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Nesta fase do impeachment, situação de Collor era melhor que a de Dilma, diz ex-presidente da Câmara

Ibsen Pinheiro presidiu a Câmara dos Deputados durante o processo de impeachment de Collor - Juliana Mutti/Agência ALRS
Ibsen Pinheiro presidiu a Câmara dos Deputados durante o processo de impeachment de Collor Imagem: Juliana Mutti/Agência ALRS

Adriano Brito - @adrianobrito

Da BBC Brasil em São Paulo

24/03/2016 17h14

A seu favor, a presidente Dilma Rousseff tem a capacidade de mobilização de setores historicamente próximos a seu partido, o PT. Por outro lado, na comparação com a mesma fase do processo de impeachment contra Fernando Collor, ela é alvo de um maior número de acusações de crime de responsabilidade.

Essa é a avaliação do deputado estadual Ibsen Pinheiro, líder do PMDB gaúcho e uma das principais testemunhas do início da queda do ex-presidente.

Segundo o peemedebista, que aceitou o pedido de afastamento do hoje senador e presidiu a Câmara dos Deputados durante o processo, o "clima" para o impeachment está em um "acelerado" processo de mudança, com uma piora da situação de Dilma por causa da delação do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS) e da revelação de conversas com o ex-presidente Lula, mesmo que elas sejam consideradas judicialmente ilegais.

Ele faz uma previsão: se a votação for apertada, a presidente tende a escapar do impeachment. "Se for necessário convencer deputado, cantar deputado e contar deputado, é porque não haverá o clima avassalador que reduziu a pó a maioria que tinha o presidente Collor antes da votação", diz, ao explicar que a situação à época foi definida por causa do "pequeno", mas "vergonhoso" episódio do veículo Fiat Elba adquirido com recursos provenientes de corrupção.

Para Pinheiro, assim como Collor, os próximos fatos é que selarão o destino de Dilma. Confira os principais trechos da entrevista:

BBC - Em julho passado, o sr. disse à BBC Brasil que não via uma crise político-institucional e, por isso, não havia clima para impeachment. E agora?

Ibsen Pinheiro - Lembro de ter dito que faltavam dois elementos: o primeiro é técnico, é o jurídico, a tipificação da conduta. E o segundo é o político-popular. Ninguém cogita destituir o presidente por um fato menor, ainda que bem definido, como a pedalada fiscal. Não me parecia fundamento para um impeachment, e também não via a presença do sentimento popular.

Bom, as coisas se alteraram, especialmente após a delação do senador Delcídio do Amaral envolver a presidente e o ex-presidente Lula. Posteriormente, as gravações determinadas pelo juiz Sergio Moro trazem também a presença dos dois em atividade que, em tese, alguns já definem como tentativa de intervenção em investigação judicial. O que aí teria também a característica de configurar, em tese, crime de responsabilidade.

O sentimento popular agora tem um grau de mobilização espontânea muito significativo, e a definição do fato corresponde à tipificação do crime de responsabilidade.

Mesmo ainda sem comprovação, a delação do Delcídio piora muito a situação da presidente?

A comprovação é um pré-requisito essencial, mas, num processo de impeachment, o julgador, que é o deputado no primeiro momento e o senador no segundo, não é um técnico nem um jurista, salvo exceções.

Um exemplo concreto: houve um senador que foi gravado incidentalmente, pois o monitorado era seu interlocutor, por decisão de um juiz de primeiro grau. Logo faltava a decisão do foro especial, que é o Supremo. Falo do senador Demóstenes Torres (ex-DEM) e do bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Num processo criminal, essa prova não pode ser usada, mas o senador perdeu o mandato por causa dessa conversa. Porque o julgamento político ocorreu: "não podemos ignorar esse fato, ele é verdadeiro e grave". Então foi fundamento para a cassação.

É como se, no processo no Congresso, o imoral pesasse mais do que o ilegal?

Num processo político, o fundamento moral tem mais peso. Mas o peso decisivo é o fundamento político aliado à percepção dos fatos. Se o fato está comprovado, pouca relevância tem se essa comprovação surgiu com o devido processo legal ou por uma escuta ilegal.

A Comissão Especial está instalada, e já corre o prazo para a defesa da presidente. O que é determinante agora?

