Topo

Abaixo-assinado evita demolição de loja antiga em Londres; veja outros casos

29/05/2015 16h46

Justin Parkinson

BBC News Magazine



Espremida no meio de outra construção, Spiegelhalter's - o pequeno edifício branco ao centro - virou símbolo de resistência à especulação imobiliária

Uma loja considerada um marco arquitetônico de Londres conseguiu evitar ser demolida pela segunda vez em 90 anos, tornando-se um símbolo da resistência à especulação imobiliária e a projetos de urbanização no Reino Unido e em outros países do mundo.

Casos como o da Spiegelhalter's são conhecidos como "nail houses" ("casas-prego", em inglês), uma alusão à resistência dos donos destas propriedades em vendê-las, como se fossem pregos teimosos, que resistem aos golpes de um martelo.



Estas construções já foram até mesmo tema de séries e filmes, como a animação Up - Altas Aventuras (2009) e tornaram-se algo comum na China, onde é fácil encontrar exemplos de edifícios ou casas cercados por escombros dos antigos vizinhos, depois que construtoras desistiram de comprá-los e decidiram erguer arranha-céus, shopping centers ou mesmo estradas ao seu redor.



Nem Hitler conseguiu derrubar a joalheria em seus ataques a Londres

Em Londres, a fachada do século 19 da antiga loja de joias e relógios se destaca em meio às construções de estilo neoclássico aos seus lados. Pode ser uma construção pequena, mas o que resta da Spiegelhalter's é um símbolo de resistência.

O estabelecimento no leste da capital britânica sobreviveu à primeira tentativa de demolição nos anos 1920 graças à teimosia de seu proprietário. A loja de departamentos Wickman's havia crescido bastante, ocupando os edifícios ao seu redor, e fez uma oferta para comprar a Spiegelhalter's e derrubá-la junto com os edifícios vizinhos e erguer em seu lugar suas novas instalações, com direito a grandiosas colunas e uma torre no topo.



Mas a loja, que já havia mudado de local em 1892, de um ponto logo abaixo na rua, por causa da expansão da Wickham's, não aceitou a nova proposta. Sem haver oferta que fizesse seu dono ceder, a loja de departamentos precisou adaptar seu projeto, contornando a Spielgelhalter's e movendo a torre planejada um pouco para o lado.

'David contra Golias'

A Wickham's acabou sendo vendida, quando o modelo de negócios das lojas de departamento entrou em crise. Os Spiegelhalters mantiveram-se firmes até 1982, quando o estabelecimento virou uma loja de bebidas depois que eles saíram.

Desde os anos 1990, ambas as construções têm um único dono. Um supermercado e uma loja de artigos de esporte ocupam o térreo da antiga loja de departamentos. A Spiegelhalter's não é mais usada, e só a fachada do seu primeiro andar ainda existe.



Havia planos de reformar as instalações da antiga Wickham's, o que ameaçava a Spiegelhalter's, Para que a pequena loja escapasse da segunda tentativa de demolição em nove décadas, mais de 2,7 mil pessoas participaram de um abaixo-assinado para que sua fachada - descrita pelo famoso crítico de arquitetura Ian Nairn na década de 1960 como "um perene triunfo do homem comum, daqueles que não se conformam"- fosse mantida.

A construtora aceitou e, em vez de derrubar o primeiro andar da loja, o usará para entrada de um novo complexo comercial. O diretor da empresa, Matt Yeoman, explicou que é melhor dar ouvidos à população do que agir de uma forma "arrogante". Ainda assim, considerou a mudança de planos uma "oportunidade perdida de criar algo mais interessante" em seu lugar.

Joe O'Donnell, da Victorian Society, fundação voltada para a preservação de construções do período vitoriano, diz ser importante que as construtoras evitem batalhas de "Davi contra Golias". "Manter a fachada não prejudica o design do novo edifício e preserva uma parte valiosa da história da rua."

"Seria irônico se a Spiegelhalter's, uma construção que Hitler não conseguiu destruir em seus ataques à cidade na Segunda Guerra Mundial, fosse removida para sempre agora", afirma Harriet Harriss, professora de Arquitetura da Oxford Brookes University.



"Muito do que é construído em Londres parece igual. É importante mantermos alguns edifícios para não perdermos as diferenças regionais e podermos contar a história de como os locais mudaram. Se isso acabar, perderemos muito de nossa herança cultural."

Nas manchetes

Em outras partes do mundo, onde o avanço de empreendimentos imobiliários e projetos de urbanização têm levado a despejos em larga escala de famílias e negócios, muitos tentam conseguir o mesmo que os Spiegelhalters fizeram nos anos 1920.

Muitos exemplos podem ser encontrados na China desde 2007, quando os direitos dos cidadãos sobre suas propriedades foram reforçados, aumentando o potencial de conflitos.



A maioria das tentativas de evitar demolições falharam no país. Em alguns casos, serviços como água e eletricidade são cortados para pressionar os proprietários, ou as construções são demolidas quando eles não estão em casa. Mas outras disputas em torno de algumas construções podem levar tempo para serem resolvidas e virar manchetes nos noticiários.

Uma casa resistiu por três anos na cidade de Chongqing, no sudoeste do país, até ser demolida. Outra permaneceu de pé no meio de um shopping na Província de Changsha, no sul. Uma terceira ainda conseguiu não ser demolida mesmo estando no caminho de uma estrada na Província de Zhejiang, no leste.

Também houve casos de destaque nos Estados Unidos. Em 2006, a octogenária Edith Macefield ficou famosa por se recusar a vender sua casa na cidade de Seattle por US$ 1 milhão (R$ 3 milhões) para uma construtora que planejava erguer um empreendimento comercial no terreno ao seu redor.

Mas ela morreu em 2008, e sua propriedade foi colocada à venda recentemente. Transeuntes passaram, então, a prender balões na sua cerca, em referência ao filme Up, da Disney. O filme teria sido inspirado na história da americana e conta a história do aposentado Carl Fredricksen, que resiste às investidas de incorporadoras imobiliárias e, ao ver-se obrigado a se mudar, decide levar sua casa consigo voando ao prendê-la com balões.



Outra "nail house" conhecida nos Estados Unidos fica na esquina da loja de departamentos Macy's, em Nova York, que resiste a tentativas de compras há mais de cem anos. Em certas ocasiões, a Macy's aluga um espaço publicitário em sua fachada para escondê-la.

Mas a fachada da Spiegelhalter's aparentemente terá um futuro melhor. "É única", diz a historiadora Ellen Leslie, que faz um alerta, no entanto, quanto à preservação apenas desta parte de edifícios históricos.

"Você não quer manter apenas a frente e ter um monte de vidro e aço na parte de trás. Nosso patrimônio histórico não se resume a isso, e construtoras precisam saber disso. Mas, como resta muito pouco da Spiegelhalter's, a decisão foi uma boa notícia neste caso."