Topo

Dilma enfrenta coquetel explosivo, mas pode sobreviver, diz especialista dos EUA

André Dusek/ Estadão Conteúdo
Imagem: André Dusek/ Estadão Conteúdo

Néli Pereira - @neli_pereira

Da BBC Brasil em São Paulo

24/02/2016 14h55

Depois de analisar cinco processos de impeachment na América Latina, inclusive o do ex-presidente Fernando Collor, o professor de ciência política da Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia, Anibal Pérez Liñan afirma que a baixa popularidade da presidente Dilma Rousseff não deve interferir no processo de impeachment, apesar do momento delicado e "explosivo" enfrentado pelo governo.

Autor do livro Presidential Impeachment and Political Instability in Latin America ("Impeachment Presidencial e Instabilidade Política na América Latina", em tradução literal), Liñán traça um histórico desses processos na região e afirma:"o que resta da boa relação da presidente com o Congresso pode ser suficiente para salvá-la".

Pesquisa de opinião CNT/MDA divulgada nesta quarta-feira mostra leve melhora da avaliação do governo em outubro, mas 62,4% dos entrevistados acham o governo ruim. Em relação ao desempenho pessoal de Dilma, 73,9% o desaprovam.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com Liñan:

BBC Brasil - No seu livro, o senhor analisou cinco casos de impeachment de presidentes latino-americanos, inclusive do Collor. Pela sua pesquisa, como a deterioração da aprovação da presidente Dilma Rousseff no último ano, apesar das oscilações, pode influenciar ou determinar o sucesso do processo de impeachment?

Anibal Pérez Liñán - O que acontece com os índices de popularidade é que quando eles estão muito baixos, enviam um sinal para os tubarões atacarem a presidente. A baixa aprovação diz à classe política que um presidente está fraco e que, por isso, podem atacar a presidente de forma segura, pressionando pelo impeachment.

O que pesa a favor da presidente agora, de certa forma, é que estamos em 2016, e não em 2018, porque senão Dilma estaria em sérios apuros por causa do calendário eleitoral.

Neste ano a situação é mais segura para ela, porque os políticos têm menos incentivo e menos poder e pressão pública para pressionar pelo impeachment

Mas o senhor acredita nisso mesmo no contexto atual de um Congresso hostil, economia ruim, baixa aprovação e medidas impopulares?

Ela está enfrentando um coquetel explosivo: situação econômica ruim, escândalos e oposição fortes, o contexto é bastante ruim. Mas ainda não está claro para mim se a classe política realmente vai pressionar pelo impeachment, porque os escândalos no Brasil atualmente atingem não apenas o governo, mas toda a classe política, por diferentes razões - veja o caso de FHC.

Claro que a credibilidade do governo é ameaçada, mas acho que até agora os políticos estão um pouco tímidos porque os problemas atingem a todos.

Pelas análises que o senhor fez nos últimos anos, acredita que há chances de Dilma reverter, e não apenas melhorar, a queda na popularidade do governo observada nos últimos meses?

Não acho que ela vai reverter a ponto de se tornar uma presidente extremamente popular, mas acredito que ela pode estabilizar a situação de modo que possa aumentar um pouco essa aprovação para criar mais estabilidade até o fim do mandato.

É difícil prever se ela vai conseguir, porque há aqui um fator imprevisível que torna a democracia brasileira mais forte: a capacidade investigativa de continuar mostrando novas informações e expondo escândalos contra o governo e a classe política como um todo - isso é muito difícil de controlar.

Isso é curioso - justamente por causa das investigações, a crise política ganha novas facetas todas as semanas aqui no Brasil. De que forma essa montanha-russa, novas acusações, novas investigações e o noticiário afetam a popularidade e influenciam o momentum do impeachment?

Esse é sempre o caso: escândalos midiáticos, no meio de um processo de crise econômica, criam um contexto explosivo para presidentes. Por isso, a presidente Dilma está em uma posição muito fraca, sem dúvida.

Temos que esperar para ver se ela vai ter capacidade de controlar a situação, reduzir os efeitos dos escândalos. E isso vai depender muito do governo e, claro, de as investigações continuarem a expor novos escândalos capazes de manter o governo na opinião pública.