A primeira manifestação relevante da comissão vai ser a última, que é o parecer. Ela agora está fazendo reuniões que a rigor são preparatórias, não houve a defesa ainda. Ela vai ouvir especialistas, juristas, mas essa é uma atividade mais midiática do que de conteúdo. Embora possa ser útil, claro, para discutir em tese o problema.

Se formos comparar com o mesmo momento do caso Collor, em 1992, a situação de Dilma é melhor ou pior?

Melhor num aspecto e pior num outro. Pior porque o volume de acusações compatíveis com a definição do crime de responsabilidade é maior por causa da quantidade de delações, das entrevistas e das gravações.

No caso de Collor, as acusações pesadíssimas não eram contra ele, eram contra PC Farias. As acusações de cumplicidade eram importantes do ponto de vista político, mas não tiveram comprovação. A entrevista do irmão, do motorista, eram genéricas: Passavam a ideia de verdade, mas não tiveram comprovação. Um pequeno fato, e vergonhoso, foi o fator decisivo: o Fiat Elba.

E em que ponto Dilma está em melhor situação?

Ela pode estar minoritária, mas não está isolada. Ao contrário do Collor, foi candidata de um grande partido, o PT, e com apoio de um partido pequeno, mas com grande tradição política, o PC do B. E esses partidos têm base e têm inserção social, especialmente em alguns setores da vida sindical e estamentos sociais de grande vinculação política e ideológica com o PT. É um número significativo, como se viu nas manifestações a favor do governo.

Eu diria que a opinião pública mobilizou-se a favor do impeachment, esse é o sentimento generalizado. Mas que os setores dos quais o PT tem ramificações, influência e história, junto com o PC do B, têm uma capacidade de mobilização significativa.

Se o sr. pudesse fazer uma aposta agora, diria que ela vai cair?

Não há clareza hoje para afirmar. Escuto e leio com frequência que a presidente precisa de 172 votos. Não, não precisa. Ela precisa que os votos contra, as abstenções e as ausências somem 172 deputados.

Então, em vez de responder sim ou não, vou responder condicionado: se for por votação apertada, acho que não passa (o impeachment). Se for necessário convencer deputado, cantar deputado e contar deputado, é porque não haverá o clima avassalador que reduziu a pó a maioria que tinha o presidente Collor antes da votação.

Esse clima existe agora?

O clima está em um processo de mudança muito acelerado. E ele depende de fatos também. Doutor Ulysses (Guimarães) dizia que tudo é importante na vida política, mas a cadeira principal pertence à sua excelência, o fato. Não posso adivinhar nem especular, mas pode ocorrer algo que altere profundamente a situação.

Lembro que o Collor, no começo, tinha do seu lado duas das maiores bancadas - o PDS, antiga Arena, e o PFL. E tinha outra bancada grande, que era de quase uma centena de deputados do PMDB. Sei bem porque era o líder da bancada, tínhamos 235 deputados. E desses, quase uma centena votou a favor do confisco da poupança, embora a liderança tenha combatido tenazmente. E votaria com o Collor no caso do impeachment.

Mas a sucessão dos fatos - a entrevista do irmão, do motorista, o Fiat Elba -, devastou (o apoio).

O PMDB está ensaiando um rompimento com o governo. Como o senhor avalia isso?

É uma profunda alteração e aceleração de um sentimento do PMDB. Vejo festejando de um modo singular, porque o PMDB gaúcho foi contra essa coligação antes da eleição. Tivemos de dizer ao Michel Temer que o apreço que tínhamos por ele não seria afetado, mas nós não votaríamos na chapa que integrava.

Nunca quisemos essa parceria porque nunca apreciamos as políticas públicas do PT. Entendemos como profundamente equivocado você fundamentar políticas sociais no endividamento. Isso é cruel com os supostos beneficiários. Porque, quando essa política não se sustenta, são os mais vulneráveis que pagam a conta.

Não fizemos nenhuma indicação ao governo Dilma. Não houve nenhum representante do PMDB gaúcho.

Mas o Eliseu Padilha esteve lá, na Aviação Civil.

