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'Prisão não soluciona violência, mas faz justiça', diz senador Aloysio Nunes

O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que irá contra o acordo entre seu partido e o PMDB para votar alteração na maioridade penal - Alan Marques 13.mai.2013/Folhapress
O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que irá contra o acordo entre seu partido e o PMDB para votar alteração na maioridade penal Imagem: Alan Marques 13.mai.2013/Folhapress

Mariana Schreiber

Da BBC Brasil em Brasília

30/06/2015 09h07

Defensor da redução da maioridade penal para crimes considerados mais graves, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) reconhece que prisão não é solução para a violência, mas argumenta que punir é questão de justiça.

"Não, não é (solução), mas é um castigo para quem comete um crime. Quem comete um crime tem que receber punição", disse em entrevista à BBC Brasil.

Sua proposta de redução serviu de base para o acordo costurado entre deputados do PMDB e PSDB, que tentam aprovar a medida nesta terça-feira, no primeiro turno de votação na Câmara. Por ser uma tentativa de mudar a Constituição, é necessário o apoio de 60% dos parlamentares, em duas votações na Câmara e no Senado.

Originalmente, a proposta defendida pelo presidente da casa, Eduardo Cunha, diminuía a idade mínima para julgamento penal de 18 para 16 anos em todos os crimes.

O acordo costurado pelos dois partidos, a contragosto do PT, prevê a redução da maioridade em casos considerados mais graves, como homicídio, roubos cometidos em conjunto por duas pessoas ou mais e crimes hediondos (estupro, tráfico de drogas, extorsão mediante sequestro, entre outros).

Nunes, porém, não gostou do texto combinado entre os dois partidos e disse que não apoiará essa proposta no Senado, caso ela seja aprovada na Câmara.

O acordo entre tucanos de peemedebistas deixou de fora um ponto da proposta do Senador que ele considera fundamental. Seu projeto prevê que a redução não seria automática, mesmo para crimes graves. Em cada caso, o Ministério Público e o juiz decidiriam se o jovem deveria ou não ser julgado como adulto.

Seu posicionamento revela que não há consenso dentro do partido. A proposta de redução da maioridade é polêmica e tem enfrentado resistência de grupos de direitos e organismos internacionais, como a ONU.

"Quando o adolescente comete um crime grave, ele tem sim que ser punido mais gravemente, desde que tenha capacidade intelectual, seja capaz de entender, de assumir responsabilidade. Não se trata de clamor popular não, mas de sentimento de justiça", afirmou Nunes, que foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso.

A entrevista foi concedida na sexta-feira, antes de o senador ser citado pelo empresário Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC, como um dos políticos beneficiados por doações de suas empresas. Segundo a revista "Veja", que teve acesso ao conteúdo da delação de Pessoa à Operação Lava Jato, o tucano teria recebido em 2010 R$ 200 mil para sua campanha ao Senado.

No ano passado, Nunes concorreu a vice-presidente na chapa de Aécio Neves, que também recebeu recursos da UTC, assim como a campanha da presidente Dilma Rousseff.

Em nota, Nunes confirmou que recebeu R$ 200 mil da empreiteira, mas disse que a doação foi legal e que ele não teria nenhuma condição de exercer influência política na Petrobras. Afirmou ainda que os recursos foram solicitados a seu amigo João Santana, diretor presidente da Constran, empresa que se associou à UTC.

Confira os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil - O projeto que será votado nesta terça-feira é fruto de um acordo entre PSDB e PMDB que incorpora parte da sua proposta de redução da maioridade penal.

Aloysio Nunes -
Incorpora um pouco. Não gosto do acordo que foi aprovado lá, não.

BBC Brasil - Por quê?

Nunes -
Não gostei porque a minha proposta de redução da maioridade penal era mais cautelosa. Eu procurei manter a regra geral (de maioridade penal) dos 18 anos, mas a possibilidade de já a partir de 16 anos se aplicar o Código Penal nos casos em que o adolescente tivesse cometido um crime hediondo, ou fosse uma pessoa que tivesse muitas vezes reincidido em crimes violentos.

Mas essa aplicação, mesmo nesses casos, não seria automática, passaria por um exame criterioso do Ministério Público e do Judiciário para saber se aquele adolescente tem condições de assumir a responsabilidade, portanto, ser julgado de acordo com o Código Penal.

