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#SalaSocial Perfis robôs militam dos dois lados nas redes sociais

24/10/2014 18h42

Camilla Costa

Da BBC Brasil em São Paulo

Não é só um dos lados: uma análise feita pelo Laboratório de Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, a pedido da BBC Brasil mostra que há perfis com características de robôs atuando tanto na militância de Aécio Neves quanto na de Dilma Rousseff.

A coleta de informações foi feita durante pouco mais de 18 horas, entre as 19h do dia 22 e as 13h do dia 23 de outubro, usando as hashtags #aecio45pelobrasil e #13rasiltodocomdilma, ambas citadas também nos perfis oficiais dos candidatos.

"Foram 106 mil tuítes com a de Aécio e 85,5 mil publicações com a de Dilma. Isso fez com que as duas aparecessem na manhã de hoje nos trending topics da rede social", diz Fabio Goveia, um dos coordenadores do Labic.

A atividade que fez com que as hashtags chegassem aos tópicos mais populares, no entanto, tem características suspeitas, de acordo com o pesquisador.

"Os perfis mais ativos do lado de Aécio e de Dilma fizeram entre 700 e mil publicações em pouco mais de 18 horas. A maioria delas são retuítes. É humanamente possível? Talvez sim. Mas a pessoa teria que ter feito apenas isso durante uma madrugada inteira."

Oficialmente, as duas campanhas negam que usem os robôs para espalhar suas mensagens pela rede.

Repetição

Gouveia acredita que a atividade pode ficar ainda mais intensa durante o debate na TV Globo, que acontece nessa sexta-feira, às 22h10.

"É o último momento para as duas campanhas. Esses perfis têm atuado menos durante os debates no segundo turno, mas, no debate do SBT, que foi o mais acirrado, tivemos um ponto fora da curva: um deles fez mais de 600 retuítes em favor de Aécio Neves", afirma.

Repetição

Os robôs – também conhecidos como bots – são como perfis teleguiados que reagem mecanicamente a mensagens no Twitter, geralmente retuitando postagens de outros. Mas nem todos eles são flagrantemente falsos.

"Alguns perfis teleguiados são tão bem feitos que fazem postagens cotidianas e fica difícil saber se são falsos ou reais", explica Fabio Goveia.

"Outra estratégia é pagar pessoas reais para que seus perfis, que já existem há algum tempo e têm um histórico de postagens normais, sejam administrados por um programa."

A estratégia de usar perfis teleguiados para espalhar mensagens já é comum em campanhas de marketing de empresas, segundo o Labic. Mas o especialista em marketing digital João Paulo Nogueira afirma que "nem é preciso ir tão longe".

"Empresas maiores têm orçamentos grandes para marketing, mas muitos blogueiros fazem isso - e eu posso até ensinar em 15 minutos como fazer isso de graça, usando ferramentas que existem na internet", disse à BBC Brasil.

Para Nogueira, é possível que haja muitas pessoas fazendo com que seus perfis atuem voluntariamente como robôs, sem vínculo direto com as campanhas.

"Dá trabalho, mas há muitas pessoas hoje que dedicam horas para espalhar mensagens na internet sem ganhar nada com isso. Algumas têm motivação financeira, outras, ideológica e outras apenas gostam do desafio de fazer algo que parece impossível."

Algumas características desses perfis, consideradas anormais pelos analistas, são:

Fazem um grande número de retuítes – muitas vezes repetidos – em curtos períodos de tempo;São monotemáticos;Ficam mais ativos em momentos-chave da campanha de um partido, como comícios, caminhadas e debates;Apesar de serem muito ativos, seguem poucas pessoas – nem mesmo as que eles mais retuítam.O perfil @marcos_fpessoa, o mais ativo em prol de Dilma Rousseff no período analisado pelo Labic a pedido da BBC, tuitou 963 vezes entre 22 e 23 de outubro. Todos eles eram retuítes com as hashtags usadas na campanha da presidente.

