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A saudita negra com brevê de piloto que virou símbolo da luta por direitos civis

16/01/2016 11h51Atualizada em 17/01/2016 10h22

Nawal Al Hawsawi fala o que pensa, é negra, tem brevê de piloto e é casada com um homem branco --tudo o que seus críticos dizem que uma mulher saudita não deve ser.

Mas apesar de ser vítima de ondas de abusos nas redes sociais, ela se recusa a ceder às convenções e diz que vai responder a seus detratores "com amor".

Com quase 50 mil seguidores no Twitter, rede social na qual escreve sobre a importância da diversidade racial e da igualdade no casamento, Al Hawsawi se tornou uma espécie de estrela da internet do país. Mas nem todos os que a seguem são seus fãs.

No último mês de dezembro, ela sofreu uma enxurrada de ofensas racistas no que seria apenas o início de uma longa campanha dos chamados trolls --grupos articulados na internet que querem chamar a atenção para si, geralmente realizando ataques a alguma personalidade nas redes sociais.

Há alguns anos, Al Hawsawi recebe deles fotos de gorilas e imagens de pessoas de tribos africanas alteradas no Photoshop. Eles também se referem à ela com um termo pejorativo para negros em árabe, que significa "escravo".

Enfrentando o preconceito

Por ter nascido em Meca, uma das regiões mais cosmopolitas da Arábia Saudita, Al Hawsawi diz que não havia pensado em si mesma como "negra" até ir morar nos Estados Unidos.

Lá começou o despertar de sua identidade racial, e foi também naquele país onde ela aprendeu a voar e tornou-se piloto certificada, apesar de ser proibida de exercer a atividade em sua terra natal.

Ainda nos Estados Unidos, ela estudou para se tornar terapeuta de casais, sua profissão atual. Al Hawsawi também se casou com um americano e os dois voltaram para a Arábia Saudita há poucos anos.

Foi aí que o problema começou.

Em um evento celebrando o dia nacional da Arábia Saudita em 2013, ela foi agredida verbalmente por uma mulher, que a chamou de "escrava", usando o termo pejorativo. Racismo é crime no país e ela levou o caso aos tribunais.

Mas após uma conversa com a mulher que a ofendeu, ela ouviu desculpas e retirou as acusações. Agora, afirma que as duas são amigas.

O caso chamou a atenção da mídia do país, e Al Hawsawi apareceu na televisão para falar sobre o que aconteceu.

A imprensa a chamou de "Rosa Parks da Arábia Saudita" --uma referência à icônica ativista pelos direitos civis nos Estados Unidos, que, em 1955, recusou-se a ceder seu assento no ônibus a um homem branco.

Al Hawsawi decidiu usar a plataforma que a fama lhe deu para criar uma campanha antirracismo no Twitter, usando o mesmo insulto que ouviu para conscientizar as pessoas sobre o problema.

Campanha de ódio

Mas a história não acaba aqui. Por causa da atenção que recebeu, sua conta de Twitter --que ela usa para escrever mensagens contra o racismo e a violência doméstica-- virou foco de trolls, que deram início a uma campanha de ódio contra ela.

Agora, sua cor de pele, seu gênero e seu casamento inter-racial são alvos desses grupos, que ela acredita serem formados principalmente por pessoas de extrema direita.

"Eles não gostavam dos meus tuítes sobre casamento, igualdade e unidade", disse ela ao BBC Trending, programa da BBC sobre assuntos comentados nas redes sociais em todo o mundo.

"Eles começaram uma campanha em que publicavam uma foto do meu marido e dos nossos filhos e pediam que outros retuitassem. Foi chocante."

A terapeuta diz saber claramente o motivo de ter tornado-se alvo. "Eu represento tudo o que eles odeiam, tudo aquilo ao que eles se opõem", diz.

"Sou uma mulher saudita que se casou com um estrangeiro. Eles são antiamericanos. Meu marido é branco, eu sou negra. Eles condenam casamentos inter-raciais. Eles dizem que mulheres não podem trabalhar, então ver uma mulher que não sabe apenas dirigir, mas também pilotar aviões é inaceitável. Eles não gostam do fato de que minha mensagem ressoa em muitos dos meus seguidores", explica.

Al Hawsawi encaminhou várias mensagens abusivas que recebeu ao Ministério do Interior do país e diz que o assunto está sendo tratado com seriedade.

No entanto, tentativas de localizar os agressores --que, de modo geral, escrevem anonimamente-- está demorando.

Enquanto isso, ela diz ter paciência para enfrentá-los.

"Eu aprendi muito com Mandela, Martin Luther King Jr. e Gandhi", diz.

"Não se combate ódio com ódio. Você acende uma vela e mantém o pensamento positivo. Isso só te fortalece", acrescenta.