A proposta encaminhada na Câmara suprime esse filtro de cautela que é a observância do Ministério Público e do Judiciário. Eu vou insistir aqui no Senado na minha proposta original.

BBC Brasil - Qual a importância desse filtro?

Nunes -
A importância é que você tem a possibilidade de examinar concretamente se aquele adolescente tem o desenvolvimento mental que o habilite a assumir a responsabilidade pelos seus atos - qual é o grau da sua periculosidade, verificar as circunstâncias do delito que ele cometeu, suas motivações.

É uma decisão customizada sobre se aquele caso merece realmente uma aplicação mais rigorosa. Na proposta da Câmara, a partir de 16 anos, simplesmente, cometendo esses crimes (hediondos ou violentos), já é julgado pelo Código Penal.

BBC Brasil - Esse texto então é um acordo entre PSDB e PMDB da Câmara?

Nunes -
Sim, eles fizeram lá um entendimento.

BBC Brasil - O PSDB do Senado não seguirá o acordo?

Nunes -
Vou manter meu ponto de vista. Essas questões são muito delicadas e nem sempre comportam alinhamento de bancada. Eu tenho meu ponto de vista e não vou me afastar dele.

BBC Brasil - Sua proposta prevê a construção de unidades de detenção específicas para jovens entre 16 e 18 anos, para evitar que eles sejam mantidos nas prisões onde a reincidência (volta ao crime) é muito alta. Isso foi incorporado pela Câmara.

Nunes -
A ideia é separar esses adolescentes que cometeram essas ações mais violentas e mais graves, separá-los dos demais adolescentes que estão lá por razões menos relevantes e também separá-los dos adultos

BBC Brasil - Não está claro no texto que saiu da Câmara como será essa transição, pois num primeiro momento essas unidades não estarão construídas.

Nunes -
A minha proposta é a seguinte, enquanto essas unidades não estiverem construídas, (a redução) não se aplica.

BBC Brasil - E o senhor teria ideia de qual seria o impacto fiscal dessa medida?

Nunes -
Não, não há de ser grande coisa porque não é um número grande de casos. Mas são casos emblemáticos, casos que merecem efetivamente uma punição mais grave, um isolamento maior do convívio social de pessoas que revelaram por suas ações um potencial ofensivo grande. Mas não é regra, não.

BBC Brasil - A população carcerária cresceu fortemente no país nas ultimas duas décadas, mas a criminalidade permanece como um problema grave. Prisão é solução para a violência?

Nunes -
Não, não é, mas é um castigo para quem comete um crime. Quem comete um crime tem que receber punição. Isso é algo absolutamente pacífico aqui no Brasil, nos Estados Unidos, no mundo todo. Essa punição tem, no direito penal moderno, sobretudo a função de ressocializar, de recuperar a pessoa que delinquiu, mas ela não deixa de ser uma punição. Agora, a prisão é uma delas, mas não é a única punição possível. Você tem as chamadas penas alternativas à pena privativa de liberdade que são aplicadas e que precisariam até ser mais aplicadas do que são hoje.

Em segundo lugar, a superlotação carcerária se deve muito ao número absurdo de presos temporários, pessoas que estão presas sem condenação. Isso representa 40% da população carcerária de hoje, e isso se deve à morosidade da Justiça, a inquéritos mal feitos, que acabam agravando a superlotação.

Por outro lado é preciso construir mais presídios. Se a polícia prende, a sociedade quer que a pessoa presa cumpra sua pena, pena de prisão. Para isso precisa ter presídio. Infelizmente, a construção de presídios é a última das prioridades dos governos no Brasil.

BBC Brasil - Sobre essa questão da superlotação, outro tema importante é a prisão do tráfico. Alguns estudiosos do assunto dizem que há muitas pessoas sendo presas com pequenos portes de droga, sem terem cometido crimes violentos, que poderiam estar sendo punidas de outras formas, com penas alternativas. O senhor concorda?

Nunes -
Estou totalmente de acordo. Inclusive esse filtro que a minha proposta de redução de maioridade penal insiste em manter, de uma análise de cada caso pelo Ministério Público e pela Justiça, é exatamente motivada por uma preocupação com os menores infratores que estão presos por tráfico de entorpecentes. Em São Paulo, isso representa 22% dos menores que estão detidos na chamada Fundação Casa.

