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Espera por nevasca revela fascínio (e temor) dos americanos pelo clima

ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP
Imagem: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP

João Fellet - @joaofellet

Da BBC Brasil em Washington

22/01/2016 19h36

A previsão de que Washington enfrentará a partir desta sexta-feira (22) uma de suas maiores nevascas de todos os tempos mudou a rotina da cidade.

Muitas empresas dispensaram funcionários, e a prefeita de Washington, Muriel Bowser, fez um apelo aos moradores para que permaneçam abrigados ao menos até a noite de sábado. "As pessoas precisam entender que essa tempestade é um risco à vida", ela disse.

Washington não está acostumada a tempestades de neve - e muito menos eu, que cresci no Brasil e moro aqui há pouco mais de um ano.

Na tarde de quarta-feira, uma neve relativamente minguada - por volta de três centímetros - deixou motoristas presos no trânsito por várias horas.

Segundo as previsões meteorológicas, desta vez a neve acumulada poderá somar até 75 centímetros, o que a tornaria a maior tempestade do tipo já registrada na cidade. Por volta de 75 milhões de pessoas poderão ser afetadas pela tempestade no leste dos Estados Unidos, que deve artingir mais intensamente Washington e Estados vizinhos.

Nos últimos dias, vi moradores esvaziarem as prateleiras dos supermercados para se preparar para o acontecimento. Três dos produtos mais procurados eram leite, pão e papel higiênico.

Ao longo da quinta, recebi chamadas da companhia elétrica me alertando sobre a tempestade. A imobiliária que administra o prédio onde moro me enviou por e-mail uma lista de mantimentos e materiais indispensáveis para encarar a nevasca. Entre os itens citados, lanterna, radinho de pilha, kit de primeiros socorros e ferramentas.

Nos elevadores, ruas e redes sociais, todos falam na tempestade - batizada de Jonas e apelidada de Snowzilla (em referência ao personagem Godzilla).

Estoques e bunkers

Acompanhava tudo suspeitando que talvez houvesse algum exagero na atitude. Há dias soube de um movimento nos Estados Unidos chamado Survivalism (algo como "Sobrevivencialismo"). O movimento é formado por pessoas que estão constantemente se preparando para catástrofes de todo tipo, estocando comida e construindo bunkers. Teria a tempestade dado corda ao grupo? Ou a postura revelava algo mais específico sobre a relação dos americanos com o clima?

Um estudo recente de duas pesquisadoras do Kansas mostrou que um entre dez americanos sofre de "severa fobia climática", um temor intenso e paralisante de furacões, nevascas ou tornados.

Clima é aqui um assunto sério, ainda que muitos políticos conservadores contestem estudos sobre as mudanças climáticas. Há na TV americana canais transmitindo exclusivamente notícias sobre o tempo, 24 horas por dia. Na véspera de tempestades, simulações com imagens de satélites se repetem em ritmo hipnótico.

Por outro lado, o país já sofreu traumas coletivos que justificam essa postura diante de eventos extremos.

Em 2005, o Katrina deixou quase 2 mil mortos no sul dos Estados Unidos. Na semana passada, visitei a cidade mais afetada pelo furacão, New Orleans, onde alguns efeitos do desastre ainda são visíveis: casas abandonadas, muitas obras de reconstrução, bairros demolidos.

Metrô e ônibus fechados

Washington também já sofreu com eventos extremos. A maior nevasca registrada na cidade ocorreu em 1922, quando a neve alcançou 71 centímetros e derrubou o telhado de um teatro. Noventa e oito pessoas morreram.

Em tempestades de neve, um dos principais problemas é se deslocar. O asfalto fica escorregadio, facilitando acidentes. Por isso os ônibus de Washington não circularão durante o fim de semana. Nem mesmo o metrô vai funcionar - algumas linhas da cidade operam na superfície.

Os ventos fortes criam outros riscos para quem se arrisca fora de casa. Galhos podem quebrar e atingir pedestres, ou ainda derrubar a rede elétrica. Sem energia, muitos moradores podem também ficar sem água - os prédios usam bombas elétricas para mandar a água para os andares de cima.

Pode haver ainda complicações no aquecimento das casas, obrigando os moradores a se encher de agasalhos e se enrolar em cobertores. A mínima prevista para as próximas horas é de oito graus negativos.

Convencido de que havia razões para me preocupar, enchi a despensa de casa e passei a acompanhar a aproximação da tempestade pela janela.

Na noite de quinta, o céu ainda estava estrelado, sem nuvens. A manhã de sexta começou nublada, mas sem sinais da possível catástrofe que se avizinhava. Os primeiros flocos de neve caíram discretamente no início da tarde. A tempestade chegou silenciosa.