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Como não deixar o debate político morrer?

28/10/2014 17h23

Paula Adamo Idoeta

Da BBC Brasil em São Paulo

Discussões acaloradas com os amigos no Whatsapp durante os debates dos candidatos, compartilhamento de fotos e conteúdo eleitoral no Facebook, polarização, passeatas contra e a favor de partidos. Depois de uma campanha eleitoral intensa, como o país pode aproveitar essa mobilização para aumentar a participação e o interesse dos cidadãos pela política?

Por um lado, o sistema eleitoral é visto como disfuncional e responsável por afastar – em vez de aproximar – os cidadãos dos políticos eleitos. Por outro, o clima atual pode favorecer, desde que haja interesse popular e apoio dos políticos, um engajamento mais amplo da sociedade.

"Queremos aproveitar a energia gerada nas redes sociais. Não o impacto negativo dos boatos e dos bate-bocas, mas sim criar mobilização em torno de ideias, tendo como fio condutor os projetos de governo da presidente reeleita", diz à BBC Brasil Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITSRio), associação civil de pesquisas e projetos relacionados ao mundo digital.

O grupo lançará, em 15 de novembro, uma plataforma online para debater as propostas de governo de Dilma Rousseff em todas as áreas. Em resumo, qualquer cidadão poderia se inscrever no site e deixar opiniões, sugestões e críticas para cada área.

Softwares da plataforma destrinchariam os comentários, selecionariam os que têm pontos em comum, selecionariam as críticas e sugestões mais pertinentes e as levariam a cada pasta – no caso do Mais Médicos, por exemplo, ao Ministério da Saúde – para tentar incluí-las nos debates das políticas públicas.

A Plataforma Brasil poderá ser acessada pelo site da ITSRio (

www.itsrio.org). O modelo foi testado pelo grupo na confecção do Marco Civil da Internet, do qual o grupo participou.

E, além dos projetos do Poder Executivo, o exercício da cidadania passa necessariamente por acompanhar o trabalho do Legislativo.

"A ideia é que o debate não ocorra só de quatro em quatro anos, mas seja diário", afirma Helder Araújo, fundador da Webcitizen, empresa digital que criou plataformas para ajudar cidadãos a acompanhar projetos em debate no Congresso. "A educação política passa por isso – pela discussão e pelas diferenças."

O aplicativo Política de Boteco, disponível na AppStore e na Google Play e que será exibido em TVs de bares do país, mostra aos usuários projetos de lei polêmicos, para serem discutidos entre amigos em um ambiente informal.

O site Vote na Web (

http://www.votenaweb.com.br/) vai além: detalha, em linguagem simplificada, projetos de lei apresentados pelo Executivo e pelo Legislativo e permite que os usuários votem e comentem neles. Os comentários têm sido levados periodicamente ao próprio Congresso, em uma tentativa de embasar as decisões dos parlamentares.

Segundo Araújo, um grupo de cerca de 50 congressistas têm usado a ferramenta para avaliar a percepção sobre os projetos de lei.

E o site permite também seguir o andamento do projeto e verificar como cada parlamentar votou.

"Sabemos que muitos casos de corrupção passam pela relação entre o Legislativo e o Executivo. Além disso, os projetos de lei em trâmite impactam diretamente a nossa vida", completa Araújo.

No total, as plataformas da Webcitizen têm 250 mil usuários ativos – número considerado alto por Araújo, mas não o suficiente para mudar o rumo de projetos de lei, por exemplo.

E vale lembrar que o site da Câmara (

http://www2.camara.leg.br/transparencia/sispush/indexAtuacao) permite "seguir" o deputado em que você votou, para saber como ele se posiciona e o que ele propõe.

Consultas populares

Em seu discurso de vitória, no domingo, Dilma prometeu avançar na reforma política, a partir de um plebiscito.

Uma reforma política é vista, por membros de diversos partidos e analistas de diversos espectros políticos, como essencial para corrigir problemas do sistema político-eleitoral, mas projetos são discutidos há anos sem que qualquer consenso a respeito seja alcançado no Congresso.

E um dos pontos de discórdia é justamente o plebiscito. Em junho passado, em meio às manifestações populares de rua, a presidente propôs a realização de um plebiscito para uma constituinte que levasse à reforma política. Mas teve de recuar em menos de 24 horas depois, depois de críticas e da falta de consenso sobre o tema.

Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de reforma política foi elaborada após os protestos, mas não houve acordo quanto a mudanças no sistema de eleição de parlamentares. E o plebiscito continua a gerar polêmica.

"Essa PEC prevê um referendo (em que a população vota sim ou não quando a proposta for votada no Congresso)", diz à BBC Brasil o deputado federal Marcus Pestana (PSDB-MG), um dos participantes da PEC.

Ele argumenta que o argumento do plebiscito (em que os eleitores votam nas opções possíveis antes de o projeto de lei ser aprovado) seria "uma demagogia" – já que, com diversas opções para mudar o sistema eleitoral – voto distrital, voto proporcional, voto distrital misto, etc –, dificilmente uma delas receberia a maioria dos votos necessária para legitimá-la.

A mesma linha de argumento é feita pelo PMDB. Já o PT tem defendido o plebiscito apoiado na mobilização de movimentos populares, argumentando que a atual configuração fragmentada do Congresso dificulta um consenso.

Mas Pestana lembra que, independentemente da reforma política, o plebiscito é uma ferramenta prevista em lei que pode ser acionada com mais frequência (nos últimos 20 anos, houve apenas um, em 1993, em que a população escolheu o sistema de governo presidencialista republicano) para aumentar a participação popular direta na política.

O cientista político Paulo Baía, professor da UFRJ e estudioso dos protestos do ano passado, acha que há um momento propício para isso.

"O clima está dado. Tivemos uma eleição com alto nível de participação, uma militância política que voltou a ser autêntica dos dois lados, a tecnologia permitindo a interatividade (no debate)", diz ele.

"Mecanismos de consulta direta à população (como plebiscitos e referendos) podem ser mais usados, assim como nos Estados Unidos, quando estados aproveitam as eleições para questionar a população em diversos assuntos, alguns de cunho estadual."

"Democracia não se resume à eleição – passa por controle, acompanhamento e iniciativas populares", completa Pestana.