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Ex-militar confessa crimes da ditadura em programa de rádio e é preso no Chile

Augusto Pinochet, ditador chileno - AP
Augusto Pinochet, ditador chileno Imagem: AP

14/12/2015 07h05

Ouvinte ligou para falar sobre romance frustrado e logo começou a confessar mortes de presos políticos após o golpe de Estado de Augusto Pinochet

Os chilenos se surpreenderam por uma ligação a um programa de rádio em que um ex-militar relatou, com detalhes, os crimes que cometera durante a ditadura militar no país (1973-1990).

Tudo começou no último dia 9 de dezembro, com uma insuspeita chamada ao programa popular El Chacotero Sentimental ("O piadista sentimental", em tradução livre), da rádio Coração, de Santiago.

O ouvinte ligou para falar sobre um romance e logo começou a confessar mortes de presos políticos pouco após o golpe de Estado do general Augusto Pinochet.

O homem sugere estar usando uma identidade falsa, Alberto, ao hesitar informar seu nome. Começa a falar sobre a atração que sentia por uma italiana que conhecera aos 18 anos e da relação que não conseguiu concretizar porque teve de cumprir serviço militar obrigatório.

Em tom descontraído, ele começou a contar ao apresentador Roberto Artiagoitía como havia participado do assassinato de presos políticos depois do golpe que derrubou o governo de Salvador Allende (1908-1973). Ele disse que havia integrado um pelotão especial em que "levávamos vários desses sujeitos ao pampa [do norte do país] e metíamos uma bala na cabeça deles, dinamitávamos e 'paf', não sobrava nem a sombra".

O homem afirmou ter escrito um livro sobre seu período como militar chamado "Desperdício militar obrigatório". A polícia depois descobriu um blog anônimo com informações de mesmo teor, que associou a Alberto. Ele disse ainda que os desaparecidos na ditadura não foram localizados porque "estão totalmente desintegrados".

Dois dias depois das revelações, a polícia prendeu Alberto, que na verdade se chama Guillermo Reyes Rammsy, taxista de 62 anos e morador de Valparaíso, a 116 km de Santiago.

'Bom soldado'

Os crimes que Rammsy confessou ocorreram no norte de Chile, região em que ele prestou serviço militar obrigatório.

"Chorei na primeira vez, mas o tenente dizia: 'Bom soldado, bom soldado, soldado valente'. Logo, 'pum, pum' outra vez. Na segunda vez eu gostei, curti, era melhor que maconha."

Questionado pelo apresentador, o ex-militar disse considerar que não merece punição. Justificou-se dizendo que "foi obrigado" a cometer os crimes, porque se não tivesse cumprido ordens teria sido morto pelos militares.

Sobre a italiana que citou na ligação, ele conta ainda que participou da morte do marido da mulher e que acabou contando a ela quando ambos tiveram um romance anos depois.

Estima-se que cerca de 3.000 pessoas tenham sido mortas durante a ditadura de Pinochet.

'Minha especialidade era ser franco-atirador'

O apresentador Roberto Artiagoitía, conhecido como El Rumpy, afirmou ao jornal "Las Últimas Noticias" que o relato do ex-militar foi "arrepiante e de muita frieza".
Rammsy disse que durante o golpe foi transferido de Iquique, no norte do Chile, a Santiago.

"Soube quão má pode ser uma pessoa. Matei mais de dez pessoas, minha especialidade era ser franco-atirador", afirmou no ar.

A polícia começou a investigação na rádio, onde requisitou a gravação e detalhes das declarações.

O mandado de prisão foi emitido pelo juiz especial para processos de direitos humanos Mario Carroza. Após a detenção, o ex-militar foi interrogado pelo juiz na presença de um advogado.

O juiz decretou prisão domiciliar e denunciou o ex-militar por dois homicídios registrados no centro de presos políticos de Pisagua, no norte do país. O magistrado disse ainda que considerará a atitude de colaboração do militar ao julgar o caso.