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Entenda a versão de Cunha para as contas na Suíça - e quais os buracos na sua explicação

Mariana Schreiber

Da BBC Brasil em Brasília

16/11/2015 14h01

A representação contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), no Conselho de Ética da Casa deve ter prosseguimento. Essa foi a recomendação apresentada pelo deputado Fausto Pinato (PRB-SP), relator do caso, nesta segunda-feira - ele entendeu que há fatores suficientes que justificam um processo contra o peemedebista, que é acusado de ter milhões de dólares no exterior acumulados por meio de corrupção.

O prazo máximo para a entrega do seu parecer preliminar era a próxima quinta-feira, mas ele antecipou sua decisão. Já Cunha, que havia dito que apresentaria sua defesa preliminar nesta segunda, não conseguiu concluir a documentação ainda.

Os membros do conselho têm até dia 24 para apreciar o parecer de Pinato e decidir se um processo contra Cunha deve ser aberto, mas o relator disse que solicitará ao presidente do Conselho de Ética que antecipe a votação.

Nesta primeira análise, Pinato não emitiu opinião sobre se as acusações contra Cunha procedem ou não. Ele apenas analisou se há fundamentos suficientes para abertura de um processo.

Caso a maioria do conselho vote pela abertura do processo, Cunha ainda terá um prazo maior para apresentar sua defesa definitiva e a tendência é que o julgamento só ocorra em abril de 2016.

O presidente da Câmara tenta convencer seus pares de que não mentiu sobre suas contas na Suíça e de que o dinheiro no exterior tem origem lícita.

Cunha foi alvo de uma representação, encabeçada por PSOL e Rede, que pede sua cassação por corrupção e por ter mentido sobre a posse de contas bancárias fora do país, ao ser questionado na CPI da Petrobras. O Código de Ética da Casa prevê que "omitir intencionalmente informação relevante" justifica perda de mandato.

Cunha demorou pouco mais de um mês para apresentar uma possível explicação para os depósitos milionários que detém na Suíça. No entanto, sua versão, apresentada em entrevistas à imprensa no início desse mês, mais levantou dúvidas do que ajudou a reduzir a desconfiança contra ele.

O peemedebista teve seu nome envolvido no escândalo de corrupção da Petrobras meses atrás, em depoimentos de delatores que concordaram em colaborar com as apurações da operação Lava Jato em troca de penas menores para seus crimes. Dois deles disseram que Cunha teria recebido US$ 5 milhões em propina.

Sua situação começou a se complicar ainda mais, porém, no fim de setembro, quando veio à tona que autoridades suíças enviaram para a Procuradoria-Geral da República (PGR) dados de contas que ele detinha secretamente no banco Julius Bär.

Nas entrevistas, Cunha afirmou que demorou para se explicar porque não estava de posse da documentação para embasar sua defesa. Apesar disso, não mostrou provas para sua versão quando solicitado pelos jornalistas.

Entenda a seguir a versão divulgada por Cunha até agora - e quais são seus buracos.

1. Titularidade das contas

Cunha afirma que não mentiu quando afirmou na CPI da Petrobras, em março, que não possuía contas no exterior, porque seria apenas o beneficiário dos recursos depositados na Suíça e não o titular das contas.

Segundo informações repassadas pelas autoridades daquele país, Cunha e sua família possuem duas contas ainda abertas na Suíça - a Netherton Investments, da qual ele é beneficiário, e a Kopek, que está em nome de sua esposa, Cláudia Cordeiro Cruz.

Além disso, o presidente da Câmara possuía outras duas contas, que foram fechadas logo depois do início da Lava Jato - a Orion SP e a Triumph SP.

De acordo com as investigações, nos últimos anos as contas receberam depósitos de US$ 4,8 milhões e de 1,3 milhões de francos suíços, equivalentes hoje a mais de R$ 23 milhões.

Nas entrevistas que deu no início do mês, Cunha afirmou que constituiu um trust para administração dos recursos. Dessa forma, argumenta, o dono do dinheiro passou a ser o trust e ele, apenas um beneficiário.

Reportagem do jornal "O Globo" da sexta-feira passada contesta a versão de Cunha de que não tinha ingerência sobre os recursos. No caso da conta Orion, o representante legal do trust assinou uma procuração dando poderes para Cunha movimentar os recursos, como por exemplo a compra e venda de ativos no mercado financeiro.

Documentos e informações pessoais apresentadas por Cunha no momento de abertura das contas também enfraquecem sua versão, na avaliação do Ministério Público. As autoridades suíças enviaram à Procuradoria-Geral brasileira as cópias dos passaportes de Cunha e de sua mulher que estavam de posse do banco Julius Bär.

Já o jornal "O Estado de S. Paulo" revelou na semana passada que o peemedebista forneceu o nome da mãe como contrassenha a ser usada em consultas ao banco. A questão escolhida na abertura da Triumph-SP foi "O nome de minha mãe". A resposta a ser dada, preenchida numa das fichas de abertura, era "Elza". O deputado é filho de Elza Cosentino da Cunha.

