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Como operação que levou ex-premiê de Portugal à prisão está ajudando a Lava Jato

Raul Schmidt - Raul Moreira
Raul Schmidt Imagem: Raul Moreira

Mamede Filho - De Lisboa para a BBC Brasil

21/03/2016 16h02

A prisão nesta segunda-feira (21) do operador financeiro Raul Schmidt, em um apartamento de luxo em Lisboa, é apenas mais um capítulo do apoio das autoridades portuguesas à Operação Lava Jato.

Desde o ano passado, as investigações brasileiras contam com a colaboração oficial do país europeu - uma parceria que envolve a Operação Marquês, responsável por levar à prisão, no final de 2014, o ex-premiê de Portugal José Sócrates.

A cooperação entre os dois países começou em julho de 2015, quando autoridades brasileiras enviaram uma carta rogatória (instrumento jurídico de cooperação bilateral) solicitando o auxílio de Portugal à Lava Jato.

Como a investigação brasileira era muito semelhante à Operação Marquês - com foco na corrupção em alto escalão - e alguns dos investigados aparecem em ambas, o caminho natural foi o estreitamento da cooperação entre os dois lados do Atlântico.

Na época do início da colaboração, a Operação Marquês já havia começado a investigar possíveis laços de Sócrates com a construtora Odebrecht. As suspeitas foram levantadas depois de o Ministério Público português descobrir que a empresa custeou uma viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Lisboa, em outubro de 2013, na qual ele participou do lançamento do livroA Confiança no Mundo , de autoria do ex-premiê.

A Odebrecht confirmou a despesa, mas justificou que Lula viajou a Lisboa em razão das celebrações dos 25 anos da empresa. Além disso, afirmou que a presença do petista no lançamento do livro se deve à amizade que mantém com Sócrates.

Amigos próximos

Os laços estreitos entre Lula e Sócrates mantiveram o ex-presidente brasileiro no radar da Operação Marquês. Já as visitas a Portugal chamaram a atenção da Lava Jato sobre as intenções do petista no país europeu.

As investigações questionam as "verdadeiras intenções" do ex-presidente brasileiro em seis viagens a Portugal custeadas ou parcialmente custeadas pela Odebrecht.

Ex-premiê português José Sócrates - José Sena Goulão/AP/Pool - José Sena Goulão/AP/Pool
Ex-premiê português José Sócrates
Imagem: José Sena Goulão/AP/Pool
Em uma delas, em meados de 2014, Lula teria "pressionado" o então primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, sobre o interesse da construtora em participar da licitação para a privatização da estatal portuguesa Empresa Geral de Fomento (EGF).

As suspeitas surgiram após a interceptação de uma troca de telegramas entre a Embaixada do Brasil em Portugal e o governo federal. Na ocasião, Passos Coelho negou qualquer tentativa de influência de Lula e o próprio embaixador brasileiro Mario Vilalva respondeu publicamente aos questionamentos relativos ao encontro.

"(Lula) Não fez pressão, esse é um termo muito forte, não sei de onde saiu essa ideia. O ex-presidente do Brasil, que tanto carinho tem por Portugal e que demonstrou isso durante a sua Presidência, jamais viria a Portugal fazer pressão junto ao primeiro-ministro", disse Vilalva à emissora de TV lusa SIC.

"O que aconteceu foi uma menção a título exemplificativo. E foi por sugestão do embaixador do Brasil que ele mencionou aquela empresa (Odebrecht), como poderia ter mencionado qualquer outra e teria mencionado qualquer outra se aquele fosse o momento de outra empresa brasileira", afirmou o embaixador.

Em julho passado, a Odebrecht afirmou que Coelho disse publicamente que Lula nunca o procurou para defender interesses da companhia.

Segundo o Instituto Lula, "o ex-presidente não atuou em favor da Odebrecht, nem fez gestão a favor da empresa", apenas "comentou o interesse da empresa brasileira pela empresa portuguesa".

