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Novo ministro terá difícil missão de recuperar prestígio do Itamaraty

Mauro Vieira é o novo ministro das Relações Exteriores - Alan Marques - 12.nov.2009 /Folhapress
Mauro Vieira é o novo ministro das Relações Exteriores Imagem: Alan Marques - 12.nov.2009 /Folhapress

Mariana Schreiber

Em Brasília

31/12/2014 16h42

O atual embaixador brasileiro em Washington, Mauro Vieira, assume o cargo de ministro das Relações Exteriores em um momento delicado para o Itamaraty, de crescente insatisfação do corpo diplomático com o desprestígio do órgão dentro do próprio governo.

No Itamaraty desde os anos 70, ele foi anunciado nesta quarta-feira para substituir o atual chanceler Luiz Alberto Figueiredo, que ocupará seu posto na capital americana. Foi também o único novo nome entre os 14 ministros que faltavam ser indicados por Dilma Rousseff.

Foram mantidos em seus cargos: Aloizio Mercadante (Casa Civil), Arthur Chioro (Saúde), Eleonora Menicucci (Políticas para as Mulheres), Guilherme Afif Domingos (Micro e Pequena Empresa), Ideli Salvatti (Direitos Humanos), Izabella Teixeira (Meio Ambiente), José Eduardo Cardozo (Justiça), José Elito Carvalho Siqueira (Segurança Institucional), Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União), Manoel Dias (Trabalho e Emprego), Marcelo Neri (Assuntos Estratégicos), Tereza Campello (Desenvolvimento Social) e Thomas Traumann (Comunicação Social).

Vieira será empossado amanhã, junto com os demais 38 ministros que acompanharão a presidente Dilma Rousseff em seu segundo mandato.

Segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, o novo chanceler terá a difícil missão de estabelecer uma boa comunicação com a presidente e aumentar a importância da política externa no governo Dilma. Após ganhar prestígio e se expandir durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), o ministério teria sido colocado de lado no primeiro mandato da atual presidente, perdendo relevância política e peso no orçamento federal.

"O Itamaraty está marginalizado no momento. Está subutilizado e muito enfraquecido", afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas.

Os recursos destinados ao Itamaraty cresceram em ritmo menor que as despesas do governo federal nos últimos anos, o que reduziu sua relevância no orçamento. A fatia do Ministério das Relações Exteriores (MRE) nos gastos totais federais (somadas a despesas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) caiu de 0,17% em 2008 para 0,11% em 2014 (considerando os valores empenhados, ou seja, liberados, até dia 23 de dezembro).

Em valores absolutos, os recursos destinados ao MRE cresceram 25% neste período, para R$ 2,6 bilhões neste ano. Já o gasto federal total praticamente dobrou no período, com uma alta de 96% para R$ 2,473 trilhões.

O crescimento dos recursos seria insuficiente para bancar a expansão da estrutura do Itamaraty, que no governo Lula abriu 77 novas embaixadas, consulados e representações, um aumento de mais de 50% ante os 150 existentes até então. Na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo revelou que a falta de recursos levou o MRE a atrasar o pagamento de aluguéis em pelo menos cinco postos no exterior. Além disso, funcionários teriam ficado três meses sem receber auxílio-moradia.

"Há uma certa preocupação nesse campo. O Brasil prometeu, sobretudo aos países em desenvolvimento da África, participar do seu desenvolvimento, e já se sabe que nas capitais africanas o Brasil não tem meios para concretizar essa diplomacia. Então, seria uma diplomacia oca, sem capacidade de realizar os projetos que foram lançados", critica José Flávio Saraiva, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

Stuenkel observa que a política externa não tem papel de destaque no governo Dilma como tinha no de Lula e isso afeta a capacidade de atuação do ministério porque "a moeda de poder em Brasília é a atenção da presidente".

Se o Itamaraty não é visto como órgão prestigiado, explica, receberá menos recursos do Ministério do Planejamento e menos atenção de outros ministérios, que passam a exercer função do Itamaraty, como as negociações de comércio exterior.

Força política e negócios

Mauro Vieira, que antes de assumir o mais alto posto em Washington em 2010 foi embaixador em Buenos Aires por quase sete anos, tem reconhecida experiência diplomática para assumir a função de chanceler. A dúvida, ressalta Stuenkel, é se terá força política para elevar o prestígio do Itamaraty junto ao Planalto.

"O novo ministro vai ter que ter capacidade política. Os dois anteriores (Figueiredo e seu antecessor, Antônio Patriota) não conseguiram estabelecer um canal com a presidente. É uma das posições mais difíceis porque a expectativa é muito grande e a tropa (o corpo diplomático) esta muito desanimada", afirmou.

Os dois professores consideram que a forma de governar da presidente, muito centralizada em si própria, engessa a política externa.

"A classe diplomática está amuada porque as decisões praticamente não são tomadas no Itamaraty. É preciso garantir ao novo ministro uma autoridade internacional. O atual chanceler, apesar de excelente diplomata, não pôde trabalhar", disse Saraiva.

Em um momento em que o Brasil perdeu espaço no comércio global e fechará o ano com déficit na balança comercial pela primeira vez desde 2000, aumentaram as críticas também a uma suposta falta de atuação do Itamaraty na abertura de mercados para as empresas lá fora. Um dos motivos apontados para a saída do atual ministro Alberto Figueiredo seria sua pouca experiência na área de comércio exterior.

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, defende "um Itamaraty mais voltado para o comércio".

"Nós sentimos que o mundo hoje tem uma diplomacia comercial e nós continuamos com uma diplomacia diplomática. As chancelarias do mundo deixaram de cuidar apenas da parte institucional do país para também cuidar da parte comercial, pois tudo hoje são acordos, sejam bilaterais ou multilaterais", afirma.

Na sua avaliação, a abertura dos mercados forçaria o governo a adotar medidas estruturais que elevem a competitividade brasileira, como reforma tributária e melhoria da infraestrutura.

Já o professor da FGV Oliver Stuenkel considera que o poder do Itamaraty nesta área está superestimado.

"Tem gente que diz que o Brasil precisa de um caixeiro viajante como o Lula que possa vender o Brasil lá fora. Mas isso não existe, o mercado não funciona assim. A conquista de mercados é muito mais em função da capacidade da indústria brasileira de competir internacionalmente", afirma.

Para Stuenkel, o Itamaraty precisa se comunicar melhor com a sociedade brasileira para tornar mais claro o seu papel. Na avaliação dele, o órgão pode ser muito importante também na agenda doméstica, utilizando acordos internacionais nas áreas de direitos humanos e ambiental para pressionar por melhores políticas internas.

"O próximo chanceler tem que dar ênfase à interação com as ONGs, com os jornais, com o mundo acadêmico, com a sociedade civil em geral. Hoje em dia ninguém se importa com a situação ruim do Itamaraty porque não é clara qual sua importância", disse.