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A feminista tunisiana que escandalizou o mundo árabe com seu corpo nu

A tunisiana Amina Sboui aos 18 anos e a mensagem em árabe: "Meu corpo me pertence; não é a fonte de honra de ninguém" - Reprodução/Facebook
A tunisiana Amina Sboui aos 18 anos e a mensagem em árabe: "Meu corpo me pertence; não é a fonte de honra de ninguém" Imagem: Reprodução/Facebook

Daniel Silas Adamson

Serviço Mundial da BBC

13/12/2015 07h42


No dia 8 de março de 2013 a tunisiana Amina Sboui fez uma foto de si mesma e compartilhou no Facebook.

Depois, continuou tranquilamente na casa dos avós, na capital, Túnis, enquanto um escândalo crescia nas redes sociais.

A imagem publicada mostrava Amina, uma feminista de 18 anos à época, deitada em um sofá de couro, fumando um cigarro e lendo um livro.

Os lábios estavam pintados de vermelho, olhos maquiados com delineador e ela estava nua da cintura para cima.

No tórax, uma frase em árabe: "Meu corpo me pertence; não é a fonte de honra de ninguém".

Uma hora depois da postagem, a foto já contava com mil comentários e Amina entrou em pânico. Ela já previa o abuso, a misoginia e até as ameaças de morte.

O que não esperava era que sua mãe descobrisse tudo. Amina então tomou uma decisão drástica: desligou o computador e saiu de casa.

A mãe a encontrou seis dias depois, escondida na casa de uma amiga no centro de Túnis.

Fuga e exorcismo

Ela colocou Amina em um carro a levou para o sul, na cidade de Qairouan, onde uma irmã dela vivia. Nas três semanas seguintes, a jovem ficaria presa na casa da família.

Sem conseguir encontrar uma explicação para o que a filha fez, a mãe concluiu que Amina estava possuída pelo diabo e Qairouan seria o melhor lugar para resolver o problema.

Considerada patrimônio da humanidade pela Unesco, a cidade, também conhecida pelo nome de Kirwan, é um dos centros mais antigos do islamismo no norte da África.

Por isso, não foi difícil encontrar entre os clérigos da cidade um homem que dizia ser especialista em exorcismos.

Amina lembra como o homem chegava todos os dias na casa onde ela estava sendo mantida, colocava as mãos sobre sua cabeça e recitava trechos do Corão. Também perguntava se ela havia vomitado bílis.

Quando o celular do exorcista tocava durante a cerimônia, ele afirmou que era prova de que havia um demônio na sala.

"Quando seu telefone toca é sinal de que alguém te ligou", disse Amina ao exorcista.

Femen

No começo de abril, na esperança de que Amina tivesse se curado da "loucura" e que sua vida não estava mais em perigo, a família deixou a jovem voltar para a capital.

Mas, enquanto todos pensavam que o pior havia passado, Amina provou que todos estavam errados.

Um mês depois, ela voltou para Qairouan, mas não para visitar a tia. Ela foi protestar devido a uma reunião do Ansar al Sharia, uma organização islâmica radical que surgiu durante a revolução de 2011 na Tunísia.

No muro de um cemitério, não muito longe da grande mesquita da cidade, Amina escreveu a palavra Femen, o nome do coletivo feminista europeu, hoje baseado em Paris, cujos protestos de mulheres nuas da cintura para cima inspiraram a foto publicada no Facebook.

Imediatamente Amina foi presa e acusada - inicialmente por portar spray de pimenta e, depois, por indecência e profanação de cemitério.

O julgamento de Amina expôs uma questão que divide a sociedade da Tunísia há décadas.

O país tradicionalmente se situa entre os mais progressistas do mundo árabe e muitos cidadãos, entre eles ativistas de direitos humanos, secularistas e feministas, estavam dispostos a defender o direito da jovem de protestar, até os que não estavam de acordo com seus métodos.

Outras figuras liberais do país, incluindo feministas mais populares, condenaram Amina. O argumento era que suas ações representavam um retrocesso para os direitos das mulheres pois transformavam uma luta social e política em uma guerra desagregadora, impossível de vencer, entre fé e cultura.