Mas não representava o PMDB gaúcho. Foi porque recebeu um convite pessoal. Antes dele foi o Mendes Ribeiro (na Agricultura, morto no ano passado). Nós convivemos com isso, o PMDB não expulsa os seus divergentes. Ainda bem, porque já fui divergente. Eles não representavam o PMDB gaúcho. Representavam o PMDB nacional? Pode ser.

Agora, o sentimento pela saída é muito forte. Nesta semana o deputado Osmar Terra, na reunião da Executiva, nos informou que já são 13 os diretórios estaduais que apoiam o afastamento. Treze é a um diretório da maioria absoluta. Embora a votação não seja por diretório, e sim por membro do Diretório Nacional, intuo que está se construindo um sentimento muito amplo pelo afastamento.

Não sei se é necessariamente pelo impeachment, não é isso que estará se votando.

Por quê?

Houve um fato que agravou em muito (a relação), que foi a posse do ministro Mauro Lopes (deputado do PMDB, na Aviação Civil). Ora, foi uma decisão unânime da Convenção Nacional que o PMDB, neste prazo para estudar o afastamento, não aceitasse nomeação.

O PMDB não gostou da atitude de seu deputado e não gostou também da atitude da presidente, pareceu uma afronta ao PMDB. Ela poderia ter esperado mais duas semanas para fazer a nomeação depois da reunião do Diretório Nacional. Este fato incrementou enormemente a tendência pelo afastamento. É o mais provável hoje.

Mas o partido não fica numa situação complicada, já que também tem sido implicado nas delações e nas investigações da Lava Jato?

A delação premiada, quando aponta o nome, isso não é bom para quem é apontado. Mas não basta dizer que fulano também participou porque indicou, nomeou, pois isso não pode ser crime de responsabilidade. Senão a Dilma responderia pelos atos de todos os quadros que ela nomeou.

Não se vê em relação ao Temer uma prova, nem sequer uma acusação. A não ser a de ter responsabilidade política nas nomeações do PMDB. Mas crime de responsabilidade, não há nenhuma acusação.

E não é complicado sair depois de todos esses anos ao lado do PT?

Se o PMDB se afasta, poderá dizer a verdade, que é convincente: que esteve durante anos no governo, mas não esteve no poder, que está nas mãos exclusivamente do presidente da República.

O PMDB esteve no governo com ministros, mas nunca esteve no poder, que é o que define o principal: a política econômica, a financeira, a externa, a de defesa. Tudo isso é o presidente sozinho.

O sr. dizia acreditar que Eduardo Cunha não agiria "com seus humores" sobre o impeachment. Mas ele acabou aceitando o pedido logo após ficar claro que o PT votaria contra ele no Conselho de Ética...

Tenho a impressão que ele agiu olhando para o seu projeto de sobrevivência. Isso não chega a ser anormal, o político está sempre vinculado à sua sobrevivência ou a seu crescimento político. Por isso alguns erros graves se praticam.

Na véspera eu disse: ele vai acolher o pedido. Porque a sobrevivência dele, o cacife dele, está na administração do processo de impeachment. Isso foi tão verdadeiro que em grande parte, por causa disso, ele conseguiu trabalhar o retardamento do seu processo no Conselho de Ética.

Há um processo de sustentação mútua e recíproca entre a Presidência da República e a Presidência da Câmara. Ambas se sustentam uma com o fantasma da outra. Mas, a essa altura, esse fator é irrelevante. Há uma consciência clara de que a pauta tem como primeiro ponto o impeachment, e depois fica aberta para a questão do processo de cassação.

O sr. acha que o Cunha, como réu da Lava Jato e alvo de processo de cassação, tem condições de tocar o processo de impeachment?

O quadro perfeito seria que o presidente da Câmara tivesse imparcialidade e uma imagem intocada. Mas infelizmente a escolha nem sempre é feita por esse critério. Então se elegem pessoas com imagem desgastada, devastada. Às vezes injustamente. Outras vezes com procedência bem clara, como é o caso atual.

Mas na função de presidir (o processo), o perfil moral do condutor não é relevante. Porque a legalidade é muito precisa, muito clara, muito expressa. O que ele tem de fazer, está fazendo. A Câmara instituiu a Comissão Especial, que vai dar um parecer, que vai a voto. Sim, não, abstenção e ausência. A Presidência da Câmara tem um papel importante na condução formal, mas no conteúdo não tem papel nenhum.