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Moratória de execuções cria angústia e superlotação em corredor da morte na Califórnia

Em 2012 os eleitores californianos rejeitaram por uma pequena margem o fim da pena de morte - BBC
Em 2012 os eleitores californianos rejeitaram por uma pequena margem o fim da pena de morte Imagem: BBC

Jaime González

Da BBC Mundo, em Los Angeles

28/04/2015 05h45

"A pena de morte não funciona. Não evita que se cometam crimes, não faz com que nossas ruas sejam mais seguras e gera sofrimento a todos, particularmente aos réus e suas famílias."

Assim a pena de morte é vista pela esposa de Jarvis Master, um americano condenado à morte na Califórnia por seu envolvimento em um assassinato de um agente penitenciário em 1990.

Um quarto de século depois, Masters - que alega inocência mas foi considerado culpado de afiar a arma que outro preso usou para matar o guarda - continua esperando no corredor da morte da prisão de San Quentin.

A incerteza em que vive a esposa de Master, que aceitou ser entrevistada pela BBC Mundo com a condição de não revelar o próprio nome, é a mesma vivida por familiares de 734 condenados que aguardam em corredores da morte na Califórnia, Estado americano onde não são realizadas execuções desde 2006.

Neste ano, 2006, um juiz determinou que o método de injeção letal utilizado no Estado violava os direitos constitucionais dos condenados, devido ao sofrimento que poderia causar.

Desde então as autoridades não entraram em acordo para escolher um novo método e permitir a retomada das execuções.

Em 2014, outro magistrado decretou que a própria pena de morte, tal como era aplicada na Califórnia, seria "inconstitucional" devido ao "atraso imprevisível" das execuções por causa do complicado sistema de apelações das sentenças.

Mais celas

A suspensão de quase uma década das execuções na prisão de San Quentin - que abriga os mais de 700 homens condenados à morte na Califórnia (20 mulheres aguardam a execução em outro local) - contribuiu para o aperto nas instalações do corredor da morte.

Por isso, há algumas semanas, o governador do Estado, Jerry Brown, pediu a liberação de uma verba de US$ 3 milhões para construir outras cem celas para acomodar os condenados.

A Califórnia é o Estado com mais condenados à morte em todos os Estados Unidos. Mas, de 1976 - quando a Suprema Corte dos EUA reinstaurou as execuções no país - até 2006, foram executados "apenas" 13 presos.

Em comparação, cerca de uma centena de presos no corredor da morte morreram devido a causas naturais ou suicídio.

Segundo a mulher de Jarvis Masters, a incerteza do sistema atual tem um impacto "enorme" nas famílias dos condenados.

"É um castigo desmedido. Acredito que é parecida com a situação que experimentam aqueles que tem um ente querido que sofre de alguma doença terminal. Sabem que vai morrer, mas não sabem quando. Estão em um leito de morte há décadas", disse.

"A vida para. É uma situação extrema. Toda semana ouvimos informações diferentes: que sim, vão retomar as execuções, que querem acabar com a pena de morte, que vão construir mais celas... É uma montanha-russa de emoções."

A esposa de Master afirma que a situação também é muito difícil para os detentos.

"É um inferno. Alguns tentam o suicídio. Outros estão doentes. Muitos perderam a esperança", afirmou

Frustração

Nos últimos anos, as famílias de vítimas dos crimes cometidos pelos condenados à morte também demonstraram publicamente sua frustração pela forma com que a pena capital é administrada na Califórnia.

Os que são a favor das execuções acreditam que esta grande espera que enfrentam não permite curar as feridas causadas pela perda violenta de um ente querido e os impede de poder seguir adiante com a própria vida.

Outros familiares de vítimas, contra a pena de morte, reconhecem também o "sofrimento desnecessário" que enfrentam os réus e suas famílias.

Este é o caso de Aba Gayle, cuja filha morreu assassinada em 1980 e que há anos faz campanha pelo fim da pena de morte nos Estados Unidos.

"Quando minha filha morreu, tentaram me convencer que quando executassem o culpado, tudo melhoraria e ninguém me deu uma alternativa para curar minhas feridas", explicou a americana em entrevista à BBC Mundo.

Gayle deixou de ser partidária da pena de morte depois de anos de "angústia e sofrimento". Ela se encontrou várias vezes com o assassino de sua filha, que está no corredor da morte em San Quentin.

"Há muitos familiares das vítimas de crimes que não querem a pena de morte, entre outras coisas, pela quantidade de dinheiro que se gasta para julgar e prender os criminosos."

"Além disso, os condenados são tratados como se não fossem seres humanos e isso me parece terrível. (...) Conheci muitas pessoas que têm familiares no corredor da morte e isso fez com que eu percebesse que eles também são vítimas de nosso sistema penal", disse Gayle, que colabora com a organização Death Penalty Focus, que luta para a acabar com a pena de morte nos EUA.

Preconceito

Matt Cherry, diretor-executivo da organização, garante que o limbo em que se encontram as execuções na Califórnia "causa um enorme sofrimento para os condenados e suas famílias".

"Os condenados vivem em condições terríveis de isolamento, passando 23 horas por dia em suas celas, sem que seja permitido que eles trabalhem", disse.

"Os familiares precisam também enfrentar o preconceito de ter um ente querido no corredor da morte, a incerteza de não saber quando eles serão executados, se (a execução) chegar a acontecer", acrescentou.

Em 2012, os eleitores do Estado rejeitaram, por uma pequena margem (52% contra 48%) a abolição da pena de morte. Mas Matt Cherry acredita que em breve pode haver um novo referendo sobre este tema.

No meio de toda esta indefinição, o Departamento de Prisões da Califórnia (CDCR, na sigla em inglês) afirma que a eles cabe apenas fazer cumprir as condenações decretadas pelos tribunais do Estado e que não podem analisar as condições dos presos e de suas famílias.

"Por lei, os homens condenados à morte devem ser abrigados em San Quentin. O corredor da morte está preparado para abrigar 690 presos, mas há 734 réus sentenciados à pena capital, então as instalações estão acima de sua capacidade", disse à BBC Mundo Terry Thornton, porta-voz do CDCR.

"O número de condenados à morte aumenta a cada ano (cerca de 13 anualmente), por isso, a ampliação do número de celas disponíveis é a solução mais adequada", acrescentou Thornton.