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Pedido de impeachment é por "conjunto da obra", diz presidente da OAB

Mariana Schreiber

Em Brasília

28/03/2016 16h50

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) protocolou nesta segunda-feira (28) na Câmara dos Deputados um novo pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT), mais amplo do que o que já está em análise na comissão especial formado por 65 deputados.

Em entrevista à "BBC Brasil", o presidente da instituição, Claudio Lamachia, não apontou um ato específico de crime de responsabilidade cometido pela presidente. Segundo ele, o Conselho Federal da OAB entendeu que Dilma deve ser processada pelo "conjunto da obra".

Entre os elementos que embasam o pedido da OAB estão as pedaladas fiscais (acusações de maquiagem das contas públicas), as isenções fiscais para a Fifa no âmbito da Copa do Mundo de 2014, a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro com suposto objetivo de lhe conferir foro privilegiado e as acusações feitas na delação do senador Delcídio Amaral (sem partido-MS) e no depoimento de Bernardo Cerveró (filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, atualmente preso) de que a presidente teria tentado intervir em julgamentos de executivos processados no âmbito da operação Lava Jato.

Buscando afastar críticas de que a OAB estaria apoiando demanda dos partidos de oposição, Lamachia repetiu 12 vezes, durante entrevista de cerca de 15 minutos, que a decisão da instituição foi técnica.

"A convicção da OAB, ao distribuir essa nova peça (pedindo o impeachment), é uma decisão técnica. A Ordem não se envolve em questões políticas, ideológicas ou partidárias", afirmou, em entrevista concedida no domingo por telefone.

Ele rechaçou também comparações do atual cenário político com o golpe militar de 1964. "Nós hoje vivemos em uma democracia que está absolutamente consolidada, nossas instituições são fortes. Eu não vejo mínimo risco de retrocesso em nossa democracia", observou.

Votação

A decisão da OAB de apoiar a realização de um processo de impeachment foi aprovada há dez dias pela quase unanimidade do seu Conselho Federal, que conta com três representantes por unidade federativa. Dos 27 Estados consultados, apenas o Pará se opôs à decisão.

Também votou contra o ex-presidente da OAB Marcelo Lavenère, que tem voto vitalício no conselho. Ele, que foi autor do pedido de impeachment que resultou na cassação do ex-presidente Fernando Collor em 1992, considera que hoje o cenário é outro, devido à falta de consenso suprapartidário contra Dilma.

Na reunião do conselho, Lavenère defendeu prudência: "Quem sabe eu chegue aqui daqui a mais um mês ou dois e vocês me convençam de que há sim fatos concretos (contra Dilma) e não apenas o conjunto da obra, como ouvi hoje. Pelo conjunto da obra não se sustenta um pedido de impeachment", afirmou.

Nesta segunda-feira, Lavenére ainda tentou evitar que Lamachia apresentasse o pedido de impeachment na Câmara. Ele apresentou uma solicitação, assinada também por outros quatro ex-presidentes da Ordem - Eduardo Seabra Fagundes, Mario Sérgio Duarte Garcia, Cesar Britto e José Roberto Batochio -, para que fosse realizada uma consulta a todos os advogados da OAB sobre o tema.

"Não há uma decisão técnica a respeito de um processo que é político. O impeachment é um processo político e jurídico. Quanto mais votantes, mais democrática é a decisão (da OAB)", disse à BBC Brasil, antes de se reunir com Lamachia.

No dia anterior, porém, o presidente da Ordem já havia afastado a opção de consultar todos os associados da OAB, argumentando que a decisão do conselho era democrática e havia sido tomada após longa discussão.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Claudio Lamachia:

Por que a OAB decidiu apresentar um novo pedido de impeachment em vez de endossar o que já está em discussão?
Claudio Lamachia - Porque essa decisão pelo ajuizamento de um impeachment da presidente da República, que ouviu as 27 seccionais da OAB no Brasil inteiro, em que avaliou tecnicamente esse tema, a partir de uma decisão amplamente democrática, levou em consideração, dentro de sua análise técnica, outros temas que não sejam apenas tão somente a questão das ditas pedaladas fiscais. E, por isso, diante da ampliação inclusive do objeto de análise, nós entendemos pela apresentação de uma nova peça, do Conselho Federal da Ordem dos advogados do Brasil.