Na manhã da sexta-feira, ele passou a retuitar frases com #DesesperodaVeja, usada pela militância do PT nas redes após uma denúncia feita pela revista na noite anterior.

Usando a ferramenta gratuita All My Tweets, disponível na internet, a BBC Brasil viu que @marcos_fpessoa tem mais de 3 mil postagens desde que foi criado. Ao excluirmos os retuítes da busca, apenas uma mensagem apareceu.

Já o perfil @ht_cec, o mais ativo em prol de Aécio Neves no mesmo período, tuitou 750 vezes, todas elas, também, com hashtags da campanha.

Além dos retuítes, a ferramenta mostra cerca de 60 postagens aparentemente manuais do perfil, entre mais de 3 mil totais. Todas as mensagens "autorais", no entanto, repetem frases da militância do PSDB. Algumas são apenas compilados de hashtags oficiais.

"Os números de tuítes que observamos em todas as leituras são muito próximos dos dois lados. Parece haver um embate em que um responde aos ataques dos outros. A estratégia de ataques é a mais predominante", afirma Goveia.

Mudança de estratégia

A troca de ataques entre militantes do PT e do PSDB no Twitter durante os debates motivou o Labic a estudar a atuação de perfis teleguiados nas campanhas, segundo o pesquisador.

"É algo que não abordávamos antes, mas começamos a perceber um mesmo tipo de redes aparecendo sempre. Os gráficos que fazemos – mostrando as relações entre as pessoas no Twitter com base nas hashtags dos debates – estavam ficando semelhantes."

No segundo turno, no entanto, a estratégia parece ter mudado. "Nos três últimos debates, percebemos que houve um número menor de robôs atuando. Talvez a presença acintosa na rede possa ter criado uma impressão negativa entre os eleitores", diz Goveia.

Isso quer dizer que os perfis com comportamento anormal têm usado menos as hashtags oficiais dos eventos, como #DebatenaBand e #DebatenaRecord, e concentrado suas atividades com as palavras de ordem das campanhas oficiais.

"Usar somente as hashtags das campanhas é um modo de permanecer oculto, misturado na multidão de pessoas que estão participando daquela conversa, mas ao mesmo tempo produzindo volume de mensagens", explica o especialista.

'Contra os bots'

Apesar do possível envolvimento voluntário de pessoas na criação de perfis teleguiados, João Paulo Nogueira afirma que a prática também não seria difícil para as campanhas do PT e do PSDB.

"Tenho muitos amigos que trabalharam como freelancers nessas eleições, fazendo justamente isso, para agências de publicidade que são contratadas pelas campanhas, mas não querem vincular seus nomes a elas", afirmou.

Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada em 30 de setembro, ligou uma série de perfis falsos à conta de um publicitário cuja empresa recebeu dinheiro da campanha do PSDB. Ele afirmou que é vítima de uma "estrutura colossal" criada por terceiros para retuitar suas mensagens no Twitter.

A campanha de Aécio Neves afirma que a mobilização de seus militantes nas redes sociais "é feita de forma orgânica com a participação dos diretórios estaduais" e que não usa robôs nas suas ações.

"Quando a equipe responsável pela coordenação do perfil oficial do candidato à Presidência da República Aécio Neves identifica o uso de robôs, informa ao Twitter para que sejam tomadas das devidas providências", afirmou, em nota à BBC Brasil.

A campanha não soube informar, no entanto, quantos perfis já foram denunciados.

A coordenação da campanha de Dilma Rousseff, por sua vez, disse ser "terminantemente contra a utilização de artificialidades nas redes para promover ideias ou questionar adversários" e denunciar "a utilização de robôs e perfis fakes na campanha tucana".

"A campanha à reeleição de Dilma nas redes vem sendo e será sempre pautada por uma postura de incentivo ao debate aberto e democrático sobre os projetos de país que estão colocados à escolha dos eleitores", disse, em resposta à BBC Brasil.