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Odebrecht condenado: Entenda polêmicas envolvendo a maior construtora do país

08/03/2016 12h49

Ocorrida em junho do ano passado, a prisão do então presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, foi avaliada por analistas como um "duro golpe" para uma das maiores multinacionais brasileiras, que se tornou um dos ícones da projeção internacional do país.

E pôs fim a questionamentos sobre quando seria "a vez" da empresa na operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras - antes, outras gigantes do setor, bem como seus dirigentes, haviam sido atingidos pelo escândalo.

Se a prisão de Odebrecht é lembrada como um dos momentos mais importantes da operação, o mesmo deve ocorrer com a notícia, nesta terça, de sua condenação pela Justiça Federal de Curitiba.

O juiz Sergio Moro considerou o executivo culpado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa e o sentenciou a 19 anos e 4 meses de prisão.

Para o magistrado, as investigações comprovaram que Odebrecht pagou mais de R$ 113 milhões em propinas para que sua empresa conquistasse contratos com a Petrobras, lógica que repete a adotada por outras companhias envolvidas no esquema, segundo decisões anteriores.

Delatores apontaram Odebrecht não só como um participante, mas como o líder de um cartel que gerenciaria contratos com a estatal - o que as defesas dele e da companhia sempre negaram.

Império empresarial

Odebrecht, 47, pertence à terceira geração da família que ergueu um dos maiores grupos empresariais do hemisfério Ocidental, com negócios em 23 países.

A companhia foi fundada em 1944 por Norberto Odebrecht (1920-2014), avô do atual presidente e neto de imigrantes alemães. Na época, a empresa tinha sede em Salvador e atuava apenas como construtora.

Hoje a empresa é tida como um dos maiores grupos industriais do Brasil, com negócios nos setores de energia, biocombustíveis, defesa, seguros e petroquímico, entre outros. Também é a mais internacional das multinacionais brasileiras, segundo um ranking da Fundação Dom Cabral.

A empresa - uma das maiores doadoras de campanhas eleitorais - ocupa o décimo segundo lugar no ranking das maiores construtoras do mundo da revista "Engineering-News Record".

Em conversa com a BBC Brasil à época da prisão do executivo, o jornalista e escritor uruguaio Raúl Zibechi, autor de um livro sobre a ascensão de multinacionais brasileiras, lembrou que a companhia "revolucionou o setor de construção" no país com um método de operar "muito agressivo e eficiente", gestado por Norberto e transmitido por seu filho Emílio a Marcelo.

A filosofia, batizada de "Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO)", é definida pela companhia como um "conjunto de princípios, conceitos e critérios" que valoriza "potencialidades do ser humano, como a disposição para servir, a capacidade e o desejo de evoluir e a vontade de superar resultados".

Segundo Zibechi, Marcelo Odebrecht integra um grupo de executivos nascidos em empresas familiares que foram bastante influenciadas pela Escola Superior de Guerra (ESG), um centro de estudos ligado ao Ministério da Defesa.

"Eles têm uma visão nacionalista, que prega que o desenvolvimento econômico traz independência e soberania a um país."

Embora seja uma companhia familiar, ex-funcionários dizem que a Odebrecht é menos centralizada que outras grandes construtoras e que seus escritórios no exterior operam com grande autonomia, o que teria ajudado em sua expansão.

Eles afirmam que, ainda que Marcelo Odebrecht tenha mantido o modelo de gestão do pai e do avô, há importantes diferenças de personalidade entre os três.

"O doutor Noberto era um homem muito querido por todos", diz um ex-empregado que prefere não ser identificado. Segundo ele, seu sucessor, Emílio Odebrecht - que comandou o grupo entre 1991 e 2004 -, não tinha o carisma do pai e era um "homem de negócios, mas muito acessível". Já Marcelo é descrito por ele como "ansioso" e "arrogante".

Laços com o BNDES e Lula

Paralelamente à operação Lava Jato, a Odebrecht também tem enfrentado crescentes questionamentos sobre suas relações com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Pouco antes de ser preso, Marcelo Odebrecht disse, em um seminário realizado em São Paulo, estar "irritado por estarmos na linha de fogo do embate político, nós que geramos empregos".

Sob forte pressão para se tornar mais transparente, o BNDES derrubou à mesma época o sigilo sobre seus financiamentos a empresas brasileiras em Cuba e Angola, que tiveram a Odebrecht como principal receptora.

Poucas semanas antes, o Ministério Público Federal pediu informações à Odebrecht, ao Instituto Lula e ao BNDES sobre financiamentos a obras da empresa em países da África e América Latina.

No Distrito Federal, a o MPF abriu inquérito para investigar suposto tráfico de influência internacional de Lula para favorecer a Odebrecht.

