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Ex-detento ensina presos de colarinho branco a sobreviver na prisão

Rafael Barifouse

Da BBC Brasil em São Paulo

18/12/2014 08h46

Consultoria emprega ex-detentos que ensinam criminosos do colarinho branco como será vida na prisão

O britânico Steven Dagworthy, de 48 anos, foi preso em 2009 por fraudar investimentos financeiros da ordem de 3 milhões de libras (o equivalente a R$ 13 milhões). Libertado após cumprir metade da pena de seis anos, ele hoje ensina outros a fazer o mesmo –não a fraudar, mas a sobreviver à prisão.

Dagworthy é fundador da Prison Consultants, consultoria que prepara condenados de colarinho a branco como ele – pessoas que cometeram crimes de motivação econômica, sem violência e tirando proveito de seu status ou posição social –para a vida atrás das grades.

"Quando fui preso, foi um choque, porque meus advogados não haviam me preparado para isso", afirmou ele à BBC Brasil.

"O mesmo acontece com nossos clientes. São pessoas normais que se meteram em problemas. Eles não sabem como é a vida na prisão."

Dagworthy decidiu abrir a empresa depois de ler uma reportagem sobre o consultor Herb Hoelter quando ainda estava detido.

Na época, Hoelter aconselhava o investidor americano Bernard Madoff, sentenciado em 2009 a 150 anos de prisão por uma fraude semelhante à de Dagworthy.

A consultoria criada Hoelter ele em 1977 já havia atendido a outros condenados famosos, como a apresentadora Martha Stewart e o ex-lutador Myke Tyson, e estava à frente de uma indústria milionária nos Estados Unidos, segundo a reportagem.

"Achei uma ótima ideia e vi que não tinha nada assim no meu país", diz o britânico.

"Ao sair da prisão, propus a ideia a um amigo, que gostou da proposta. Juntos, abrimos o negócio."

Foi assim que a Prison Consultants começou a operar no início deste ano.

Preparação

Normalmente, o primeiro contato da empresa com seus clientes potenciais ocorre no mês entre a decisão da condenação e a audiência que determina a sentença do condenado.

Porém, segundo o empresário, a demanda por seus serviços vem ocorrendo cada vez mais cedo, porque os advogados aproveitam os conselhos da consultoria para acalmar o acusado e, assim, torná-lo um "réu melhor".

"Depois de entender as especificidades do caso, apresentamos um pacote levando em conta o possível tempo de prisão e o local onde a pessoa ficará presa inicialmente", diz Dagworthy.

"Atendemos não só a quem vai preso, mas também quem ficará do lado de fora, a família. Às vezes, o período na prisão pode ser mais difícil para os parentes do que para o próprio preso."

A consultoria cobra a partir de 3 mil libras (cerca de R$ 13 mil) por dez a quinze horas de atendimento.

Em sua equipe, há quatro ex-presos, um ex-diretor, um ex-guarda e um ex-médico de prisão. O médico dá atenção especialmente a acusados com condições médicas pré-existentes.

Os consultores se concentram em cinco pilares do caso: preparação para a vida na prisão, questões práticas deste novo dia a dia, o lado psicológico do futuro preso, como progredir no regime penitenciário e como obter liberdade condicional.

Dagworthy explica que os criminosos do colarinho branco se destacam em meio a outros detentos e viram alvo fácil para hostilidades.

"Se alguém é preso por fraude, pensam que a pessoa tem muito dinheiro, mesmo que não tenha, e isso atrai os valentões", conta.

"Um deles se aproxima quando você chega e diz que pode ajudá-lo em caso de necessidade. Logo depois, outro começa a importuná-lo. Para se livrar de um, você fica em dívida com o outro."

Nada de empréstimos

Os conselhos do consultor visam a afastar os seus clientes de situações de encrenca. Um exemplo, ilustra, é o que recomenda evitar trabalhos na cozinha.

"O orçamento de uma prisão britânica prevê duas libras por dia para as refeições de cada prisioneiro. Então, a comida costuma ser pouca e ruim", diz Dagworthy.

"Quem trabalha na cozinha costuma receber pedidos ou ser coagido a levar comida para a cela. Se for descoberta, a pessoa terá dificuldades para progredir de um regime fechado para o semiaberto, por exemplo."

Dagworthy também aconselha os clientes a evitar trabalhos ao ar livre, que podem parecer agradáveis para quem passa a maior parte do dia entre quatro paredes.

É que, neste tipo de função, a pessoa estará sujeita ao frio e à chuva, já que um detento não pode simplesmente telefonar para o escritório e dar uma desculpa para não ir trabalhar naquele dia.

A principal regra de Dagsworthy é: não emprestar nem tomar nada emprestado a ninguém.

"Emprestar é proibido e pegar emprestado te deixa em dívida com alguém, que vai esperar que você pague de alguma forma. Se não fizer isso, haverá violência."

Em oito meses à frente da Prison Consultants, Dagworthy já atendeu a 35 clientes e diz que nos últimos três meses o negócio "decolou".

Ele reconhece que é uma grande reviravolta na vida de quem há dois anos estava detrás das grades.

"Dizem que, na adversidade, a gente descobre oportunidades. Parece que é verdade, né?"