Opinião: Obama assume 'risco calculado' de olho nas próximas eleições
Sem mais eleições a disputar e farto de esperar por sinais de disposição de seus adversários republicanos à conciliação das diferenças, o presidente americano, Barack Obama, optou pela confrontação no tema da imigração. Anunciou, na quinta-feira, que usará o poder da caneta para dar início a uma ampla reforma do sistema de migratório do país.
Os beneficiários do programa de Obama são cerca de 4 milhões dos estimados 11,5 milhões de imigrantes em situação irregular no país. São os pais de filhos nascidos nos Estados Unidos que, por essa razão, têm cidadania americana. Esta reforma, e mais a do sistema de saúde anunciada em 2010, serão o legado do presidente.
Num discurso ao país, Obama instou esses migrantes a "sair das sombras" e regularizar sua situação. Poderão fazê-lo mediante a comprovação de pagamento de impostos e o cumprimento de formalidades, como a comprovação de que não cometeram crimes.
Em sua fala, Obama praticamente desafiou os rivais republicanos a usar as maiorias que terão nas duas Casas do Congresso a partir de janeiro para tentar reveter sua decisão. Ele deixou implícito que usará seu poder de veto – que empregou apenas duas vezes desde que chegou à Casa Branca, em janeiro de 2009 – para fazer valer sua autoridade.
"Ao ignorar a vontade do povo americano, o presidente Barack Obama cimentou seu legado de ilegalidade e jogou fora a pouca credibilidade que lhe restava", disse o presidente da Câmara de Representantes (Deputados), John A. Boehner.
Nova paralisação?
Os republicanos prometem infernizar a vida de Obama nos dois anos que restam de seu governo. Certamente bloquearão nomeações de juízes e altos funcionários que dependem de aprovação do Congresso para assumir.
Uma incognita é se os conservadores estenderão a confrontação a um tema de seu interesse – e sobre o qual concordam com Obama: a negociação de acordos comerciais. Os legisladores poderiam negar ao presidente a aprovação de legislação que o autoriza a negociar as iniciativas transpacífica e transatlântica, cujo avanço depende de uma participação efetiva de Washington.
Num cenário extremo, os republicanos poderiam alegar que Obama extrapolou seu poder constitucional no tema migratório e iniciar um processo de impeachment.
Porém, o mais provável é que respondam retirando fundos de programas do Executivo, seja bloqueando a aprovação de leis de dotação orçamentária, seja incluindo nelas provisões inaceitáveis para o presidente.
Em qualquer caso, isso criaria impasses que levariam à suspensão de atividades não essenciais da administração e ao fechamento do governo. Aconteceu mais de uma vez nos últimos 20 anos e, em todas elas, o prejuízo politico ficou com os republicanos.
Risco calculado
Este é certamente um fator do cálculo que Obama fez antes de assumir o risco de partir para uma confrontação que ele preferiu evitar até recentemente.
A ação do líder americano condicionará o debate politico em Washington nos próximos dois anos e deve influenciar fortemente as estratégias eleitorais de republicanos e democratas na disputa da Casa Branca em novembro de 2016.
A razão é que o voto dos descendentes dos imigrantes, que tem favorecido desproporcionalmente os democratas nos últimos anos, será decisivo na próxima e em todas as futuras eleições presidenciais.
Afinal, os Estados Unidos são uma nação cuja população de 330 milhões de habitantes está projetada a chegar a 400 milhões neste século graças, quase que exclusivamente, ao crescimento da população descendente de imigrantes, principalmente do México, da América Central e Caribe.
Não por acaso, os candidatos mais cotados para disputar a vice-presidência nas chapas democrata e republicana daqui a dois anos são dois jovens políticos de origem hispana, respectivamente, o prefeito de San Antonio, o democrata Julian Castro, e o senador Marco Rubio, republicano da Florida.
* Paulo Sotero é diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars.
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