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Impeachment: Decisão de Cunha é antiética mas lícita, diz jurista

Eduardo Cunha deu início na última quarta-feira a processo de impeachment - Reuters
Eduardo Cunha deu início na última quarta-feira a processo de impeachment Imagem: Reuters

Mariana Schreiber

Da BBC Brasil em Brasília

05/12/2015 12h15

A decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de dar início ao trâmite de um possível impeachment contra a presidente Dilma Rousseff foi criticada por muitos como um ato de vingança.

O peemedebista anunciou a decisão logo após o PT anunciar que votará a favor da abertura de um processo de cassação contra ele no Conselho de Ética da Câmara, em sessão que ocorre na próxima terça-feira.

Três deputados petistas chegaram a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira tentado anular a decisão de Cunha.

Eles argumentavam que o ato do presidente da Casa foi ilegal, pois a legislação brasileira os crimes de abuso de poder e desvio de finalidade com objetivo justamente de coibir que funcionários e autoridades usem seus cargos públicos em benefício pessoal.

O ministro Gilmar Mendes, no entanto, negou o pedido em decisão liminar e manteve a abertura do processo de impeachment.

Para o professor de direito da PUC-SP Adilson Dallari, não houve ilegalidade na decisão de Eduardo Cunha. Ele afirma que a postura não foi ética, mas sustenta que isso não tem importância a partir do momento em que a decisão está fundamentada.

"Na perspectiva moral, ética, isso tudo que está acontecendo é lastimável, é realmente asqueroso, um jogo recíproco de chantagem. Nesse caso, era evidente que Cunha queria se vingar. O problema é saber se o meio que ele se utilizou é lícito ou não, está fundamentado ou não", afirmou.

Dallari considera que Cunha "tinha o dever de decidir" se aceitava ou não os pedidos de impeachment e que estava cometendo uma ilegalidade justamente ao não tomar decisão alguma.

"É uma decisão lícita. Agora se é de interesse dele, se é vingança, isso não vem ao caso. O importante é saber: do ponto de vista jurídico, o pedido foi formulado de acordo com o que a lei prescreve? Foi. Ele tinha que decidir sim ou não, desde que apresentasse os motivos, e ele decidiu motivadamente", continua o professor.

"O desvio de poder acontece quando alguém pratica um ato por motivação pessoal alegando falsamente um motivo de direito. Por exemplo, o sujeito quer prejudicar alguém e por isso inventa algum motivo para prejudicar seu desafeto. No caso do Cunha, ele tinha obrigação de decidir e fundamentou sua decisão", sustenta.

Controvérsias

Mas ainda há controvérsias sobre os argumentos usados para pedir o impedimento da presidente. Juristas contrários ao impeachment dizem que as irregularidades fiscais apontadas pelo Tribunal de Contas da União não são motivo forte suficiente para justificar uma medida tão radical como destituir a presidente eleita.

Quanto ao escândalo de corrupção na Petrobras, argumentam que não há provas que envolvam Dilma diretamente em eventuais irregularidades e desvios de recursos públicos.

Outra polêmica jurídica é se a presidente pode ser cassada por eventuais crimes de responsabilidade praticados no primeiro mandato, já que ela foi reeleita para o mandato atual. Um trecho da Constituição Federal, redigido antes da hipótese de reeleição ser adotada no país, prevê que o Presidente da República só pode ser cassado no exercício do seu mandato.

Dallari escreveu no início do ano um parecer defendendo que Dilma poderia sim sofrer um processo de impeachment por supostos crimes de responsabilidade cometidos em seu primeiro mandato, sob o argumento de que, com sua reeleição, não houve interrupção do "exercício da função" de presidente do país.

O documento foi usado para embasar o pedido aceito por Cunha na quarta-feira. No entanto, como há controvérsia sobre esse ponto, os autores do pedido - os juristas Helio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaína Conceição Paschoal - acrescentaram depois acusações de que o governo Dilma repetiu irregularidades fiscais do primeiro mandato em 2015, tese que o governo contesta.

Afastamento de Cunha

O professor da faculdade de direito da FGV-Rio Diego Werneck também não vê ilegalidade na decisão de Cunha. Ele critica, porém, o fato de o peemedebista não ter sido afastado ainda do cargo de presidente da Câmara, já que há fortes indícios de que ele está usando sua função para atrapalhar a instauração de um processo contra si no Conselho de Ética.

Apesar de parlamentares tanto da base governista como da oposição já terem solicitado nas últimas semana que a Procuradoria-Geral da União (PGR) encaminhasse essa questão para análise do STF, isso não foi levado adiante.

"O fato de permitir ao Cunha permanecer na posição que permaneceu nesse tempo todo tornou tudo tão misturado que é impossível você dizer se o ato político enviesado (de abrir o trâmite do impeachment) foi aceitável ou não", nota o professor da FGV.

Werneck chama atenção para o fato de que qualquer decisão que Cunha tomasse - no sentido de arquivar ou aceitar o pedido de impeachment - poderia ser fruto de acordos políticos, já que ele tentou negociar com governo e oposição apoio para si em troca de abrir ou não o trâmite para possível processo contra Dilma.

"O problema poderia ter sido evitado quando se percebeu que qualquer coisa que ele fizesse com relação ao pedido de impeachment seria interpretada como possível resultado de barganha política. Por isso, lá atrás, a PGR deveria ter pedido, e o STF ter determinado, o afastamento do Cunha", reforça.