E tráfico de entorpecente pela legislação brasileira é considerado crime hediondo. Então, se você não tiver esse filtro para verificar se realmente aquele adolescente que foi apanhando traficando droga, ele fez isso apenas para sustentar sua própria dependência, se ele está fazendo isso porque não teve outra oportunidade na vida, se ele está fazendo isso coagido, obrigado por um criminoso, que se utiliza dele. Se a gente não tiver condições de examinar exatamente as circunstâncias em que esse adolescente atuou no tráfico de drogas, nós vamos ter um crescimento absurdo em condenação com base em tráfico de drogas.

BBC Brasil - Os críticos da redução dizem que o resultado para conter a violência seria pequeno, pois os jovens respondem por uma pequena parte dos homicídios e outros crimes violentos.

Nunes -
Você sabe qual é a taxa média de elucidação de crimes de homicídio no Brasil? 8%. Então, essas estatísticas, é tudo muito chutado. Não tem dado para isso. Não adianta argumentar com base em estatística porque essas estatísticas são furadas, são falhas, não existem e, quando existem, apontam um grau baixíssimo de elucidação. Então, quando você diz que é um número muito pequeno, você diz isso com base em nada.

Agora, quando o adolescente comete um crime grave, que demonstra crueldade, capacidade enorme de prejudicar os outros, ele tem sim que ser punido mais gravemente, desde que tenha capacidade intelectual, desenvolvimento cognitivo, seja capaz de entender, de assumir responsabilidade. Disso eu não tenho nenhuma dúvida. Não se trata de clamor popular, não, mas de sentimento de justiça.

BBC Brasil - Os críticos da redução também argumentam que a medida atingiria a parcela mais marginalizada da população, jovens pobres, negros, e que o melhor caminho seria investir na educação dessas pessoas.

Nunes -
Isso é óbvio. É claro que precisa investir em educação, em saúde, em lazer. Agora, o argumento de que vai punir mais as pessoas pobres, esse argumento também servira para dizer: "Olha, se for pobre, põe na rua, não prende. Adulto ou adolescente, a mesma regra, impunidade".

BBC Brasil - O PT primeiro tentou atrair o PSDB para um acordo contra a redução da maioridade, mas o PSDB acabou fazendo acordo com PMDB. Tem gente criticando o PSDB por às vezes estar se afastando de ideais do partido e assumindo posturas mais reacionárias para atingir o PT.

Nunes -
Isso não é contra ideais do partido coisa nenhuma. Na campanha eleitoral nossa, que o Aécio (Neves, candidato derrotado à presidência) teve 51 milhões de votos, ele defendeu a tese que eu defendo. Muito frequentemente os partidos fazem entendimentos em votações de projetos de lei, de matérias legislativas.

Esse tipo de entendimento parlamentar é muito comum, principalmente em matérias cujo quórum necessário para aprovação é muito alto.

Por exemplo, agora mesmo o PT está fazendo um acordo com o PSDB no Senado para aprovar um projeto de lei de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) que prevê o aumento do tempo de internação da criança e do adolescente (o projeto prevê ampliação do tempo máximo de internação de menores infratores de 3 anos para 8 anos). O autor é o Serra e o relator é o líder do governo (no Congresso), o senador José Pimentel (PT-CE). Então, isso é muito comum.

BBC Brasil - Qual seu sentimento em relação à votação no Senado? O senhor acha que a maioria vai apoiar seu projeto ou pode ser que passe esse texto da Câmara?

Nunes -
Não saberia dizer. Meu projeto inicialmente foi rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, por uma margem muito pequena de dois votos, mas depois eu consegui um recurso para levá-lo ao plenário, com 35 assinaturas. Então, eu não teria como prever.

Acho que provavelmente o que o Senado vai fazer na próxima semana (nesta semana) é aprovar esse projeto de lei do Serra, que prevê a ampliação do tempo mínimo de internação, em casos graves. No Estatuto da Criança e do Adolescente, hoje é de três anos, ele está propondo aumentar para oito anos. O relator é do PT, o Pimentel, líder do governo no Congresso. Eu acho que tem chances de aprovar, sim.

BBC Brasil - O senhor então vai tentar levar à votação sua proposta, independentemente do acordo do PSDB na Câmara?

Nunes -
Exatamente. Eu acho prudente ter esse filtro para não ficar aplicando de forma tão automática a lei penal em casos que merecem um exame individual, cauteloso, da personalidade do adolescente.