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Como os brasileiros podem estancar encolhimento de população em Portugal

Aeroportos de Portugal/BBC
Imagem: Aeroportos de Portugal/BBC

Mamede Filho

De Lisboa para a BBC Brasil

07/12/2015 09h03

A população de Portugal está sistematicamente encolhendo, levando o país europeu a uma das mais graves crises demográficas de sua história. E a solução para estancar a contínua redução do número de trabalhadores portugueses em idade ativa pode passar pela imigração brasileira.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística de Portugal, a população do país em idade ativa - dos 15 aos 64 anos - diminuiu em 245.676 pessoas entre 2009 e 2014, a ponto de o novo governo prometer a criação de um visto especial temporário para estrangeiros e facilitar o processo de naturalização de imigrantes.

O principal motivo foi a emigração em massa, com a saída recente, em média, de 110 mil habitantes do país por ano, principalmente em busca de trabalho em economias mais fortes da União Europeia (UE).

A lacuna deixada por esses emigrantes precisa ser preenchida, ao menos em parte, porque coloca em risco a recuperação econômica e o crescimento em médio e longo prazo. E é nesse contexto que o imigrante brasileiro ganha importância para o futuro do país europeu.

"O fato de ser, desde 2007, a comunidade mais representativa entre os estrangeiros, confere à população brasileira um papel de protagonismo nos temas relativos ao fluxo migratório português", disse à BBC Brasil Catarina Oliveira, coordenadora do Gabinete de Estudos e Relações Internacionais do Alto Comissariado para as Migrações de Portugal.

Na contramão da corrente

O agravamento da crise financeira havia empurrado uma significativa fatia da população portuguesa ao exterior nos últimos anos. Com livre trânsito na UE, pessoas em idade ativa decidiram buscar a sorte em outros Estados-membros do bloco. Além disso, muitos estrangeiros que viviam no país retornaram a suas terras de origem.

Esse fenômeno também foi registrado na comunidade brasileira, mas em menor intensidade. E, ao mesmo tempo em que boa parte optou por permanecer, milhares de compatriotas atravessaram o Atlântico em busca de um recomeço na Europa.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, no relatório "Estatísticas Demográficas 2014", entre 2009 (um ano após o desencadeamento da crise econômica) e 2014 foram concedidas 73.528 autorizações de residência a cidadãos brasileiros em Portugal - disparado o maior número de concessões entre os estrangeiros.

Esse número inclui os brasileiros que obtiveram residência por período superior a um ano, considerados "imigrantes permanentes".

A opção dos brasileiros por nadar contra a corrente migratória já se mostra importante para Portugal, pois tem servido para minimizar os efeitos negativos da onda de emigração, e não somente na reocupação de vagas no mercado de trabalho.

"O fato de a imigração em Portugal ser predominantemente de motivação econômica faz com que os imigrantes cheguem em idade ativa e contribuam para contrabalançar os efeitos do envelhecimento demográfico no país", afirma Oliveira.

"Além disso, mostra-se necessária para contrabalançar os efeitos do envelhecimento no sistema de segurança social, contribuindo para um relativo alívio do sistema de segurança social e para a sua sustentabilidade", explica a funcionária do Alto Comissariado para as Migrações português.



De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) luso, 87.493 brasileiros viviam em Portugal em 2014, representando 22,1% do total de estrangeiros no país. Mas, na prática, esse número é consideravelmente maior, já que os imigrantes originários do Brasil foram os mais beneficiados dos quase 270 mil pedidos de naturalização aprovados pelo país europeu entre 2007 e 2013.

'Tempestade demográfica perfeita'

A atual crise populacional levou o jornal britânico Financial Times a dizer que Portugal passa por uma "tempestade demográfica perfeita", gerada pela combinação da taxa de natalidade em queda constante, grave recessão e uma onda de emigração que o país não experimentava desde os anos 1960.

Os números comprovam as manchetes alarmantes. De acordo com o Observatório da Emigração luso, Portugal é hoje "o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente". Segundo o órgão, mais de 20% dos portugueses vivem fora do país, o que representa mais de 2 milhões de pessoas.