"O ex-presidente não recebeu, não recebe e jamais receberá qualquer pagamento de qualquer empresa para dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influência. No caso da Odebrecht, como de dezenas de outras empresas, ele recebeu pagamento para fazer palestras para funcionários, empresários ou diretores. E elas foram pagas através de notas fiscais e tiveram seus impostos recolhidos", disse o Instituto Lula em nota.

A assessoria do Instituto que leva o nome do petista também afirmou, em contato com a BBC Brasil, que o Ministério Público luso arquivou, em setembro do ano passado, uma investigação sobre o ex-presidente da Portugal Telecom Miguel Horta e Costa, que teria pago US$ 7 milhões para custear dívidas de campanha do PT.

Segundo relato feito pelo operador Marcos Valério Fernandes de Souza, condenado pelo mensalão, o repasse teria sido acertado em um encontro no Palácio do Planalto, em 2004, com a presença de Lula.

A Justiça portuguesa concluiu que a reunião entre Horta e o então presidente brasileiro de fato ocorreu, mas que não era possível confirmar que tal acordo tenha ocorrido.

Outros investigados

Os caminhos e interesses da Operação Marquês e da Lava Jato se cruzam em diversos outros momentos. Os portugueses investigam, por exemplo, a participação da Bento Pedroso Construções - braço luso da Odebrecht - nas licitações para a construção de um trecho de uma linha de trem de alta velocidade, de uma barragem e de parte de uma rodovia no país europeu.

A Bento Pedroso Construções, em parceria com o português Grupo Lena, acabou conseguindo o contrato nas três ocasiões. Mais tarde, o administrador do Grupo Lena, Joaquim Barroca, chegou a ser detido, e aguarda em liberdade pelo desenrolar das investigações sobre as supostas irregularidades nas licitações.

Outro nome ligado a ambas as investigações é o do ex-administrador do banco estatal Caixa Geral de Depósitos Armando Vara, interrogado na Operação Marquês por ter supostamente intercedido a favor da brasileira Camargo Corrêa no financiamento do resort de luxo Vale do Lobo, no Algarve (sul de Portugal).

A Lava Jato também pediu a colaboração portuguesa na investigação contra o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, suspeito de ter recebido pagamentos ilícitos provenientes de uma conta do banco português Banif. Os investigadores brasileiros solicitaram a Portugal acesso a todos os dados bancários relacionados à origem do dinheiro, que teve como destino as contas de Duque em Mônaco.

Prisão preventiva

A Operação Marquês levou pela primeira vez um ex-governante de Portugal à prisão pelo crime de corrupção. O ex-primeiro-ministro socialista foi detido preventivamente em 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, quando chegava de Paris, acusado de fraude fiscal qualificada, lavagem de dinheiro e corrupção passiva para atos ilícitos.

As investigações no âmbito da Operação Marquês foram deflagradas após suspeitas de que Sócrates tinha um custo de vida "acima das suas possibilidades". Atualmente, os autos do processo têm mais de 25 mil páginas, várias delas dedicadas à relação do socialista português com Lula - uma reunião com o petista estaria agendada, no Brasil, para quatro dias após a sua detenção.

Segundo a Operação Marquês, escutas telefônicas demonstram que Sócrates tentou usar Lula e o governo federal do PT para favorecer os negócios no Brasil do grupo farmacêutico Octapharma, empresa da qual o ex-premiê foi conselheiro consultivo entre janeiro de 2013 até sua prisão. O interesse seria especificamente em um negócio ligado a plasma sanguíneo e produção de hemoderivados.

O antigo premiê português chegou a viajar ao Brasil em fevereiro de 2013 para se reunir com o então ministro da saúde, Alexandre Padilha.

A farmacêutica desligou-se de Sócrates após a sua prisão. O ex-primeiro-ministro ficou detido preventivamente por 330 dias, dos quais 288 foram em uma penitenciária e outros 42 em prisão domiciliar. Sócrates afirma que as acusações que pesam contra si são "infundadas", "falsas" e "injustas". A defesa do socialista pede o arquivamento da Operação Marquês, alegando que os prazos para a conclusão do inquérito já se esgotaram.