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Proposta de referendo em vez de impeachment irrita oposição: "Oportunismo"

Opositores de Dilma Rousseff rejeitam ideia do recall e defendem impeachment - Agência Câmara
Opositores de Dilma Rousseff rejeitam ideia do recall e defendem impeachment Imagem: Agência Câmara

Ricardo Senra

Enviado especial da BBC Brasil a Brasília

23/03/2016 12h10

As propostas de emenda constitucional que preveem convocação de referendo popular para decidir o eventual afastamento da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer foram classificadas por opositores do governo como "oportunistas" e "ingênuas".

Na última sexta-feira, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) defendendo a pauta. Diferente do impeachment, que exige a comprovação de crimes políticos, o "recall" prevê que políticos possam ser afastados em caso de ineficiência ou desaprovação popular, se a maioria da população assim decidir.

“A Rede está contra o impeachment e tenta confundir a opinião pública”, reagiu o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), em entrevista à BBC Brasil. “A verdade é que eles não querem o recall, esta é só uma maneira descabida de desviar o foco.”

O líder do DEM no Senado prossegue: “E por acaso parlamentar não responde pelo povo?”

Para o deputado Chico Alencar, na configuração atual do Congresso, não.

"Não há legitimidade neste Congresso para a discussão do impeachment. Há, na comissão (especial do impeachment), 38 deputados que sofrem ações judiciais. Não é possível que essas pessoas decidam sobre o tema", disse Alencar à reportagem nesta terça-feira, frisando que a posição oficial do PSOL é contrária ao impedimento da presidente.
O recall - referendo revogatório – é adotado em países como Alemanha, Estados Unidos (em determinados Estados), Suíça e Venezuela.

'Regras do jogo'

À BBC Brasil, o senador Álvaro Dias (PV-PR) classificou a convocação do recall como "inocência".

"Não fica bem essa proposta porque ela tem o nítido propósito da obstrução. O impeachment é constitucional. A alteração da lei consumiria o tempo do próprio mandato da presidente. É um expediente protelatório", diz.

Questionado sobre a falta de processos criminais ou julgamento legal contra a presidente, Dias diz que o impeachment é um processo "político".

"Para os inocentes, os ingênuos, não há confirmação de ilícitos praticados. Mas para quem não aprendeu na escola de Lula, que nunca vê, nunca sente, há uma seleção de delitos desde o campo eleitoral até o administrativo", opina. "Nosso julgamento é político, pode prescindir até de provas materiais. Há indícios fortes e a Lava Jato já mostrou que o governo é ilegítimo."
Para o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Antônio Imbassahy, as propostas não devem ganhar apoio em plenário. "Por mim, e acho que pela maioria esmagadora dos deputados, esta PEC não será acolhida", diz.

"O que interessa ao PSOL e à Rede em defender o referendo? Essa proposta é um arranjo. É baseada em interesses partidários que não podem prevalecer sobre o interesse nacional."
Para o senador Caiado, “não se pode mudar as regras do jogo com a partida em curso” com o recall.

A opinião é compartilhada pelo cientista político e professor da Escola de Ciências Sociais FGV Sérgio Praça.

“O recall já existe”, diz. “Seu nome é eleição: você pune quem governa mal com a derrota e premia com a reeleição quem governa bem.”

Para Praça, o referendo revogatório é um instrumento democrático, com mais participação popular, mas pode ser usado politicamente de forma “leviana”.
“A oposição pode adotá-lo para derrubar um presidente. Digamos que a presidente não tivesse 10% de aprovação, mas 35%. O recall poderia ser adotado neste caso. Seria uma alternativa legítima? Não.”

Ele indica outras duas alternativas possíveis ao impeachment: a cassação da chapa presidencial pelo Tribunal Superior Eleitoral, em caso de comprovação de financiamento ilegal e a mudança do sistema político para o parlamentarismo – hipótese defendida por figuras como José Serra (PSDB-SP) e Michel Temer (PMDB-SP).

“Não dá para resolver uma crise mudando o sistema político. Seria temerário, tanto quanto é implementar o recall neste momento”, diz.

A cassação da chapa Dilma-Temer, na opinião do professor da FGV, “traria mais legitimidade e confiança”, na medida em que implicaria na convocação de novas eleições.
“É muito diferente para um presidente ter sido eleito pelo voto e não ter sido eleito pelo voto. A população, segundo o Datafolha, não quer Temer como presidente e ele assumirá diante de uma crise econômica sem precedentes.”

O impeachment, entretanto, seria a solução “mais rápida”, na opinião do professor. “Acho muito improvável que qualquer outra pauta que não o impeachment seja apreciada pelo Congresso neste momento”, diz Praça.

PEC

O principal argumento dos defensores do recall é o fato de a impopularidade de um presidente não estar entre as justificativas legais para um processo de impeachment.

Para Randolfe Rodrigues, autor da PEC sobre o tema, "a melhor alternativa para esta crise é levar para a soberania popular resolvê-la".

"O governo padece de uma crise de legitimidade. O impeachment não resolve o problema, porque (Michel) Temer já foi citado algumas vezes na Lava Jato (na delação do senador Delcídio do Amaral)", disse à reportagem, nesta terça.

O caso mais famoso em que o dispositivo foi acionado aconteceu em 2013, na Califórnia, quando Arnold Schwarzenegger foi eleito governador do Estado após a destituição, por referendo popular, do então governador Gray Davis.

Em 2004, o então presidente venezuelano Hugo Chávez foi submetido ao referendo revogatório e saiu vencedor, mantendo-se no cargo. O mesmo ocorreu na Bolívia, em 2008, com o presidente Evo Morales.

Mas o termo "recall" - popularizado pela indústria automotiva, com a substituição de peças por defeito de fabricação ou mau funcionamento - não é assunto novo em Brasília.

Em 2005, o então senador Eduardo Suplicy (PT-SP) propôs o referendo revogatório para presidentes e congressistas - a PEC foi arquivada em 2015, após o fim do mandato do petista.

Outras duas PECs que defendem o recall foram propostas em 2015 pelos senadores Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) e José Reguffe (sem partido-DF) e estão atualmente em avaliação no Senado.

O primeiro está em viagem nos Estados Unidos e não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem. Já Reguffe disse à BBC Brasil que seu projeto de emenda é anterior ao acirramento da crise política.

"Não se propõem mudanças na Constituição pensando em casos específicos. Defendo a revogabilidade de mandatos para aprimorar a nossa democracia, como já acontece em outros países", diz.

Questionado se defende um referendo no caso específico da presidente Dilma Rousseff, ele afirmou que "já se manifestou publicamente de forma favorável à abertura do processo de impeachment".

"Mas concordo com a proposta de Randolfe", continua o senador. "Acho, sim, que ela poderia ser aplicada também neste contexto."

Os projetos de emenda constitucional de ambos estão nas mãos do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG), segundo o Senado.