Lula, a Odebrecht e o BNDES negam qualquer infração e criticaram "abusos" no inquérito.

Política dos 'campeões nacionais'

Para Sergio Lazzarini, professor do Instituto de Pesquisa e Estratégia (Insper) e pesquisador das relações entre o Estado brasileiro e grandes empresas, a Lava Jato está colocando "em xeque" o modelo que permitiu a ascensão da Odebrecht e outros grupos empresariais nacionais.

Esse modelo, que segundo ele "sempre vigorou no país", prega que o Estado deve ser o grande indutor do desenvolvimento. "Criou-se um cenário em que os empresários buscavam se conectar com o Estado em busca de oportunidades, o que favorece procedimentos ilícitos", afirmou ele em conversa com a BBC Brasil.

Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV-SP, avaliou que a Lava Jato pode levar a uma reavaliação da política dos "campeões nacionais", pela qual o governo favoreceu a consolidação de alguns grupos empresariais - entre os quais a Odebrecht - e que foi peça-chave nas políticas da expansão brasileira em países em desenvolvimento.

À época da prisão de Odebrecht, o especialista afirmou que as ações da Lava Jato não necessariamente afastariam investidores estrangeiros. Na sua opinião, esse tipo de medida poderia "sinalizar que o Brasil é um país onde a lei é cumprida, onde o Estado de Direito funciona". Outros analistas, porém, pensam o contrário e dizem que a prisão - e condenação - de grandes empresários pode, na verdade, refletir a imprevisibilidade do cenário no país.


'Milagre econômico'

A Odebrecht se tornou uma das principais construtoras brasileiras durante o chamado "milagre econômico" (1968-1973) da ditadura militar, quando participou da construção de várias estradas, hidrelétricas e da usina nuclear de Angra 1.

Em 1979, a empresa começou a operar no exterior ao erguer hidrelétricas no Peru e no Chile. Desde então, e quase sempre amparada por empréstimos do governo, expandiu sua atuação por quase toda a América Latina, vários países africanos e os Estados Unidos, onde participou da reforma dos aeroportos de Orlando e Miami.

Um dos momentos mais emblemáticos da internacionalização da Odebrecht se deu em Angola, quando em 1984 a companhia obteve um financiamento para erguer a hidrelétrica de Capanda.

A decisão de ir a Angola foi arriscada. Poucas empresas se dispunham a atuar no país africano, então sob uma guerra civil.

Ataques ao canteiro de obras fizeram com que os operários da companhia fossem evacuados. Em estudo que baseou sua dissertação de mestrado, o psicólogo angolano João Manuel Saveia, formado pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), cita o caso de um técnico brasileiro da Odebrecht que disse ter pegado em armas para proteger a capital angolana, Luanda, de um ataque contra o governo local.

A aposta da companhia gerou dividendos. Quando a guerra civil angolana terminou, em 2002, a Odebrecht se valeu da relação próxima com o governo para se tornar a maior empregadora privada do país, com negócios em vários setores além da construção civil.

Angola se tornou um mercado tão importante para a Odebrecht que, em 2007, a empresa realizou ali a primeira reunião de seu conselho de administração fora do Brasil.

A empresa costuma citar sua trajetória em Angola como um sinal de seu compromisso de longo prazo com as nações onde atua.

A atuação da companhia no país africano, no entanto, entrou na mira do Ministério Público e da Justiça do Trabalho brasileira, que condenou a construtora e duas de suas subsidiárias por promover tráfico de pessoas e manter trabalhadores em condições análogas à escravidão na construção de uma usina de açúcar e etanol em Angola.

Na decisão, redigida em agosto passado, o juiz Carlos Alberto Frigieri, da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), afirmou que operários brasileiros que ergueram a usina Biocom, na Província de Malanje, foram submetidos a um regime de trabalho "prestado sem as garantias mínimas de saúde e higiene, respeito e alimentação, evidenciando-se o trabalho degradante, inserido no conceito de trabalho na condição análoga à de escravo".

Frigieri ordenou que a empresa indenize em R$ 50 milhões os trabalhadores afetados - cerca de 500, segundo a acusação. A ação foi iniciada após uma reportagem da BBC Brasil revelar denúncias de maus-tratos na obra.

À época da sentença, Genésio Lemes Couto, porta-voz da empresa, afirmou que a companhia recebia a decisão com "frustração e indignação". Segundo ele, contraprovas apresentadas pela empresa não foram levadas em conta no julgamento.

Ele disse ainda que o magistrado desconsiderou testemunhos de funcionários angolanos da Biocom, que disseram em juízo ter orgulho de trabalhar na empresa e negaram as alegações sobre as condições no canteiro de obras.

"Existe uma indignação dos próprios empregados em relação a isso [condenação]", afirmou.