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O que o enfraquecido Hamas pode ganhar com o conflito entre Israel e Palestina?

12/07/2014 09h34

Israel e militantes palestinos continuaram a trocar ataques durante a noite. Centenas de mísseis e foguetes foram disparados desde que Israel iniciou sua operação há cinco dias, após acusar o Hamas pelo sequestro e morte de três jovens israelenses em junho.

Não há nenhum sinal de que ambas as partes concordem com um cessar-fogo, apesar de intensa diplomacia nas Nações Unidas. O enfraquecimento recente do Hamas é um dos fatores que vai dificultar a contenção da nova escalada de violência entre Israel e Palestina, analisa o correspondente da BBC em Jerusalém, Kevin Connolly.

Após perder apoio --e consequentemente dinheiro-- de países como Irã, Síria e Egito, o grupo militante está fragilizado, e a intensificação recente do conflito pode ser uma forma de exigir concessões.

O último cessar-fogo não deu em nada - não apenas por causa do que aconteceu nas últimas semanas, mas porque as mudanças mais amplas no cenário político do Oriente Médio criaram enormes pressões sobre o Hamas.

A ligação entre o sequestro dos três adolescentes israelenses e a escalada repentina de hostilidades com Gaza é bastante simples. Israel culpou o Hamas pelos sequestros e inundaram a Cisjordânia com soldados que encurralaram centenas de ativistas do Hamas. Os palestinos viram as prisões como uma punição coletiva ao invés de uma verdadeira busca por evidências.

A única ferramenta que o Hamas tinha à sua disposição para responder era o lançamento de foguetes a partir de Gaza - e essas prisões foram motivo suficiente para que o bombardeio se intensificasse.

Primavera Árabe

As mudanças mais amplas no Oriente Médio ajudam a explicar por que um Hamas enfraquecido pode ver um valor estratégico na escalada do conflito com Israel. A organização foi muito afetada pelas reviravoltas da Primavera Árabe, que deixaram o grupo com poucos aliados e dinheiro.

No passado, o Hamas teve o apoio do Irã e da Síria. Mas o grupo é um ramo da organização sunita Irmandade Muçulmana e - quando ficou do lado de líderes rebeldes sunitas que se opõem ao presidente da Síria Bashar al-Assad e a seus aliados xiitas em Teerã - o Irã respondeu desligando as torneiras financeiras. O Irã costumava doar até US$ 20 milhões por mês - o suficiente para manter em funcionamento o governo em Gaza.

Isso não importava tanto enquanto Mohammed Morsi da Irmandade Muçulmana comandava o Egito. Ele é fortemente identificado com o Hamas e manteve abertos alguns túneis sob a fronteira de Gaza, por onde entram armas e itens básicos de consumo cuja comercialização gera receita para o Hamas por meio de impostos.

Mas o novo governo egípcio de Abdul Fattah al-Sisi considera a Irmandade Muçulmana e o Hamas como organizações terroristas e fechou muito mais túneis. Desesperado, o Hamas chegou a uma espécie de reconciliação política com o seu rival Fatah, grupo por trás da Autoridade Palestina, que hoje administra a Cisjordânia sob a ocupação israelense.

Até agora, no entanto, essa ligação não trouxe ao Hamas benefícios concretos e subsistem diferenças enormes entre os grupos palestinos rivais.

Exigências para trégua?

O reinício do lançamento de foguetes não vai resolver esses problemas imediatamente. Mas os líderes militantes do Hamas podem estar calculando que a visão de civis palestinos que sofrem sob bombardeio aéreo terrível forçará a Autoridade Palestiniana a prestar maior solidariedade e os governos árabes a mostrarem mais apoio.

O Hamas pode avaliar que havia poucas vantagens em manter a paz uma vez que as hostilidades podem abrir espaço para a exigência de concessões exatamente para encerrar os conflitos.

Israel, por sua vez, está desesperado para interromper os ataques de foguetes e danificar o Hamas. Para o mundo exterior, os foguetes de Gaza podem parecer ineficazes - muitos são caseiros e Israel consegue contê-los com seu sistema de defesa antimíssil.

Mas os civis israelenses estão preocupados com a intenção por trás dos foguetes, e não com sua eficácia militar. Eles estão totalmente familiarizados com o ritual de correr para o abrigo com os filhos quando ouvem o alerta de 15 segundos - e querem que seu governo coloque um fim nisso.

O problema é que não há maneira fácil. Os sistemas de armas modernos não são totalmente precisos como alguns acreditam e, inevitavelmente, ataques aéreos matam pessoas inocentes.

Israel pode argumentar que está tentando evitar vítimas civis, enquanto o Hamas está tentando causá-las. Mas imagens de televisão de civis mortos em Gaza - especialmente de crianças – influenciam as percepções sobre Israel ao redor do mundo.

Opções difíceis

Fontes israelenses dizem que grupos militantes em Gaza provavelmente têm dez mil foguetes e admitem que não sabem onde alguns - de mais de longo alcance - estão ocultos. Encontrá-los e destruí-los com ataques aéreos pode levar um tempo muito longo. As baixas civis cresceriam, assim como a crítica internacional.

E o envio de tropas terrestres não parece uma opção atraente também. Primeiro, é preciso decidir que escala de operação será lançada - uma série de incursões em depósitos de armas conhecidos? Ou uma grande reocupação de todo o território com todos os perigos e responsabilidade que isso traz?

Haveria mais mortes de civis, tornando-se uma tarefa difícil para a opinião internacional. E haveria baixas militares israelenses também - o que poderia levantar críticas em casa também.

O governo de Israel estabeleceu um tarefa difícil para si ao falar em pôr fim ao lançamento de foguetes de vez, e não apenas se contentar com uma trégua de algumas semanas ou meses.

Isso pode ser muito difícil de conseguir. Muitos dos foguetes em Gaza são armas caseiras. E se Israel fizer uma operação enorme e, em seguida, receber uma chuva de foguetes caseiros uma semana ou um mês depois? Então, Israel terá que empreender uma campanha sem uma estratégia clara de saída no local.

Possíveis mediadores

A imagem de Benjamin Netanyahu no resto do mundo pode ser a do direitista intransigente, mas seu instinto político é, provavelmente, o de balancear entre as visões conflitantes dentro do Israel.

É difícil ver o que seria uma vitória do seu ponto de vista. No momento, parece que não há muito sendo feito nos bastidores para manobrar um cessar-fogo.

Egito e Qatar são os mediadores mais prováveis. Egito tem contatos com ambos os lados e intermediar uma solução aumentaria a sua posição diplomática no Oriente Médio. Por outro lado, pode estar confortável em ver o potencial militar do Hamas se degradar por mais algum tempo.

Portanto, não é difícil de desvendar as grandes mudanças estratégicas e pequenos atos de ódio que conspiraram para provocar esta última rodada de hostilidades. Mas é muito difícil ver qual a combinação de circunstâncias poderá levá-las a um fim.