Os recursos - que Cunha diz ter obtido com negócios lícitos na África no anos 80 e, posteriormente, com operações no mercado financeiro - nunca foram declarados à Receita Federal. Na visão do Ministério Público, a criação de trusts e a não declaração dos recursos teria sido justamente uma estratégia para tentar dissimular sua posse sobre dinheiro de origem ilícita.

2. Depósito desconhecido?

Uma das acusações que pesam contra Cunha é de que teria recebido US$ 1,3 milhão de francos suíços (o equivalente a cerca de R$ 4,8 milhões hoje), depositados pelo empresário João Augusto Henriques em uma de suas contas na Suíça. Esse dinheiro, diz Henriques, seria fruto de propina em um contrato da Petrobras para a aquisição de um campo de exploração em Benin, na África.

Henriques é apontado como lobista do PMDB no esquema de corrupção na Diretoria Internacional da estatal. Ele revelou a informação em depoimento no dia 25 de setembro ao juiz Sergio Moro, que conduz o julgamento dos acusados pela operação Lava Jato na primeira instância.

Sem especificar as datas em que teria feito os depósitos, o empresário afirmou que na época não sabia que a conta pertencia a Cunha e que o repasse ao peemedebista foi um pedido de Felipe Diniz, filho do ex-deputado Fernando Diniz (PMDB-MG), morto em 2009.

Sobre essa acusação, Cunha afirmou em entrevistas recentes que foram feitos cinco depósitos em 2011 no truste Orion, mas que ele desconhecia a origem dos recursos e, por isso, não teria feito qualquer movimentação.

Ao Jornal Nacional, da TV Globo, o presidente da Câmara disse acreditar que os recursos pudessem ser o pagamento de um empréstimo feito no exterior a Fernando Diniz, seu amigo, que faleceu sem ter quitado à dívida. Ao ser questionado, porém, Cunha disse que não possuía qualquer comprovante de que concedeu o empréstimo.

Após as entrevistas de Cunha sobre o caso, foi revelado que Felipe Diniz negou ter pedido a Henriques que fizesse depósitos para Cunha na Suíça, em depoimento à Procuradoria-Geral no dia 20 de outubro. Na ocasião ele disse que desconhecia a existência de dívida de seu pai com Cunha.

"O (uso do) fato de o pai do Felipe ter morrido pode ser uma estratégia de alguém para colocar toda a responsabilidade sobre Fernando Diniz, que já está morto e não tem mais como se defender", afirmou o advogado de Felipe Diniz, Cléber Lopes, ao Jornal Nacional.

Na semana passada, o jornal "Folha de S.Paulo" questionou a afirmação de Cunha de que não teria mexido no dinheiro.

Segundo a reportagem, extratos bancários enviados pelas autoridades da Suíça à Procuradoria mostram que os recursos ficaram parados na conta Orion até janeiro do ano passado, quando 328 mil francos suíços foram convertidos em dólares para cobrir um investimento em ações da Petrobras na bolsa de Nova York, no valor de US$ 387 mil.

Depois, em abril de 2014, pouco depois das primeiras prisões da Lava Jato, a conta foi fechada e o saldo de 970 mil francos suíços foi transferido para a conta Netherton Investments.

3. Negócios na África

Outra explicação apresentada por Cunha para a fortuna no exterior foram negócios anteriores a sua vida política.

Segundo ele, os milhões de dólares nas contas da Suíça foram acumulados com a venda de alimentos para o antigo Zaire (hoje República Democrática do Congo), na África, nos anos 80, e com operações no mercado financeiro internacional.

Os ganhos nunca foram declarados à Receita Federal e ao Banco Central.

Questionado pelo Jornal Nacional se possuía algum comprovante desses negócios, Cunha respondeu: "A companhia era uma companhia constituída fora do Brasil. Obviamente eu estou falando de assunto de 30 anos atrás, eu não tenho documento nem contabilidade de assunto dessa natureza e essa empresa já foi encerrada, desfeita".

Da mesma forma, não apresentou provas de seus ganhos no mercado financeiro. "Isso talvez, se retroagir ao banco que fez isso, talvez possa tentar se obter alguma coisa. Eu posso até tentar", disse ao telejornal da TV Globo.

Na terça-feira passada, o presidente da Câmara apresentou a alguns deputados, durante almoço em sua residência, um passaporte seu dos anos 80 com 37 carimbos de entrada no então Zaire. Apesar dos pedidos de jornalistas, ele não quis mostrar o documento à imprensa.

Consultada sobre se Cunha gostaria de comentar os questionamentos levantados à sua versão, a assessoria do deputado disse que "o presidente só vai se manifestar por meio de seus advogados, nos autos".

Cunha havia dito publicamente que apresentaria sua defesa ao Conselho de Ética nesta segunda-feira, mas sua assessoria informou na sexta-feira que isso não estava confirmado e que poderia ficar para terça.

A Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito no mês passado para investigar as contas do deputado. Em agosto, Cunha já havia sido denunciado ao Supremo Tribunal Federal sob acusação de se beneficiar do esquema de corrupção da Petrobras.

A corte ainda não julgou se aceita a denúncia e abre um processo criminal contra ele.