Outras vozes, no entanto, falaram mais alto: os islamistas que se reuniram fora do tribunal em Qairouan, alguns pedindo que ela fosse açoitada e outros exigindo que ela fosse apedrejada até a morte.

Em maio, uma situação que já era difícil ficou ainda pior quando três ativistas europeias do Femen tiraram as roupas em um protesto em frente ao Ministério da Justiça em Túnis. Elas também foram presas.

Maya Jribi, política tunisiana e defensora dos direitos das mulheres, criticou o uso das táticas do Femen em um país como a Tunísia.

"Por favor nos deixem em paz. Vocês arriscam acabar com tudo pelo que lutamos", afirmou.

Liberdade

Um mês depois as europeias foram libertadas e voltaram para Paris.

No começo de agosto, pouco mais de dois meses após ter sido acusada e presa por posse de spray de pimenta, Amina também foi libertada.

Ainda enfrentando ameaças de morte e com o desejo de terminar os estudos, ela se mudou para a França. E muitos na Tunísia ficaram felizes por ela ter deixado o país.

Agora, dois anos depois de ter chegado a Paris, Amina está de volta ao seu país, e prestes a lançar uma nova revista feminina.

Ela terminou o ensino médio em Paris, fez várias tatuagens e ajudou a escrever sua biografia, publicada na capital francesa com o título "Meu Corpo me Pertence".

No título e no livro, Amina destacou a ideia que havia tentado expressar com a fotografia polêmica do Facebook: quando o corpo feminino é visto como receptáculo da honra da família ou fonte de vergonha, ele se transforma imediatamente em posse, algo que homens devem ser donos e guardiões.

Segundo Amina a exigência masculina pela modéstia feminina está implicitamente respaldada pela ameaça de violência.

Manifestação mais extrema desta ameaça, os chamados "assassinatos por honra" ainda são endêmicos no norte da África e no Oriente Médio.

"As pessoas falam de pessoas que morrem devido ao consumo de álcool, cigarros e drogas. Mas também há mortes por honra. Não temos estatísticas, mas estou certa de que (os números) são enormes", afirmou a jovem.

A revista

Amina descreve a nova revista, que contou com o apoio do escritor e editor francês Michel Sitbon, como uma revista "feminina feminista". "Maquiagem, moda, cozinha, mas também vamos falar de livros, sobre aborto, homosexualidade, refugiados, secularismo. Tentaremos fazer com que as mulheres nos vejam como algo interessante."

A publicação, que se chamará Farida, deverá começar a circular em janeiro de 2016. O nome é uma expressão árabe feminina que significa "única", mas também, segundo Amina, lembra a palavra em inglês para liberdade: "freedom". A publicação será escrita apenas em árabe e o público alvo são mulheres entre 15 e 25 anos.

A inspiração para a revista foi outra publicação, Faiza, lançada na Tunísia em 1958, em um momento em que o país havia acabado de declarar independência, a poligamia tinha sido declarada ilegal e o divórcio fora legalizado. E Faiza, a primeira revista feminina publicada em árabe, era parte deste quadro.

Amina diz não se arrepender da provocação incendiária com o topless no Facebook, mas afirma que a revista Farida "será mais madura que provocativa". "Não é como 'Amina, a ativista'. É outra personalidade."

A polêmica despertada pela foto em 2013 ainda não acabou. Nas ruas de Túnis e até na pitoresca cidade de Sidi Bou Said, onde ela vive agora, a aparência de Amina é motivo de insultos, abusos e olhares incrédulos.

A Tunísia poderia estar entre os países mais liberais do norte da África, mas se manteve como um país predominantemente islâmico e tradicional, um lugar no qual o cabelo azul, os piercings e as tatuagens de Amina representam um choque com as forças no poder.

A jovem ainda é ameaçada de morte. Mas se Amina tem medo, ela não demonstra e diz que aqueles que a odeiam são os assustados.

"Vejo pessoas que têm medo das mulheres. Eles estão tentando de tudo para que não possamos abrir nossas bocas pois sentem o perigo que representa uma mulher", afirmou.