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Blogueiros de Cuba contam o que muda para moradores da ilha

Alejandro Ernesto/ Efe
Imagem: Alejandro Ernesto/ Efe

18/12/2014 11h17Atualizada em 18/12/2014 12h47

Anúncio de reaproximação teve reação positiva em Havana

Manifestações espontâneas de alegria, surpresa, entusiasmo e ceticismo. A maior mudança nas relações entre Estados Unidos e Cuba em mais de 50 anos causou reações apaixonadas na ilha.

A BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, pediu a autores do blog Voces desde Cuba (Vozes de Cuba) que relatassem como eles viveram na ilha o dia histórico em que os líderes dos dois países anunciaram a reaproximação.

Yuris Nórido: um dia histórico

Poucas vezes uma notícia surpreendeu tanto o povo cubano. Milhões de cidadãos foram à TV para ouvir o presidente Raúl Castro, ao meio-dia.

A imprensa nacional tinha acabado de anunciar o pronunciamento do líder, informando que o tema seria as relações com os Estados Unidos.


Mas muitos cubanos com acesso total à internet já sabiam muito mais: Alan Gross tinha sido libertado e - a maior surpresa - os três cubanos que seguiam presos nos EUA também deixariam a cadeia.

Os rumores se espalharam, apesar do silêncio inexplicável da mídia nacional. Felizmente, graças ao sinal aberto da Telesur, muitos espectadores puderam ouvir, além do discurso do presidente Castro, ao presidente Obama.

A reação foi imediata. Nas ruas de Havana, havia satisfação. Esse é o grande tema, que chama atenção de todos. Em táxis, pontos de ônibus, no trabalho, filas, parques...

Não é para menos: trata-se da mudança mais importante na política dos Estados Unidos em relação a Cuba nos últimos 50 anos, resultado de negociações entre os dois governos.

Ainda é cedo para se ter uma ideia clara das mudanças específicas que esta decisão vai promover.

Obama tomou decisões importantes que, obviamente, marcam uma mudança. Por exemplo: mais viagens entre os dois países e aumento da quantidade de dinheiro que pode ser enviado a partir do Estados Unidos são, sem dúvida, medidas que irão influenciar positivamente a vida de grande parte da população.

Há outros pontos importantes: a possível saída de Cuba da lista dos EUA de países que apoiam o terrorismo, uma inclusão que tem razões mais políticas do que práticas.

E o retorno a Cuba de Antonio Guerrero, Ramón Labañino e Gerardo Hernández marca o fim de uma mobilização nacional, que contou com demonstrações de solidariedade de todo o mundo.

A maioria das pessoas, agora, reagiu com alegria e esperança. Com o passar dos dias se descobrirá o real alcance das medidas, mas é possível sentir o otimismo.

Ao contrário do que pensam pessoas pouco informadas sobre a realidade da ilha, cubanos não têm sentimentos antiamericanos, apesar do longo enfrentamento entre os dois governos, desencontros, declarações oficiais e efeitos práticos de medidas econômicas.

As pessoas imaginavam que as relações entre os dois países mudariam para melhor, em algum momento. Poucos esperavam que, aparentemente, seria da noite para o dia.

Regina Coyula: libertações

Não deixei de ficar surpresa, mas também não fui pega desprevenida. Havia conversado sobre isso com amigos que me chamaram de louca, para quem (o americano libertado Alan) Gross e os três não eram moeda de troca, que sem direitos humanos não haveria relações.

Eu os respeitava, mas lembrei que política é preparada com ingredientes sutis que não aparecem nas notícias - muito menos nas notícias do Granma - mas havia indícios e foi por esses indícios que a notícia do ano me surpreendeu pouco.

Agora, com Gross nos EUA e os três em Cuba, começa a implementação das conversas. Não acho que todo mundo esteja feliz, seja dentro do governo ou na dissidência.

Mas a economia, como sabemos, é muito pragmática, os investidores americanos medem o risco em números e não em violações de direitos humanos.

O governo cubano, por sua vez, tem de normalizar as relações com seu vizinho do norte e aguarda ansioso por capital. A Zona Especial de Desenvolvimento Mariel (ZEDM) finalmente cumprirá a função para a qual foi concebida.

Caberá à sociedade civil aproveitar esta conjuntura indiscutivelmente favorável para aprofundar a luta para estabelecer um verdadeiro Estado de direito.

Já eu quero acreditar que o dia de 17 de dezembro de 2014 abre uma nova etapa na longa viagem de Cuba para inserir-se entre os países modernos e democráticos.

Alejandro Rodríguez: a grande mudança começou

Em Camagüey, uma das principais cidades da ilha, a notícia da progressão para o restabelecimento das relações diplomáticas e a troca de prisioneiros teve um efeito comparável aos acontecimentos mais importantes da história do país.

Nós cubanos não estamos acostumados às notícias e menos ainda às de alto impacto: houve, então, quem chorou e quem não acreditava.

Houve até mesmo pequenas manifestações espontâneas de alegria popular, um cenário pouco comum.

Embora nenhum dos anúncios signifique, de fato, o fim da política tradicional de Washington com Havana - o embargo - ou das tradicionais respostas de Havana, todos interpretaram o anúncio como o início do fim das hostilidades entre os dois países.

Isto é algo muito esperado por aqueles que nasceram no meio de uma antiga guerra que não pedimos nem queremos.

Ninguém sabe ao certo o que vai mudar a partir de agora para os cubanos, especialmente para os mais pobres, mas as pessoas sabem que uma grande mudança começou, que pode guiar Cuba para o século atual.