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Brasilianistas divergem sobre peso histórico de decisão da Câmara

Para brasilianistas, a interpretação história do impeachment vai depender do futuro do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entre outro personagens da crise - Renato Costa/Folhapress
Para brasilianistas, a interpretação história do impeachment vai depender do futuro do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entre outro personagens da crise Imagem: Renato Costa/Folhapress

João Fellet

Em Washington

18/04/2016 10h35

A decisão da Câmara de autorizar a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff gerou reações divergentes entre estudiosos do Brasil nos Estados Unidos.

Num ponto, porém, analistas ouvidos pela BBC Brasil parecem concordar: a interpretação histórica do episódio dependerá do que ocorrer com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e com o vice-presidente, Michel Temer.

Para James Green, professor de história brasileira da Brown University, a leitura histórica da votação da Câmara dependerá do julgamento de Cunha e dos membros da comissão do impeachment acusados de corrupção.

Cunha é réu na Lava Jato, acusado de receber dinheiro desviado da Petrobras. Ele nega ter cometido crimes.

Green argumenta que uma eventual condenação de Cunha mostraria à população que o principal articulador do impeachment é corrupto e não tinha credibilidade para conduzir o processo.

Assim, segundo Green, se o presidente da Câmara e os outros deputados forem condenados, os brasileiros entenderão o impeachment de Dilma como "uma grande farsa", "uma manobra parlamentar para derrubar uma pessoa a quem eram contra".

Racha

O professor foi um dos signatários de um manifesto que provocou um racha na última conferência da Brasa (Brazilian Studies Association), em Rhode Island (EUA), no início do mês.

O documento diz que "há sério risco de que a retórica anticorrupção esteja sendo utilizada para desestabilizar um governo recém-eleito democraticamente, agravando a série crise política e econômica do país".

Após a aprovação do abaixo-assinado pela maioria dos presentes, alguns membros da associação descontentes pediram para se desfiliar.
Green diz que, como em outros momentos da história brasileira, classes políticas e econômicas contrárias a Dilma têm orquestrado uma "conciliação" para barrar as investigações da Lava Jato.

Encaminhado o impeachment de Dilma, ele diz acreditar que o próximo objetivo do grupo será "pôr Lula na cadeia" para evitar que ele se candidate em 2018.

'Fim de ciclo'

João Augusto de Castro Neves, diretor de América Latina da consultoria Eurasia em Washington, também diz que a interpretação da votação na Câmara dependerá dos próximos eventos.

Neves cita a possibilidade de que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) condene a chapa Dilma-Temer por irregularidades e invalide a vitória da dupla. Se isso ocorrer, ele diz que "muitos nem lembrarão do impeachment" no futuro.

Para ele, se o impeachment se consumar, será o fim de um ciclo iniciado em 1985, quando a ditadura se encerrou e começou um período em que os três maiores partidos brasileiros (PMDB, PSDB e PT) chegaram à Presidência.

"Os livros vão ver 2016 como o fim da República Nova", diz ele, "mas ainda não sei bem como o começo do quê".

"Não acho que para a história vá ficar a questão da pecha do golpe. Certamente haverá uma parcela que acredite nisso, mas acho que será uma minoria, assim como só uma minoria chama o golpe de 1964 de revolução", diz.

Para Matthew Taylor, professor de relações internacionais da American University, "uma das grandes perguntas agora é qual será a ressaca na segunda-feira".

"Não é um golpe, mas ao mesmo tempo será que a justificativa para a remoção é tamanha para justificar uma manobra que foi criada para situações excepcionais?", questiona.

Para Taylor, também não está claro se a crítica à legitimidade do processo permitirá a Dilma reconstruir seu apoio no Senado e barrar o prosseguimento do impeachment.

Risco

Ele lembra que, se o Senado autorizar a abertura do processo nas próximas semanas, Dilma será afastada até a votação definitiva sobre o impeachment, que pode ocorrer em até seis meses. Nesse período, Temer assumiria a Presidência e poderia negociar com o Congresso para garantir que o desfecho do processo lhe seja favorável.

"Isso significa que ela perderia grande parte dos poderes que precisaria para se reconstruir, seja o de atração de partidos aliados, seja o de poderes midiáticos ou a capacidade de usar a presidência como palco."

Para Taylor, se a abertura do processo for encarada nos próximos meses como abusiva, os responsáveis poderão ser punidos nas urnas.
"Esse é o grande risco para a oposição."

Veja o placar do impeachment por Estado em 90 segundos

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