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'Já fui xingada de sudaca', diz médica brasileira na Espanha

23/09/2014 11h03

Liana Aguiar

De Barcelona para a BBC Brasil

Radicada na Espanha há 17 anos, a médica paulista Márcia Dias da Costa, de 50 anos, diz ter sido sempre bem tratada pelos colegas espanhóis e afirma nunca ter se sentido menos valorizada por ser brasileira, mas relata já ter vivido situações nas quais sua condição de estrangeira foi usada por pacientes para agredi-la verbalmente.

Segundo ela, em algumas ocasiões chegou a ser chamada por pacientes de "sudaca", maneira pejorativa de se referir aos sul-americanos.

"Quando uma pessoa é mal educada e é um agressor, essa questão (ser estrangeiro) se soma", diz. "Mas companheiros espanhóis também já passaram por situações como essa. Como trabalhamos com público durante tantos anos, alguma vez teria que acontecer", diz.

Pediatra alergista, Márcia trabalha em dois grandes centros de saúde da Província de Barcelona, o Hospital del Mar, uma instituição pública, e o Hospital Sant Joan de Déu, que é uma instituição privada, mas com financiamento público.

Ela relata que percorreu um longo caminho até chegar onde está e reconhece que teve uma boa formação no Brasil, que "não deixa nada a desejar" em comparação com formação na Espanha.

Formação

Segundo ela, o bom currículo que teve no Brasil lhe abriu as portas para estar em hospitais de referência.

Márcia cursou Medicina no interior de São Paulo. Trabalhou em hospitais públicos durante nove anos, principalmente na emergência e na UTI infantil do Hospital São Paulo.

Para reconhecer o título de médica na Espanha e poder trabalhar no país, ela passou por um processo longo, custoso e burocrático. Os trâmites duraram oito meses.

Enquanto não tinha o título homologado, investiu em formação complementar. Estudou espanhol e fez um estágio de médico estrangeiro no serviço de alergia do Hospital Sant Joan de Déu.

Caminho inverso

Com a crise econômica, que levou à redução dos salários dos servidores públicos de saúde e a uma taxa nacional de desemprego de 24,5%, muitos médicos espanhóis têm feito o caminho inverso ao dela, emigrando em busca de melhores condições de trabalho.

Muitos têm ido ao Brasil, atraídos pelas vagas oferecidas pelo programa Mais Médicos, do governo federal.

Para ela, que se diz contrária ao programa, a divulgação do Mais Médicos gerou uma impressão equivocada e deixou "médicos estrangeiros pensando que o Brasil é o paraíso".

"Estão trazendo gente de fora para tapar um buraco onde ninguém vai. Por um bom salário e com condições de trabalho, todos trabalhamos em qualquer lugar. Um médico não cura ninguém com as mãos, necessita de uma estrutura para poder dar assistência para as pessoas", justifica.

Para Márcia, o gargalo da saúde pública no Brasil está no serviço de emergência, que, muitas vezes, funciona como consultório clínico. "Muitas pessoas, por angústia e desinformação, vão primeiramente à emergência porque elas não têm uma porta para bater", diz Márcia.

"Um paciente que tem uma boa cobertura de saúde primária, não tem necessidade de ir para o pronto-socorro. Se bem orientado, saberá quando há motivos para ir ou não para a emergência", explica.

"Quanto mais bem atendidos e orientados estejam os pacientes nos postos, melhor será o serviço de emergência", reitera.

Nesse sentido, ela sugere que também é preciso gerenciar melhor a assistência social no Brasil. "Teria de fazer com que o serviço social de fato funcionasse para proteger as pessoas que estão à margem da sociedade."