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Taiwan, a ilha 'rebelde' que segue desafiando o poderoso 'dragão chinês'

O aperto de mãos entre os líderes de Taiwan, Ma Ying-Jeou (esq), e da China, Xi Jinping - Edgar Su/Reuters
O aperto de mãos entre os líderes de Taiwan, Ma Ying-Jeou (esq), e da China, Xi Jinping Imagem: Edgar Su/Reuters

07/11/2015 10h17

Sorrindo, Xi Jinping e Ma Ying-Jeou, trocam um aperto de mãos no início de um histórico encontro em Singapura, o primeiro reunindo os líderes de China e Taiwan em mais de 60 anos. Mas em nenhum momento se referem um ao outro como "presidente".

Afinal, tanto Jinping quanto Ying-Jeou acreditam estar à frente do legítimo governo chinês.

Confuso? Esse é apenas o princípio de uma história de desavenças que sugere a continuidade, de certa forma, da Guerra Civil Chinesa, encerrada em 1950. Um conflito que resultou em um doloroso e controverso processo de ruptura, com a criação de duas Chinas.

Uma, a República Popular da China, comandada pelo Partido Comunista e hoje a segunda maior economia do mundo.

A outra, a República da China, mais conhecida como Taiwan, nome da ilha de 36 mil metros quadrados, separada do território inimigo por um estreito de apenas 130 km de largura.

Foi lá que as forças comandadas por Chiang Kai-shek, o líder do Partido Nacionalista Chinês, refugiaram-se após a derrota para as tropas comandadas por Mao Tse Tung, em 1949.

Para Pequim, a ilha nada mais é do que uma província rebelde fadada a ser reunida com o restante do território chinês. Taiwan, por outro lado, exibe pujança econômica alimentada pela presença americana na Ásia durante a Guerra Fria e se diz independente.

O problema é que apenas 22 países, a maioria deles pequenas nações da América Central e Caribe, reconhecem a ilha como país.

Isso já resultou em situações curiosas. Em 1959, por exemplo, a seleção brasileira masculina de basquete sagrou-se campeão mundial numa disputa por pontos corridos depois de a principal candidata ao título, a União Soviética, aliada de Pequim, ter-se recusado a enfrentar o time de Taiwan e perdido o jogo por W.O.

Mas a disputa é séria: a República Popular da China é quem tem reconhecimento oficial da ONU, incluindo o assento permanente chinês do Conselho de Segurança, embora a decisão de "ungir" Pequim só tenha ocorrido em 1971.

O "dragão chinês" por várias vezes já ameaçou cuspir fogo e intervir militarmente caso Taiwan ouse declarar independência formalmente - algo até previsto por uma lei de 2004.

Isso explica porque o encontro em Singapura foi cercado de cuidados protocolares. Em nenhuma das fotos dos líderes havia alguma bandeira dos dois países. Tampouco houve a promessa de declarações conjuntas ou assinatura de acordos.

Mesmo a escolha da mesa para o banquete comemorativo do encontro foi por uma redonda, para que nenhum dos líderes ocupasse uma posição de maior destaque.

'Isolamento'

O isolamento diplomático de Taiwan, no entanto, é mais formal do que prático.

Muitos países, incluindo o Brasil, têm relações extraoficiais com a ilha. A lista inclui os Estados Unidos, cuja ajuda econômica a Taiwan transformou a "província rebelde" em um dos Tigres Asiáticos, o grupo de países da região que na segunda metade do século 20 teve acelerado crescimento econômico e social.

A ilha, por exemplo, está à frente de países desenvolvidos europeus no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e ficaria em 21º lugar no ranking mundial se fosse reconhecida formalmente.

Washington também é uma presença que inibe o músculo militar chinês. Do contrário, Taiwan e seus 23, milhões de habitantes dificilmente teriam resistido a uma anexação pelo poderoso vizinho.

As relações, naturalmente, foram gélidas ao longo dos anos, mas o panorama começou a mudar em 2009, quando Pequim e Taipé trocaram mensagens pela primeira vez desde a separação. Jinping e Ying-Jeou, porém, nunca pareceram interessados em algo mais do que uma trégua, em vez de um avanço diplomático.

Isso porque o presidente de Taiwan é do Partido Nacionalista Chinês, que ainda mantém a bandeira ideológica de uma reunificação com a China.

O problema é que, desde 1990, quando a ilha tornou-se uma democracia, o Partido Democrático Progressista (PDP), que defende a independência formal, cresceu ao ponto de ter ocupado a presidência por oito anos (2000-8).

No entanto, sob um regime de coalizão o que obrigou a legenda a moderar seu discurso separatista. No entanto, Taiwan vai às urnas em janeiro e o PDP desponta novamente como favorito.

"Os separatistas acreditam que Pequim quer influenciar o resultado das eleições (com a realização do encontro de líderes)", explica Yu Wen, editora do Serviço Chinês da BBC.

Analistas, no entanto, também veem Jinping e Ying-Jeou buscando um lugar na história como os líderes que intermediaram o fim da disputa de mais de meio século.

Em tempos mais recentes, a China propôs a Taiwan uma versão da fórmula utilizada com Hong Kong, que após ser devolvida a Pequim pelo Reino Unido, em 1997, manteve-se autônoma de Pequim em uma série de aspectos. A proposta foi recusada.

Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos taiwaneses ainda parece estar mais feliz com a solução "em cima do muro", em que nem a reunificação e nem a independência formal vão à frente. Afinal, a China é hoje o principal destino das exportações da ilha (27%, o dobro do que vai para os EUA, por exemplo).

Uma aproximação econômica acelerada desde 2008, quando Ying Jeou assumiu a presidência. Voos entre os dois países foram restabelecidos e empresas de Taiwan hoje operam na China.

Mas a história mostra que a paz entre o "dragão chinês" e a "ilha rebelde" é um quebra-cabeças complexo. E tenso.