Mas de certa forma esse é um ponto forte da democracia brasileira, em comparação a outros países da região. Há uma certa "justiça poética" - o sistema brasileiro foi capaz de desenvolver formas de investigar a classe política mais do que outras nações da região.

No seu livro, o senhor analisa o uso da ferramenta do impeachment em cinco processos na América Latina. Quais são os fatores que influenciam a queda de alguns líderes e a permanência de outros depois de uma intensa crise política? E nesse sentido, quais são as chances de Dilma permanecer no poder?

Há certas condições que enfraquecem um governo - a economia, por exemplo. E, quando você combina uma crise econômica com escândalos e investigações, isso cria as condições favoráveis para um impeachment.

Quando isso acontece em um ano eleitoral, acaba pressionando os congressistas e candidatos (a favor do) impeachment, porque eles querem enviar um sinal aos eleitores de que não têm relação nenhuma com aquilo e que querem combater a corrupção.

No entanto, a experiência de outros países latino-americanos mostra que, nesse ponto, quando a tempestade está formada, a melhor proteção de um presidente é ter criado uma boa relação com o Congresso, formar uma coalizão forte e mantê-la ao longo dos anos.

Esse é um capital político que um presidente tem no Congresso que dá uma certa vantagem para atravessar e sobreviver à tormenta. E nesse sentido, acho que o Brasil tem mais experiência nessa boa relação com o Congresso do que muitos outros países, e por isso acho que, apesar das condições adversas, a presidente pode ter uma pequena vantagem para chegar talvez até o final do seu mandato.

Então o melhor conselho que você poderia dar à presidente é tentar manter a boa relação que ela ainda consegue ter com parte do Congresso?

Sim, porque a Constituição do Brasil até ajuda a presidente no processo de impeachment em algum sentido, porque o processo requer muitas fases e maioria nas votações no Congresso.

Mas o fator fundamental aqui é o capital político que ela ainda preserva no Congresso e que foi construído muito antes de a crise política eclodir. O fato de não estarmos em um ano eleitoral a ajuda, mas, dito isso, as investigações têm um papel importante e podem mudar o curso da política.

O senhor analisou o processo de impeachment do Collor. Como era então esse apoio dele no Congresso e quais as principais diferenças entre o que houve com ele e a situação atual da presidente?

Há duas diferenças fundamentais. A primeira é a experiência econômica do governo. O Collor assumiu em um momento pior e teve que tomar medidas monetárias muito restritivas. Já Dilma fez parte daquele grupo do PT que governou o Brasil no momento de maior prosperidade da história da América Latina e, embora isso tenha acabado por causa da crise internacional e dos erros agora visíveis na política econômica, o PT ainda tem vantagem sobre o momento econômico que o Collor enfrentou.

A outra diferença é que Collor achava que poderia governar o país sozinho, de forma isolada. E o PT nunca cometeu esse erro, sempre ficou claro para eles a necessidade de coalizão. E é claro que Lula foi muito mais carismático que a Dilma e que hoje essa política do "toma lá, dá cá" é parte do problema da corrupção.

Ainda sobre a relação entre popularidade e impeachment - houve algum caso que o senhor estudou em que um presidente tivesse popularidade mais baixa que a atual da presidente?

Eu diria que há um caso em que o presidente tinha até mais apoio e enfrentou um processo de impeachment: o de Ernesto Samper na Colômbia, em 1994.

Ele foi acusado de usar dinheiro do tráfico para financiar a campanha, e a única razão pela qual se manteve no poder foi porque era um bom político e construiu uma boa coalizão com o Congresso, o que permitiu que ele continuasse no cargo.

Na minha pesquisa, percebi que os presidentes tirados do poder são líderes que fracassaram em formar essa boa relação com o Congresso, seja porque eles não tinham a experiência, ou como no caso do Collor, não tinham a vontade de fazê-lo.

E esse não é o caso da Dilma, porque o PT tem construído essa coalizão no poder, mas de toda forma é difícil de prever o que pode acontecer porque a situação precária da economia e os constantes escândalos afetam esse relacionamento e distanciam os congressistas da presidente.

O fundamental aqui é se a popularidade dela é baixa o suficiente (a ponto) que os congressistas passem a crer que ela é tão fraca que vale a pena o custo político de atacá-la. Se eles vão querer fazê-lo ou não, vai depender da capacidade do governo de mantê-los do lado da presidente.