Esses temas são a gestão fiscal e a delação do senador Delcídio Amaral?
É, nós temos esses elementos que formam o conjunto da obra, como tenho dito. Nós não ficamos apenas nas declarações do senador Delcídio feita na sua delação mas também levamos em conta o depoimento de Bernardo Cerveró (filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró), levamos também em consideração a nomeação do ex-presidente Lula e os fatos que foram trazidos.

Enfim, é um arcabouço de provas que foram trazidas a esse processo e que levaram à conclusão dos conselheiros federais no sentido de que a abertura de processo de impeachment se determina nesse momento.

Mas a convicção da OAB, ao distribuir essa nova peça (pedindo impeachment), é uma decisão técnica. A Ordem dos Advogados do Brasil não não se envolve em questões políticas, ideológicas ou partidárias. Não pertence ao governo e não pertence à oposição. Pertence ao cidadão, pertence aos advogados, e tem se manifestado de uma forma absolutamente técnica neste momento.

Há uma avaliação da OAB, ao tomar essa decisão, de que o pedido já em análise no momento não é bem fundamentado, não seria juridicamente adequado para o impeachment da presidente?
Não há essa avaliação, muito pelo contrário. O que nós estamos avaliando ao entendermos pelo ajuizamento de um peça autônoma é porque o conselho federal da OAB agregou outros elementos ao seu voto que não são as ditas pedaladas, somente por isso.

O senhor tem falado em "conjunto da obra" como justificativa para processar Dilma. Opositores do impeachment dizem que não há prova de crime de responsabilidade da presidente. Que prova objetiva a OAB vê que seja suficiente para justificar o impeachment?
São todas as razões que estão no voto aprovado pelo Conselho Federal da OAB: as ditas pedaladas fiscais, a questão da desoneração da Fifa (na Copa do Mundo de 2014), a questão também da utilização por parte da presidente da República de seus elementos (prerrogativas) para que nomeasse (como ministro) um ex-presidente (Lula) vendo o foro privilegiado, e também a questão tanto da delação premiada do senador Delcídio Amaral quanto os elementos probatórios que foram levados em conta pela OAB do depoimento do Bernardo Cerveró, que indicam, num primeiro momento, que houve inclusive tentativa de interferência no Poder Judiciário para julgamento de processos envolvendo réus na (operação) Lava Jato.

Há uma leitura no processo penal de que a delação é um ponto de partida para uma investigação, mas não uma prova em si. No caso da delação do senador Delcídio, isso pode der usado como prova contra a presidente?
Por isso que nós estamos afirmando que a delação por si só ela não é o elemento de convicção. Nós levamos em consideração o conjunto dos elementos que foram trazidos aos autos no processo, que foi examinado e avaliado pela OAB. E é por isso que se defende também o devido processo legal e o amplo direito à defesa que terá a Presidência da República no âmbito do processo de impeachment.

E não compete à OAB um julgamento. O julgamento será pelo Congresso nacional. A Ordem compete o exame de forma técnica, de forma isenta, sem levar consideração paixões políticas, partidárias ou ideológica. Absolutamente técnica.

A questão das pedaladas também tem gerado controvérsia porque elas foram realizadas no mandato anterior. Alguns juristas entendem que a presidente só pode sofrer impeachment por crime de responsabilidade cometido no atual mandato.
Como disse, não compete à OAB produzir julgamento. A ordem fez um exame técnico da questão, apreciou todos os elementos que foram trazidos aos autos do processo que avaliou o pedido de impeachment e, diante dos elementos, que foram analisados pelos conselheiros federais, se chegou à conclusão de que detectávamos nós crime de responsabilidade por parte da presidente da República. Então, à Câmara dos Deputados e ao Senado federal compete agora julgar.