Além disso, um estudo recente da ONU indica que a população portuguesa deve diminuir em cerca de 500 mil pessoas nos próximos 15 anos, caindo dos 10,37 milhões atuais para 9,84 milhões em 2030. Até o fim do século, a projeção é de que Portugal tenha somente 7,4 milhões de habitantes.

O país precisa ainda encontrar soluções para não se tornar uma nação envelhecida. Segundo dados de 2013 do Eurostat, o organismo de estatísticas da UE, Portugal tem a quarta maior proporção de idosos do bloco e está entre os oito países com menos jovens.

Situação que deve se agravar no futuro próximo. Em seu estudo, a ONU indica que em 2030 a média de idade dos habitantes de Portugal será de 50,2 anos, a terceira mais alta do mundo.

Desafios do novo governo

Diante de tal cenário, o Partido Socialista, do recém-empossado primeiro-ministro António Costa, dedicou boa parte seu programa de governo a iniciativas para combater a crise demográfica e reverter as estimativas pessimistas sobre o futuro de Portugal.

Os socialistas prometem, por exemplo, criar um visto especial, com duração de seis meses, para estrangeiros que desejem procurar emprego em Portugal, além de facilitar os processos de naturalização de imigrantes que já vivam no país.

Atualmente, um brasileiro que pretenda obter um visto de trabalho português precisa receber uma oferta de emprego antes de deixar o Brasil, a não ser que já viva legalmente em Portugal com outra categoria de visto, como a de estudante.

Segundo o economista luso João Peixoto, especialista em migração, para que o projeto de estimular a imigração tenha uma resposta mais rápida e eficaz, o governo socialista deve criar condições para que os estrangeiros sejam inseridos no mercado com mais facilidade.

"As iniciativas para atrair estrangeiros serão mais bem-sucedidas se estiverem interligadas com medidas que estimulem a criação de empregos. Trabalhando nessas duas frentes será possível equilibrar a balança, absorver quem chega e estimular a economia local", afirma Peixoto à BBC Brasil.

O governo de António Costa já anunciou algumas medidas que têm como objetivo a criação de emprego, como a redução dos impostos de bares e restaurantes e a volta do programa de aposentadoria antecipada, suspenso desde 2012, que abre caminho à entrada de jovens no mercado de trabalho.

Momento delicado

Apesar de mostrar sinais de recuperação nos últimos dois anos, a economia portuguesa ainda atravessa um momento delicado, após anos de política de austeridade que significaram o fim de milhares de postos de trabalho. No segundo trimestre de 2015, por exemplo, a taxa de desemprego em Portugal era de 11,9%, ainda maior que os 8,9% do Brasil, que enfrenta uma grave crise.

Na opinião de Peixoto, no entanto, esse cenário não impede que Portugal comece a trabalhar para atrair estrangeiros e combater a crise demográfica. "Nada impede que imigração e desemprego possam coexistir, especialmente porque muitos dos imigrantes ocupam postos de trabalho que os cidadãos nacionais não desejam", explica.

No atual contexto, a comunidade brasileira assume um papel de destaque não somente por fornecer a mão de obra pouco qualificada para ocupar esses postos "indesejados", mas principalmente pela diversidade de imigrantes que fornece a Portugal.

"A relevância da imigração brasileira não está apenas em quem chega para ocupar essas vagas, mas também na nova safra de estudantes acadêmicos e nos empresários com muitos recursos financeiros que se beneficiam do 'visto gold', especial para investimentos e criação de emprego", afirma à BBC Brasil a pesquisadora Beatriz Padilla, especialista em imigração brasileira.

"A chegada de imigrantes será benéfica no médio e longo prazos, pois ajuda a estimular a economia, criando novos postos de trabalho. Essa é, inclusive, a justificativa que muitos políticos, economistas e acadêmicos usam para que a Europa receba melhor os refugiados", conclui João Peixoto.