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Conheça Raqqa, a capital criada à força pelo Estado Islâmico

Militantes do Estado Islâmico em Raqqa, na Síria - Raqqa Media Center via AP/Arquivo
Militantes do Estado Islâmico em Raqqa, na Síria Imagem: Raqqa Media Center via AP/Arquivo

18/11/2015 18h15

Sexta maior cidade da Síria, Raqqa não tem sítios arqueológicos como a vizinha Aleppo e não figurava em roteiros de visita para turistas. Mas há mais de um ano seu nome aparece constantemente ao redor do mundo muito mais do que qualquer outro ponto do país: Raqqa foi escolhida à força pelo "Estado Islâmico" como a "capital" do califado que o grupo extremista muçulmano diz ter criado em partes do território sírio e do Iraque.

E desde os atentados que mataram 129 pessoas e feriram centenas em Paris, a cidade síria de cerca de 400 mil habitantes se tornou um alvo ainda mais preferencial dos bombardeios aéreos realizados pela coalizão comandada pelos EUA (que inclui a França) e em incursões da Força Aérea Russa.

Nesta quarta-feira, grupos de monitoramento informaram que foram mortos 33 supostos militantes do EI nos últimos três dias de bombardeios aéreos franceses contra Raqqa.

Ao mesmo tempo, o acirramento das tensões aprofunda a rotina de terror vivida pela ampla maioria de quem mora lá --gente que não apoia as ações do EI, mas que tampouco pode fugir delas.

Chibatadas

Sob controle ferrenho dos militantes, Raqqa é área proibida para a imprensa. Sua escolha pelo EI não foi aleatória: a cidade foi capital de um imenso império muçulmano entre os anos de 796 e 809.

As poucas informações sobre a rotina da "capital" vêm de habitantes e ativistas que arriscam a vida para transmiti-las. Ou de relatos de refugiados sírios que conseguiram escapar de uma região que o EI transformou em laboratório para seu estilo implacável de governo.

"Durante alguns meses após a chegada deles (os militantes), tínhamos internet em casa. Agora precisamos ir para cybercafés para conseguirmos entrar online. E eles verificam que páginas acessamos", contou à BBC em setembro um ex-morador de Raqqa que conseguiu entrar na Turquia.

Identificado apenas como Mohamed, ele relatou com detalhes a rotina da população vivendo sob controle dos radicais islâmicos.

Se inicialmente a vitória dos militantes contras as forças do presidente sírio, Bashar al-Assad, foi bem-recebida em Raqqa, a cidade logo se viu diante de um "regime" ainda mais opressor, em que o extremismo religioso que marca as posições do EI leva a punições rígidas para atividades como fumar em público.

Mohamed, por exemplo, ficou preso por um dia e levou 20 chibatadas pela "transgressão".

A julgar por outros relatos, no entanto, o rapaz deu sorte. Segundo informações obtidas por ativistas, execuções são uma ocorrência diária em Raqqa, tendo como "palco" específico a Praça do Paraíso, a principal da cidade. Decapitações e crucificações são os métodos preferidos dos militantes, que também governam com pulso firme aspectos da vida diária como o funcionamento do comércio e das escolas.

E, sobretudo, dos hospitais. Apesar de as informações sobre os bombardeios aliados ressaltarem a destruição de alvos do EI e morte de militantes, os relatos são de que civis também estão na linha de fogo. Mas ao contrários dos "soldados" do grupo extremista, que contam com hospitais exclusivos e os melhores médicos, baixas comuns precisam ser tratadas em locais com sérios problemas de funcionamento.

Inclusive na hora de cumprir com as doações compulsórias de sangue exigidas pelos militantes para ajudar no tratamento de feridos em combates ou bombardeios.

"A população é aterrorizada pelo EI e ao mesmo tempo precisa lidar com bombardeios aéreos. Todos estão cansados, famintos e com medo", disse recentemente a diversos veículos de comunicação britânicos Abu Ibrahim, porta-voz do Raqqa Está Sendo Chacinada Silenciosamente, um grupo de ativistas que denuncia violações de direitos humanos na região.

Ainda segundo Ibrahim, mulheres com menos de 45 anos de idade não podem sair de Raqqa. Mulheres jovens são frequentemente forçadas a se casar com militantes.

Os ataques contra o EI tiveram efeito nos preços de alimentos. O pão, por exemplo, sofreu reajustes de 150%. Há racionamento de energia elétrica e de água.

Embora ativistas tenham relatado que os ataques feitos pela aviação francesa nos últimos dias não atingiram civis, há relatos de que cinco foram mortos em bombardeios russos. E que o EI estaria usando populações como escudos humanos, movendo centros de comando para áreas civis e mesmo "mascarando" prédios estratégicos --anteriormente pintados de preto, a cor oficial do grupo, as construções teriam sido redecoradas para se parecerem mais com prédios comuns.