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Visita histórica: O que Barack Obama quer em Cuba?

20/03/2016 16h34

Após quase 90 anos e décadas de uma relação conflituosa, pela primeira vez um presidente americano faz uma visita oficial a Cuba. Barack Obama chegou à ilha na tarde deste domingo para marcar mais um avanço no seu plano de reaproximação com o país.

O último presidente dos Estados Unidos que viajou oficialmente para Cuba foi Calvin Coolidge, em um navio de guerra, há 88 anos.

De lá para cá, uma revolução aconteceu na ilha, e o alinhamento dela com a União Soviética no bloco socialista durante a Guerra Fria fez com que as relações com os Estados Unidos fossem completamente cortadas. Desde então, de 1961 até hoje, um embargo econômico - dentre tantas outras restrições impostas pelos americanos - deixou os dois países em lados opostos.

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Elio García, um senhor de 70 anos, lembra da Revolução Cubana em 1961 como se fosse hoje. "Eles não se conformam com o fato de nós termos feito uma revolução socialista embaixo de seus narizes", disse Fidel Castro, em um discurso que marcou o início do socialismo em Cuba. Para Elio e sua família, algumas coisas não mudaram desde aquele discurso.

Ele segue vivendo no mesmo apartamento e fazendo o mesmo trabalho. Desde o embargo imposto pelos americanos - que começou com o presidente John F. Kennedy, em 1962 -, a vida de Elio seguiu a mesma.

Mas com a visita de Obama e a reaproximação com os Estados Unidos, as coisas devem mudar um pouco.

A ideia do presidente americano é levantar o embargo econômico de vez e reestabelecer as relações comerciais e turísticas com Cuba. Aos poucos, ele tenta avançar nesse sentido - e a visita à ilha é um passo crucial para isso.

Mas afinal, o que Obama quer em Cuba?

Reaproximação

Em 2008, o homem que havia até então regido a vida dos cubanos, Fidel Castro, passou o poder a ser irmão mais novo, Raúl Castro, para cuidar de um problema de saúde.

Quase que imediatamente, Raúl começou a diminuir algumas das restrições estabelecidas pelo Estado no setor econômico.

Desde então, surgiram algumas empresas pequenas privadas no país, especialmente no setor do turismo, e milhares de trabalhadores começaram a trabalhar por conta própria.

Foi nesse novo contexto que foi tomada a decisão de reestabelecer as relações diplomáticas com os Estados Unidos.

O plano de reaproximação foi anunciado por Obama no fim de 2014, mas não é algo que tem pleno apoio entre os políticos do país.

O candidato a concorrer à Presidência pelo Partido Republicano, Ted Cruz, por exemplo, já se comprometeu a reverter a abertura do governo de Obama a Cuba e voltar com as políticas do passado, caso chegue à Casa Branca. O senador Marco Rubio pensa da mesma maneira.

Em Miami, centro do exílio cubano, uma marcha foi convocada para este domingo em protesto pela visita do presidente americano à Havana.

Para Obama, que tem apenas mais um ano na Presidência, a visita é simbólica e necessária para garantir a continuidade do processo depois de sua saída. A reaproximação ficará como legado dele ao país - e ele tem a intenção de consolidar isso antes de deixar a Casa Branca para não correr riscos de o próximo presidente interromper o projeto.

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A contagem regressiva para Obama deixar o governo já começou e ainda há muito em jogo. O que o presidente quer agora é acelerar o processo de reaproximação com a ilha. "O tema de Cuba não era tratado como prioridade do governo. Mas agora, faltando menos de um ano para Obama sair, a viagem presidencial é simbólica para que Cuba volte a ser prioridade", analisou Arturo López Levy, professor de Política na Universidade do Texas, nos Estados Unidos.

Acelerar o processo

Desde que anunciou a reaproximação, Obama já tomou algumas medidas para retomar as relações com Cuba. Uma delas foi a reabertura da embaixada americana na ilha e a outra foi a retirada de restrições para viagens de cidadãos americanos à Cuba.

No ano passado, houve um aumento de 54% de turistas viajando dos Estados Unidos para a ilha.

Obama já flexibilizou o embargo econômico e comercial à ilha - mas ele só pode acabar completamente se a medida for aprovada no Congresso, que é o maior obstáculo do presidente no plano de reaproximação.

Na visita histórica que começa neste domingo, alguns congressistas dos dois partidos foram acompanhar o presidente em Cuba, mas ainda é pouco provável que o fim do embargo aconteça antes de Obama deixar a Casa Branca - o que ele está tentando fazer, porém, é pelo menos acelerar o processo.

"Queremos que seja irreversível, que as relações fiquem cada vez mais fortes até que sejam inevitáveis", disse na quinta-feira Ben Rhodes, conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca e um dos principais articuladores da reaproximação.

Rhodes pontuou que não fará sentido fechar a embaixada na ilha - que foi reaberta em julho do ano passado, ou voltar a impedir que os americanos viahem a Cuba ou mesmo pedir aos empresários que esquecessem os projetos em que estão trabalhando relacionados ao país.

"Não dá mais para se voltar atrás para o dia 16 de dezembro de 2014. O plano é irreversível", disse Frank Mora, ex-membro do governo Obama e professor da Universidade Internacional da Flórida.

Ele acredita que Cruz ou Rubio, se eleitos, poderiam até retardar o processo, mas não freá-lo.

Nesta semana, foi anunciado que uma empresa americana, depois de meio século, terá instalações em Cuba e voltará a operar voos comerciais entre os dois países no fim deste ano.

"A visita de Obama a Cuba deve impulsionar essas mudanças. É um incentivo para que o processo de reaproximação evolua", afirmou López Levy.

Transição

Segundo Rhodes, não é esperado um encontro entre Obama e Fidel Castro, o ex-presidente e líder da Revolução Cubana - símbolo da separação ideológica entre os dois países.

No entanto, haverá uma reunião com "membros que se opõem ao governo e são críticos", disse. O fato de poder falar com dissidentes havia sido uma das condições impostas por Obama para viajar. O presidente também discursará ao povo cubano em algum momento da visita de dois dias.

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"Será o primeiro presidente afroamericano que falará a uma população que tem muitos descendentes de africanos. Isso não pode ser subestimado", aponta o professor Frank Mora.

Para a Casa Branca, desde o anúncio oficial da visita no início deste ano, a viagem seria uma forma de "avançar nos laços comerciais e pessoais que possam melhorar o bem-estar do povo cubano". Além disso, a visita teria como objetivo "expressar o apoio americano aos direitos humanos".

A viagem acontece a poucas semanas do congresso do Partido Comunista em Cuba, que será em abril e pode decidir quem será o sucessor do governo em 2018 - o primeiro presidente de Cuba desde 1959 que não terá o sobrenome Castro.

"Obama está consciente de que há uma transição de governos por vir e fazer essa viagem antes do congresso transmite uma ideia de que os Estados Unidos estão abertos para dialogar com as novas vozes da política cubana", disse López Levy.