Topo

Quatro décadas após crimes, por que Charles Manson ainda fascina EUA?

Reprodução/Rolling Stone
Imagem: Reprodução/Rolling Stone

19/11/2014 15h00

Líder de uma seita assassina, o detento americano Charles Manson, de 80 anos, recebeu neste mês o direito de se casar na prisão com uma jovem de 26 anos. O caso teve grande destaque nos noticiários; mas por que esse homem, que cometeu seus crimes há quase 45 anos, continua a fascinar pessoas nos Estados Unidos?

O olhar é o mesmo. Os cabelos estão brancos, mas a barba permanence. Como uma suástica tatuada entre os olhos, Charles Manson cultiva uma aura.

Há quase 45 anos, ele enviou um grupo de seguidores doutrinados –conhecidos como a "Família"– para a casa da atriz de Hollywood Sharon Tate, então casada com o cineasta Roman Polansky e grávida de oito meses.

Tate, que ficou famosa na década de 1960, foi assassinada a facadas com quatro outros amigos que estavam na casa.

O grupo plantou pistas falsas no local para tentar incriminar os Panteras Negras –um grupo de ativistas afroamericano que usava a violência em sua luta contra o racismo.

Manson esperava que esses assassinatos –assim como os homicídios na noite seguinte de dois donos de loja– deflagrassem uma guerra entre raças. Ele pretendia esperar o fim desse improvável conflito e depois emergir como um governante dos Estados Unidos.

Certamente isso não aconteceu. Em meio ao repúdio generalizado do público, Manson foi declarado culpado de conspiração para assassinato em 1971 e hoje cumpre prisão perpétua.

Ele recebeu permissão para se casar com Afton Elaine Burton, de 26 anos. Ela se mudou da região centro-oeste dos Estados Unidos para Corcoran, na Califórnia, para ficar mais perto da prisão onde Manson cumpre sua sentença.

"Eu o amo. Eu estou com ele", afirmou Burton. Mas dificilmente um dia ela conseguirá viver com ele, pois, aos 80 anos, Manson só terá direito à liberdade condicional em 2027.

"Por que uma mulher de 26 anos quer se casar com ele?", pergunta Daniel Kane, professor de literatura e cultura americana da Universidade de Sussex. "Isso mostra a atração contínua que ele representa para a contracultura hoje. Manson, o rebelde, o fora da lei, o radical vegetariano que se dispôs a matar para chegar a seu objetivo".

"Isso é revoltante e demente, mas também é fundamentalmente político, da mesma maneira que um terrorista contemporâneo é político".

Debra, a irmã de Tate, que atua como porta-voz das famílias das vítimas de Manson, classificou o casamento como "ridículo". Mas essas e outras notícias relacionadas a Manson continuam repercutindo na mídia.

Mais de 30 livros sobre sua vida e seus crimes foram publicados. Um deles pelo promotor público que atuou no caso, Vincent Bugliosi, que vendeu mais de 7 milhões de cópias desde 1974.

As declarações de Manson sobre sua sentença ainda repercutem. Ele afirma ser um "prisioneiro político" e que seria mantido "refém" pelo governo. "Sou filho do seu sistema... Sou apenas o que fizeram de mim. Sou um reflexo de vocês", disse ele.

Manson nasceu em Ohio, órfão de pai, e teve uma infância pobre e conturbada. Com um suposto QI elevado, mas incapaz de ler ou escrever adequadamente, ele passou por vários reformatórios. Sua mãe e seu tio foram presos quando ele tinha 5 anos e aos 13 anos ele assaltava lojas e cassinos.

Ele tem "uma tendência para o mau humor e um complexo de perseguição", segundo um psiquiatra que também o descreveu como "agressivamente antissocial", em parte por causa de uma "vida familiar desfavorável, se é que isso pode ser chamado de vida familiar".

Quando ele não conseguiu pagar as contas ou ajudar na gravidez de sua mulher, Manson se tornou um ladrão. Após passar seis anos na prisão, ele foi libertado em 1967 –ano que, no auge do movimento hippie, ficou conhecido como "verão do amor".

Manson desenvolveu uma fixação pela música Helter Skelter, dos Beatles. Ela trata de forma ostensiva das dificuldades de uma vida amorosa contada através da metáfora de um passeio em um parque de diversões. Mas Manson pensou que ela previa uma guerra apocalíptica de motivação racista.

Ele então planejou se refugiar do improvável conflito, seguido por seu grupo, em um local subterrâneo no deserto do Vale da Morte, na Califórnia. Assim, eles seriam os únicos sobreviventes brancos da guerra. Em seu devaneio, o criminoso pensava que os negros, vencedores do conflito, não conseguiriam se organizar e então pediriam a ele que os liderasse.

Manson organizou uma comunidade em um rancho em Spahn, no deserto da Califórnia, próximo a cenários abandonados de filmes de faroeste da década de 1950. Ele recrutou seguidores, a maioria mulheres de classe média, com as quais consumia LSD e participava de orgias.

"Ele conseguiu explorar a subcultura hippie de forma brilhante", disse Kane. "Os hippies, acima de tudo, se colocaram como desfiliados do sistema político e social, se comprometendo a criar suas próprias utopias independentes, marcadas por sexo, drogas e rock and roll".

"Manson incorporou todos aqueles sinais –LSD, música, amor livre, estilo de vida em comunidades– e os remodulando em ferramentas de seu assassinato em massa apocalíptico. Totalmente bizarro, demoníaco e muito, muito sedutor".

Com seus cabelos longos e barba, os seguidores de Manson ligaram sua aparência à de Jesus Cristo.

"Há milhares de vigaristas refinados e malignos, e tivemos homicidas mais brutais que os assassinos de Manson", afirmou o promotor Bugliosi à revista Rolling Stone em 2012. "Então por quê ainda estamos falando de Charles Manson?"

"Ele tinha uma qualidade que pouquíssimas pessoas tinham, uma aura. Uma 'vibração', como os meninos falavam nos anos 60. Onde ele ia, os jovens gravitavam em sua volta", disse Kane.

Psicopatas são "incrivelmente charmosos e persuasivos", disse David Wilson, professor de criminologia da Universidade da Cidade de Birmingham, na Inglaterra. "Ao controlar você, eles parecem estar lhe dando toda a sua atenção".

O caso de Manson envolvia drogas, orgias e cultos –três das grandes preocupações dos pais das crianças que cresceram na atmosfera do "amor livre" daqueles tempos. Ele também ocorreu em uma época de intensas divisões nos Estados Unidos sobre direitos civis, racismo e Guerra do Vietnã. Os protestos violentos atingiram diversas cidades em 1968.

Wilson diz acreditar que a persistência de Manson como figura cultural decorre do fato dele parecer ter ensinado aos americanos sobre a negligência a ameaças que eles enfrentavam. Isso aliado a seu carisma pessoal teria feito seu impacto ser maior que o da maioria dos assassinos.

"Ele é icônico porque foi a pessoa que levou ao fim dos anos 60. Seu pensamento estranho e bizarro aparentava estar em perfeita sintonia com o lado destrutivo da cultura da droga. Não se tratava mais do poder das flores. A cultura jovem estava mais obscura e desruptiva do que as pessoas jamais tinham imaginado".