A nomeação de Lula como ministro deve ser analisada pelo STF em breve. Dilma diz que a nomeação tinha finalidade política, para que Lula pudesse ajudar o governo a superar a crise. Por outro lado, apoiadores do ex-presidente reclamam de uma série de ações controversas de atores da primeira instância da Justiça, como o pedido de prisão preventiva apresentado pelo Ministério Público de São Paulo, e dizem que Lula estaria sendo perseguido. Como senhor vê essa questão?
Eu não vou entrar nessa questão política. O assessor (de imprensa da OAB) me pediu que desse essa entrevista para te colocar essa situação que te coloquei agora (sobre o pedido de impeachment). Com relação às questões políticas e até mesmo do Supremo, eu não vou entrar nisso.

O senhor disse que a nomeação do Lula visou dar foro privilegiado ao ex-presidente e que isso faz parte da decisão da OAB de apoiar o processo de impeachment. Eu fiz um questionamento ao senhor sobre essa questão.
Eu não vou entrar nessa questão. Já coloquei o que tinha que te colocar com relação a isso. O exame da Ordem é um exame técnico no formato que você sabe que eu te coloquei aqui agora. Não vou fazer uma avaliação se foi ou se não foi no contexto político dessa questão da nomeação do ex-presidente da República.

A OAB apoiou o golpe militar de 1964. Opositores do impeachment, como o governador do Maranhão, Flavio Dino, têm comparado a atuação de alguns juízes hoje com os militares dos anos 60. Qual sua visão sobre isso?
Não vejo nenhuma semelhança à situação de 64 (golpe militar) ou de 54 (suicídio do presidente Getúlio Vargas, que sofria acusações de corrupção). Nós hoje vivemos uma democracia que está absolutamente consolidada, nossas instituições são fortes, e acima de tudo nossa sociedade sabe q hoje vive em um Estado democrático de direito. Eu não vejo mínimo risco de retrocesso em nossa democracia.

Alguns advogados dizem que a decisão do Conselho da Ordem não representa toda a categoria e pedem a realização de um plebiscito com todos os associados da OAB para decidir pelo apoio ou não ao processo de impeachment. Há possibilidade de isso acontecer?
Nós tivemos uma apreciação absolutamente democrática no âmbito da instituição e o que vemos com esse tipo de manifestação é justamente uma esmagadora minoria que defende a democracia mas não pratica a democracia.

A Ordem dos Advogados do Brasil tem defendido sempre, e praticado, que as suas decisões sejam absolutamente democráticas, respeitando exatamente as regras do jogo, a hierarquia dentro da própria instituição. E, por essa razão, pleitos como esse são totalmente fora de propósito na medida que tivemos um exame amplo ao longo de um período bastante extenso em que o conselho tem debatido esse tema.

E por uma quase unanimidade, ou seja, 26 de 27 Estados da federação se manifestaram nesse sentido. De maneira técnica, deixando de lado qualquer linha, qualquer exame que diga respeito a eventuais preferências políticas, partidárias ou ideológicas.

O que pode resultar da comissão da OAB que analisa os grampos dos advogados de Lula dentro da operação Lava Jato?
Pode levar a uma série de questões. Se nós detectarmos efetivamente interceptações telefônicas ilegais entre advogados e clientes, a OAB estará se manifestando fortemente, inclusive junto ao Conselho Nacional de Justiça.

Pode ser uma mácula para a Lava Jato?
Seria uma mácula para qualquer investigação, na medida que nós detectarmos eventual descumprimento da lei. A lei 8.906 é clara no sentido de proibir qualquer interferência no contato do advogado com seu cliente, seguramente isso demonstraria uma ilegalidade. Ilegalidades devem ser combatidas.