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Macri tenta 'guinada' em política externa argentina, e analistas esperam avanços com Brasil

Brasil foi o primeiro destino internacional de Macri logo depois de eleito presidente - Alan Marques/ Folhapress
Brasil foi o primeiro destino internacional de Macri logo depois de eleito presidente Imagem: Alan Marques/ Folhapress

Marcia Carmo

Em Buenos Aires

28/02/2016 09h06

O governo do presidente argentino Mauricio Macri recebeu, apenas nos últimos dias, o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, e o presidente da França, François Hollande, e em março aguarda a visita do presidente americano, Barack Obama.

O desembarque desses líderes em Buenos Aires e a reaproximação com outros países levam especialistas em relações internacionais a interpretar que a Argentina está dando "uma guinada de 180 graus" em política externa --com novas perspectivas de diálogos também com o Brasil e nos acordos comerciais envolvendo o Mercosul.

Para eles e para diplomatas de países vizinhos, incluindo o Brasil, a Argentina está "saindo do isolamento e retornando ao cenário internacional".

Mas se trata de um retorno "à sua maneira" e com "novo estilo", entendem os analistas ouvidos pela BBC Brasil: dialogando com vários países, mas marcando diferença com outros, como a Venezuela.

Não se trata de uma política externa desprovida de ideologia, porém, segundo os especialistas, ela ainda prioriza a relação com o Brasil.

Para Roberto Russell, diretor de mestrado e doutorado em Estudos Internacionais da Universidade Torcuato di Tella, de Buenos Aires, a política externa do governo Macri sinaliza que não repetirá o "pêndulo" dos últimos anos.

"Não será a política externa de Carlos Menem [1989-1999], com relações especiais com Washington, e tampouco a relação tensa com Estados Unidos e outros países que foi mantida no governo de Cristina Kirchner [2007-2015]", disse Russell.

Nos anos 1990, ficou conhecido o termo "relações carnais", dito por um ministro para definir a relação da Argentina com os EUA. Já nos 12 anos de kirchnerismo (2003-2015), algumas autoridades se referiam aos Estados Unidos como "império".

"Acho que teremos uma relação pragmática com o maior número possível de países e, apesar da crise brasileira, a Argentina [que também vive mau momento econômico] não pretenderá defender discursos como o de querer ser o líder da região", disse Russell.

Para o analista, a Argentina terá "um papel múltiplo" na região, mantendo a relação com o Mercosul e a Unasul mas ao mesmo tempo com maior aproximação com México e Colômbia (integrantes da Aliança do Pacífico).

Ainda assim, analistas lembram que Unasul e Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) raramente são citados por Macri.

Segundo observador brasileiro, muitas reuniões bilaterais da gestão prévia eram marcadas por tensão.

'Novo ambiente' com o Brasil

Ao mesmo tempo, segundo Russell e Fabian Lavallen, diretor de Relações Internacionais da Universidade de El Salvador (Buenos Aires), Macri e seu governo têm demonstrado que o Brasil é "prioridade" na política externa argentina.

As visitas seguidas de autoridades argentinas ao Brasil confirmam isso, entendem fontes do governo brasileiro ouvidas pela BBC Brasil.

"No governo de Cristina, nossos assessores não conseguiam ser recebidos pelos ministros da presidente. Esse ambiente mudou completamente. E as presidentes faziam anúncios, mas eles não avançavam por falta de prosseguimento do diálogo nas esferas inferiores", disse uma autoridade, desde Brasília.

Brasília e São Paulo foram os primeiros destinos internacionais de Macri logo depois de eleito presidente. Na semana passada, o ministro da Fazenda e Finanças, Alfonso Prat-Gay, esteve com autoridades brasileiras para "afinar o discurso" dos dois países na reunião do G20, na China.

E na última semana a vice-presidente argentina, Gabriella Michetti, se reuniu durante duas horas com Dilma Rousseff no Planalto.

"Com Cristina havia muita retórica, como a da 'pátria grande', mas as relações não avançavam", disse Russell.

O embaixador do Brasil em Buenos Aires, Everton Vieira Vargas, disse que o governo brasileiro comemora que a Argentina venha se destacando na política externa. "Para nós, é importante uma Argentina forte e vinculada com o mundo. E eles deixam claro esse mesmo entendimento em relação ao Brasil", disse.

Segundo ele, ficou no passado a ideia de que quando um país ia bem, inclusive na sua política externa, poderia prejudicar o outro. "São discursos que remetem a uma rivalidade que não existe mais. Hoje o Brasil tem investimentos aqui, a Argentina tem investimentos lá, nós nos conhecemos mais como países e nossa relação é fluida".

Ele observou que Macri conversou "abertamente" com François Hollande, em Buenos Aires, a respeito das desavenças agrícolas que travam as discussões do acordo entre Mercosul e União Europeia.

"Essa questão interessa também diretamente ao Brasil. Por isso, vemos como positivo esse momento da política externa argentina", disse Vargas.

A chanceler Susana Malcorra tem sinalizado que o objetivo é ampliar e diversificar o diálogo, evitando "tensão".

Nos bastidores de Brasília, observadores citam ainda que numa recente visita do secretário de Comércio da Argentina, Miguel Braun, "ninguém bateu na mesa".

No governo de Cristina Kirchner, relatos sobre discussões duras durante reuniões bilaterais eram comuns na imprensa dos dois países.

Venezuela e Malvinas

Analistas e diplomatas afirmam que Malcorra passa a ideia de que a política externa argentina será "flexível".

A exceção disso parece ser a Venezuela. "Nesse sentido, é uma política exterior que não está desprovida de ideologias", disse Lavallen.

Na reunião do Mercosul em Assunção, em dezembro passado, Macri e a chanceler da Venezuela expuseram diferenças que foram expostas ao vivo pelas câmeras de televisão.

O governo Macri afirma ser uma "questão de direitos humanos os presos políticos na Venezuela". Para o governo venezuelano, Macri representa um "governo de direita" e "que não deve se intrometer nas questões internas" do país.

Lavallen é crítico da política atual argentina em relação às Malvinas - motivo da guerra entre Argentina e Inglaterra em 1982.

Macri sinalizou que manterá a reivindicação pelas ilhas, mas com "diálogo amigável" com o governo britânico.

"Acho que neste sentido estamos vendo um retrocesso", opinou.

Segundo ele, o governo de Cristina Kirchner havia conseguido apoios multilaterais nesta disputa. "E mesmo diplomatas e políticos que não concordavam com a gestão de Cristina apoiavam as iniciativas em relação às Malvinas. política argentina. No governo Macri não existe a mesma ênfase nesse tema", disse Lavallen.