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Tim Vickery: Rio 2016 dará ao Brasil a chance de escapar do "domínio do futebol"

Tim Vickery*

Colunista da BBC Brasil

22/01/2016 15h51

Com a importância da Copa do Mundo para a alma brasileira, era óbvio que o Mundial de 2014 ia gerar emoções fortes. Da onda dos protestos no ano anterior ate o desequilíbrio emocional da seleção em campo, ninguém conseguiu ficar indiferente.

Mas a Olimpíada? Agora estamos em terra virgem. Faltando menos de 200 dias para o megaevento, não é fácil prever como a Rio 2016 vai mexer com o estado de espírito local.

Trata-se, talvez, de um evento não totalmente entendido por aqui. Verdade, é uma festa de diversidade. Mas, no cerne da coisa, a Olimpíada não é sobre basquete, e menos ainda futebol. Esses esportes são agregados, pois a alma dos Jogos se encontra na pista do atletismo, onde se define o fundamental: quem são o homem e a mulher mais rápidos do mundo, quem consegue pular mais longe ou mais alto, etc.

A falta de importância do atletismo na cultura esportiva brasileira talvez se reflita no fato de que, em agosto, essas modalidades nem vão ser disputadas dentro do Parque Olímpico, mas no Engenhão --com certeza o estádio mais humilde a sediar o atletismo nas Olimpíadas em muito tempo.

Um dos grandes desafios da Rio 2016 é diversificar a cultura esportiva do país. Um outro é engajar a população local, tarefa difícil levando-se em consideração o momento econômico atual.

Lembro que, antes dos Jogos de 2012, o clima em Londres, a cidade-sede, estava totalmente negativo. A população detestava, por exemplo, a criação de pistas especiais nas ruas que facilitavam os deslocamentos dos cartolas do Comitê Olímpico Internacional e atrapalhavam os do povo.

Também se chiava muito contra o lado comercial da coisa, como a proteção às marcas dos patrocinadores. Até o uso "indevido" do símbolo olímpico, os cinco anéis, estava proibido. Tudo parecia feito com a mão pesada --a prova de que o evento era uma coisa alheia, uma imposição à cidade.

O humor começou a mudar com a passagem da tocha olímpica pelos vários bairros de Londres. Aí começou-se a sentir o espírito de um evento mais inclusivo --que foi confirmado, de uma forma magnífica, pela cerimônia de abertura.

Nela, o diretor Danny Boyle contou uma história local; a destruição criativa da revolução industrial, a homenagem ao sistema da saúde (o NHS, SUS local), os scooters, a trilha sonora das musicas britânicas --tudo formou um enredo que para muitos estrangeiros não foi fácil de entender.

Paciência. O objetivo era conquistar os londrinos, e a cerimônia funcionou tão bem que a partir daquela noite a cidade entrou em um estado de graça.

Estou fascinado imaginando a história que Fernando Meirelles vai contar na cerimônia de abertura da Rio 2016. Imagino, e espero, que ele procurará evitar mitos, mentiras e estereótipos.

Será que ele conseguirá ser audacioso e ao mesmo tempo engajar os cariocas? Com certeza ele vai ter uma audiência local maior que aquela da participação do Rio na cerimônia de encerramento dos Jogos de Londres. Levar ao mundo a imagem do Brasil como a "terra da alegria" não vai enganar mais ninguém, especialmente vindo do diretor de Cidade de Deus.

Antes do fim da última Olimpíada, eu voltei para o Rio. Quis tomar a temperatura das ruas no momento em que a tocha passava de minha cidade natal para a minha cidade adotada.

Na cerimônia de encerramento, quando chegou o momento da apresentação do Rio, desci para a rua e dei um giro no quarteirão --ali há muitos bares e restaurantes, e eu estava curioso para ver a reação do povo.

Não vi reação nenhuma --pelo bom motivo que ninguém estava assistindo. Naquela hora, domingo à noite, dois times cariocas estavam jogando no Campeonato Brasileiro, e todas as televisões estavam mostrando as partidas. Foi um símbolo bem forte do domínio do futebol na cultura esportiva local.

É exatamente esse cenário que os Jogos de 2016 deveriam modificar. Tudo bem se as pessoas simplesmente aproveitarem duas semanas lindas em agosto --mas, se daqui a 20 anos, o Rio e o Brasil não tiverem uma cultura esportiva bem mais diversificada, então a Olimpíada de 2016 terá sido um fracasso.

Claro que os Jogos vão ter um efeito inspirador. Isso, porem, é a parte menor da luta. O principal é ter preparada uma estrutura para acolher os jovens interessados em experimentar modalidades diferentes --as instalações, os técnicos, etc.

Parece que, na batalha por medalhas deste ano, há recursos para atletas de ponta. Mas e nas escolas públicas? O futuro está na base. É sempre bom tem alguém em quem se espelhar. Mas bater palmas para os eventuais vencedores não é uma política esportiva.

*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick