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Quatro perguntas sobre a suposta delação de Delcídio Amaral e seu impacto na crise

Reprodução/Isto É
Imagem: Reprodução/Isto É

Mariana Schreiber

Da BBC Brasil em Brasília

03/03/2016 15h53

O governo Dilma Rousseff amanheceu mais uma vez sob forte pressão.

A revista "IstoÉ" publicou reportagem nesta quinta-feira (3) afirmando que o senador Delcídio Amaral (PT-MS) fechou acordo de delação premiada e se comprometeu a revelar supostos envolvimentos de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no esquema de corrupção da Petrobras, investigado na operação Lava Jato.

Além disso, ele teria dito que ambos agiram no sentido de conter os efeitos da operação, via intervenção do poder Judiciário (Dilma) ou tentando calar testemunhas (Lula).

Em entrevista coletiva, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo negou as acusações em nome do governo, dizendo que elas são "um conjunto de mentiras que não param em pé" e que a intenção de Delcídio era "sair da prisão e atingir pessoas", movido por vingança.

Os desdobramentos jurídicos dessas supostas revelações são incertos, dado que depoimentos de delatores não contam como prova por si só.

No entanto, o depoimento de Delcídio, caso confirmado, tem potencial para esquentar novamente o debate sobre o impeachment de Dilma, num momento em que a presidente está fragilizada até mesmo dentro de seu próprio partido.

Até a tarde desta quinta-feira, apenas a "IstoÉ" tinha tido acesso ao acordo para delação, documento de 400 páginas. Mas os maiores veículos de imprensa do país, como a Globo e os jornais "O Estado de S. Paulo" e "Folha de S.Paulo", confirmaram que Delcídio teria de fato fechado um acordo com o Ministério Público Federal.

Um acordo de delação permite que um criminoso tenha redução de pena em troca de colaborar com as investigações. Delcídio foi solto em fevereiro, após quase três meses preso, sob acusação de ter tentado obstruir as investigações da Lava Jato.

A existência da delação não foi confirmada nem negada oficialmente pela Procuradoria-Geral da República. Segundo o portal G1, o advogado de Delcídio, Antonio Figueiredo Basto, não quis comentar.

Lula e Dilma não se pronunciaram até a tarde desta quinta. Já o ministro Cardozo, que acaba de deixar o Ministério da Justiça para assumir a Advocacia-Geral da União, disse que Delcídio "não tem credibilidade" e negou qualquer interferência do governo no Poder Judiciário.

"Podem procurar todos os ministros nomeados e ver se eu negociei com algum deles. (...) Acham que a presidente da República e o ministro da Justiça teriam a coragem de dizer (ao ministro do Supremo Ricardo Lewandowski) 'vamos mudar o rumo da Lava Jato'? O governo Dilma não interveio nas investigações na Lava Jato e não interveio nos julgamentos", afirmou.

Entenda o que foi supostamente relevado na delação de Delcídio Amaral e seu impacto na crise política.

Quais acusações Delcídio teria feito sobre Dilma?

De acordo com a "IstoÉ", o senador teria dito que Dilma atuou diretamente para a nomeação de Nestor Cerveró como diretor da área internacional da Petrobras - ele é um dos principais nomes apontados no esquema de corrupção e fechou recentemente acordo de delação.

Delcídio também teria revelado que Dilma, quando era presidente do Conselho da Petrobras no governo Lula, sabia que a compra da refinaria Pasadena, nos EUA, pela estatal fora superfaturada.

O senador teria afirmado ainda que a presidente tentou intervir nos julgamentos dos casos da Lava Jato - primeiro por meio de uma conversa com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e depois com a nomeação de um ministro para o STJ, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, que supostamente atuaria para soltar empresários presos.

Após sua nomeação, no julgamento de cinco habeas corpus, Dantas votou pela soltura de alguns executivos, entre eles Marcelo Odebrecht, sob o argumento de que não havia risco de fuga, nem indícios de tentativa de obstrução da Justiça ou ocultação de bens - mas acabou derrotado com voto contrário dos outros quatro ministros da sua turma.

Quais acusações Delcídio teria feito sobre Lula?

Ainda segundo a "IstoÉ", o senador teria dito que Lula sabia do esquema de corrupção na Petrobras.

Teria afirmado também que partiu do ex-presidente a ideia de tentar impedir que Nestor Cerveró colaborasse com a Lava Jato, com intuito de preservar o pecuarista José Carlos Bumlai, conhecido como amigo próximo de Lula.

Segundo a reportagem, Delcídio teria dito que pagou mesada mensal de R$ 50 mil reais para a família de Cerveró, somando R$ 250 mil.

O senador foi preso em novembro, depois que Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor, revelou uma conversa gravada com Delcídio em que ambos discutiram a possibilidade de fuga de seu pai do país.

O conteúdo dessa eventual delação tem validade?

Nas últimas semanas, Delcídio vinha negando que faria uma acordo de delação, mas inúmeras notinhas pipocavam na imprensa dizendo o contrário.

Segundo a "IstoÉ", o senador negociou com os procuradores da Lava Jato um cláusula de sigilo que seis meses. O objetivo seria manter em segredo que teria feito uma delação enquanto ele tentava se salvar de um processo de cassação no Conselho de Ética do Senado.

No entanto, o ministro Teori Zavascki - responsável pelas questões da Lava Jato no STF - não teria aceitado esse cláusula e, por isso, o acordo não teria sido homologado ainda. A delação só terá validade, a ponto de permitir reduzir eventuais punições a Delcídio, caso seja homologada.

Qual impacto político da suposta delação de Delcídio?

Logo após a publicação da reportagem da "IstoÉ", parlamentares da oposição voltaram a cobrar a saída da presidente, seja por uma renúncia ou pelo impeachment.

Adversários do governo esperam que as revelações da suposta delação de Delcídio, somadas a recente prisão do publicitário do PT, João Santana, animem mais pessoas a comparecerem aos protestos convocados para dia 13 de março.

Se houver grande adesão popular, isso poderá aumentar as chances de o impeachment ser aprovado, acreditam.

O líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), destacou o fato de Delcídio ter sido líder do governo Dilma no Senado.

"O senador Delcídio era o líder da presidente Dilma, agia e falava em nome dela, gozava de sua total intimidade. As informações contidas em sua delação são uma pá de cal no governo da presidente e na defesa de Lula porque não se trata mais de um delator qualquer", afirmou.

Já os governistas buscaram desqualificar o suposto depoimento de Delcídio.

O ministro Cardozo disse que Delcídio mente como "retaliação" pelo fato de o governo não ter agido para tirá-lo da prisão.

"Recebíamos muitos recados de que, se o governo não agisse para tirá-lo da prisão, ele faria retaliações. Se efetivamente houve (delação premiada), é forte a possibilidade de ser retaliação, porque isso foi anunciado previamente: se o governo não fizesse nada para ele sair da cadeia, ele retaliaria."

"Jamais houve qualquer interferência (na nomeação para tribunais de Justiça). A postura foi sempre de independência. Os réus estão presos. Que articulação é essa?", insistiu Cardozo.