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Com vitória apertada, Macri pede a opositores: "Juntem-se a nós"

Mauricio Macri, representante da oposição, celebra a vitória nas eleições presidenciais da Argentina, neste domingo (23) - Ricardo Mazalan/AP
Mauricio Macri, representante da oposição, celebra a vitória nas eleições presidenciais da Argentina, neste domingo (23) Imagem: Ricardo Mazalan/AP

Marcia Carmo

De Buenos Aires, para a BBC Brasil

23/11/2015 01h07

O prefeito de Buenos Aires e opositor da presidente Cristina Kirchner, Maurício Macri, da coalizão Cambiemos (Mudemos), é o novo presidente da Argentina. Ele foi eleito neste domingo (23) e receberá a faixa presidencial em menos de um mês, no dia 10 de dezembro, colocando fim a 12 anos de kirchnerismo (2003-2015).

O resultado após a realização do inédito segundo turno gerou festa entre os apoiadores de Macri e lágrimas entre eleitores de Daniel Scioli, candidato apoiado pela presidente Cristina Kirchner. Eles se reuniram na histórica Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, a sede da Presidência, no aguardo da confirmação do resultado.

Segundo dados oficiais, com 98,24% das mesas apuradas, Macri recebeu 51,46% dos votos e Scioli, 48,54%, uma diferença menor que a esperada por cientistas políticos, que chegaram a afirmar que a distância entre os dois poderia chegar a 10%.

A diferença apertada levou o analista Sergio Berensztein, professor de Ciência Política da Universidade Torcuato Di Tella, a lembrar as últimas eleições presidenciais no Brasil, em 2014.

"Foi uma diferença muito parecida de Macri e Scioli com a de Dilma [Rousseff] e Aécio [Neves]", afirmou. Em 2014, Dilma teve 51,64% dos votos ante os 48,36% de Aécio.

Discurso

De camisa azul, calça bege e sem paletó nem gravata, Macri discursou e dançou, como costuma fazer ao final de cada ato político.

"Quero agradecer aos argentinos que saem todos os dias para trabalhar, que acreditam no trabalho e não na mania de tirar vantagem", disse.

"Hoje é um dia histórico. E que essa mudança não seja interferida por coisas como ajuste de contas. Porque é verdade o que viemos dizendo, que queremos unir os argentinos, que podemos ter pobreza zero, que podemos combater o tráfico de drogas. A Argentina é um país maravilhoso", disse.

Macri fez ainda um pedido aos que não votaram nele: que o apoiem, porque governar requer respaldo.

"Os que não votaram na gente, que se juntem a nós, porque temos que agir unidos. Porque é para melhorar a vida de todos", disse.

E acrescentou: "Peço que não me abandonem porque as mudanças começam no dia 10 de dezembro".

Mudança

Amigo de Scioli, Macri esperou o candidato de Cristina Kirchner reconhecer a derrota.

Scioli ligou para o amigo de longa data antes de admitir a derrota em um discurso transmitido pelas televisões locais

"Se o país optou por uma mudança, espero que essa mudança seja para o bem do nosso povo. Peço a Deus que ilumine o Macri. Que o Estado continue presente. E quero recordar que as iniciativas realizadas [pelo governo em vigor] geraram 6 milhões de postos de trabalho, distribuição de renda e direitos [sociais]. Espero que cuidem de todos estes direitos", afirmou Scioli.

Assim que Scioli falou, jovens que apoiavam o governo da presidente Cristina Kirchner e a eleição de seu candidato choraram diante das câmeras de televisão. Eles estavam reunidos desde cedo na Praça de Maio.

O consultor político brasileiro Augusto Fonseca, um dos principais assessores da campanha do segundo turno de Scioli, disse à BBC Brasil após o resultado da eleição que a ânsia dos argentinos por mudança foi algo que impulsionou a vitória de Macri.

"A onda por mudança era muito forte e isso tornou a campanha muito difícil, porque o tempo no segundo turno era muito curto", afirmou.

Insatisfação

Eleitores de Macri ouvidos pela BBC Brasil relataram insatisfação com o estilo do Kirchnerismo, citando, por exemplo, os longos discursos do governo em redes nacionais de rádio e de televisão. Neste ano eleitoral, a presidente Cristina Kirchner discursou mais de 40 vezes nos canais de comunicação.

"Foi cansando. Néstor tinha mais projetos que ela [Cristina], que era sempre unilateral. O problema vai ser a herança que deixarão, porque, para mim, esconderam muitos dados da nossa realidade", disse o taxista Ruben Sanguinetti, 27. Ele contou que tinha uma gráfica, mas viu seu negócio quebrar com a crise e, por isso, passou a ser taxista.

Eleitores de Scioli, por sua vez, disseram "temer as perdas de conquistas sociais".

"Não me identifico com nenhum dos dois, mas a minha aposentadoria melhorou e tenho medo que acabem com o que Cristina nos proporcionou", disse a empregada doméstica María Aurelia, 65.

A eleição de Macri foi comentada pelos analistas de diferentes tendências como sendo "uma guinada na política argentina".

O kirchnerismo chegou à Presidência em 2003 com Néstor Kirchner, que governou entre 2003 e 2007 e morreu em 2010, quando sua esposa Cristina Kirchner já era presidente.

Macri

Filho de um dos empresários mais ricos da Argentina, engenheiro que estudou em Buenos Aires e em Nova York, Macri foi presidente do clube de futebol Boca Juniors e entrou para a política há pouco mais de dez anos.

Prefeito reeleito de Buenos Aires (em 2007 e 2011), ele presidirá o país tendo como aliados seu sucessor na cidade, Horacio Rodríguez Larreta, e a governadora eleita da província de Buenos Aires, que é a maior da Argentina, María Eugenia Vidal. Os três assumem seus novos cargos no mesmo dia.

Segundo Mariel Fornoni, da consultoria política Management & FIT, os eleitores que antes não confiavam em Macri e acreditavam que ele privatizaria até escolas públicas, mudaram a percepção sobre ele após sua gestão na cidade.

Os analistas observaram que, já no primeiro turno da eleição presidencial, em outubro, quando recebeu mais apoio do que apontavam as pesquisas, Macri teria obtido muitos votos "tímidos".

"Acho que Macri combateu a resistência ao nome dele ao realizar obras públicas na cidade de Buenos Aires, como o transporte público e escolas públicas", disse a analista Mariel Fornoni.

Em entrevista recente à BBC Brasil, um dos principais assessores de Macri, Marcos Peña, que foi o chefe de sua campanha, disse que o político "foi mudando" ao visitar, por exemplo, casa por casa dos eleitores no país.

Quando a tendência estava mais clara, confirmando a vitória de Macri, eleitores buzinaram em alguns bairros da cidade, como Palermo, de classe média e média alta.

"A campanha do medo implementada por Scioli, neste segundo turno, acabou rifando a imagem de político moderado que ele tinha e acabou favorecendo a vitória de Macri", disse o analista em política Joaquín Morales Solá, da TV TN, crítico do kirchnerismo.

Um dos políticos da oposição e ex-chefe de Gabinete da Presidência no governo da presidente Cristina Kirchner, Sergio Massa, disse que os argentinos "mereciam uma mudança" após "o cansaço de um governo que não escutava os que não pensavam como ele".