamento, será encontrar interpretações do que é considerado "comportamento razoável" na África do Sul - já que boa parte do processo lida não com provas concretas, mas com interpretações da lei.

Ela estará sob pressão de todos os lados - da imprensa, do governo, de ativistas de violência contra mulheres, da polícia e também dos fãs de Pistorius, que foi um dos maiores atletas da história do país.