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"Faltou mea culpa. Agora é tarde demais", diz ex-ministro de Dilma

Thomas Traumann, ex-ministro da Comunicação Social e porta-voz da Presidência - Alan Marques-19.dez.2014/Folhapress
Thomas Traumann, ex-ministro da Comunicação Social e porta-voz da Presidência Imagem: Alan Marques-19.dez.2014/Folhapress

Jefferson Puff - @_jeffersonpuff

No Rio

19/04/2016 08h36Atualizada em 19/04/2016 14h59

Thomas Traumann, que deixou gabinete em março de 2015 após vazamento de relatório em que alertou que país caminhava para 'caos político', diz que a presidente 'vai lutar até o fim'.

Ex-ministro da Comunicação Social e porta-voz da Presidência da República no governo da presidente Dilma Rousseff por mais de três anos, o jornalista Thomas Traumann pediu demissão do gabinete em março de 2015, após o vazamento à imprensa de um relatório em que afirmou que o governo apresentava "comunicação errática" e alertou que o país caminhava para um "caos político".

Passado um ano, Traumann diz que agora tem certeza de que estava certo. "O que eu previ naquele documento é que o Brasil estava caminhando para um caos político, e é claro que o que aconteceu no domingo é prova de que este caos político chegou, sim", disse.

Nesta terça-feira, o jornal "Folha de S. Paulo" noticiou que Traumann se encontrou com o vice-presidente Michel Temer, em São Paulo, na noite de segunda-feira. Procurado pela BBC Brasil, o ex-ministro confirmou a reunião, mas negou que avalie integrar o gabinete de um eventual governo do PMDB. "Sim, fui a São Paulo e conversei com o vice-presidente. Ele me chamou, e tivemos uma conversa privada. Não estou trabalhando para ele, e é só isso que tenho a dizer", afirmou. 

Em entrevista à BBC Brasil no Rio de Janeiro, o ex-ministro relembrou sua saída do governo e comentou sobre o relacionamento da presidente com seu gabinete.

"Todo político tem sua personalidade, mas um problema da personalidade da presidente Dilma Rousseff é que ela só confia em poucas pessoas de um círculo mais íntimo e que é muito pequeno. Esta é a maneira com que ela trabalha, e é claro que outras pessoas trabalham diferente".

Traumann diz que era esperado que o governo acenasse com novas medidas para tentar se salvar, e que Dilma é "uma lutadora", e que "deve lutar até o fim".

Na segunda-feira, em entrevista coletiva, a presidente disse que fará "um novo governo, um novo caminho", caso o processo de impeachment, aprovado pela Câmara dos Deputados no último domingo, seja barrado no Senado.

Para o ex-ministro, no entanto, as oportunidades de mudança foram perdidas. "É uma situação muito difícil, e eu realmente acho que não há muito a ser feito. Dito isso, tenho certeza de que o governo vai buscar uma nova chance com os senadores, tentando convencer tanto com promessas de mudanças nas políticas como com um novo gabinete de ministros compartilhado com outros partidos. Mas agora é tarde demais", disse.

Veja os principais trechos da entrevista à BBC Brasil:

BBC Brasil - No relatório que o senhor elaborou para a presidente Dilma Rousseff havia menção à "comunicação errática" adotada pelo governo. A que o senhor se referia?

Thomas Traumann - Eu deixei o governo da presidente Dilma Rousseff em março do ano passado após um relatório que eu escrevi para ela ter sido vazado para a imprensa. Neste relatório eu disse que havia um problema de comunicação no governo não só porque muitas das promessas que ela tinha feito durante a campanha não estavam sendo cumpridas, mas porque ela estava mudando completamente a linha do governo, e que obviamente isso deveria ser dito à população.

A presidente precisava explicar a razão pela qual estava adotando uma posição diferente da qual tinha anunciado durante a campanha. E foi isso que eu classifiquei no relatório de "comunicação errática". O governo nunca explicou à sociedade brasileira por que mudou sua posição. Obviamente isso levou a um grande estresse junto ao público e causou a queda de popularidade.

Thomas Traumann BBC - Roberto Stuckert Filho/PR - Roberto Stuckert Filho/PR
"Dilma só confia em poucas pessoas de um círculo mais íntimo e que é muito pequeno"
Imagem: Roberto Stuckert Filho/PR

BBC Brasil - O senhor poderia citar algum exemplo específico dessas mudanças de posição mencionadas?

Traumann - Eu acho que a principal foi na área de educação. Durante toda a campanha houve um orgulho em relação ao primeiro mandato de Dilma sobre os números de pessoas que estavam conseguindo ter acesso à universidade pela primeira vez e as pessoas que agora estavam fazendo cursos técnicos. Eram milhões e milhões que estavam tendo essas oportunidades.

E não muito tempo depois da reeleição houve um corte brusco nestes programas e milhões de pessoas simplesmente interromperam seus cursos universitários e técnicos, mas isso nunca foi explicado à população. Este foi um momento-chave no qual o governo foi acusado de ter mentido durante a campanha. Estou falando do Pronatec, Fies, ProUni, os programas que tinham cotas e financiamento para estudantes mais pobres terem acesso à universidade.

BBC Brasil - O senhor fez parte do gabinete de ministros de Dilma Rousseff, e alguns de seus ex-colegas já disseram à imprensa que a presidente não costumava pedir conselhos ou opiniões, e apontaram dificuldades de relacionamento. Como ex-ministro da Comunicação Social o senhor diria que Dilma poderia ter se esforçado para se comunicar melhor, sobretudo com seus próprios ministros?

Traumann - Todo político tem sua personalidade, mas um problema da personalidade da presidente Dilma Rousseff é que ela só confia em poucas pessoas de um círculo mais íntimo e que é muito pequeno. Esta é a maneira com que ela trabalha, e é claro que outras pessoas trabalham diferente.

Mas eu não acho que este tenha sido o problema principal. Eu acho que o maior problema foi não encarar a verdadeira e complicada situação econômica do Brasil e não ter dito à população o estado em que as coisas estavam logo no início de seu segundo mandato.

BBC Brasil - O senhor diria então que as pedaladas orçamentárias, principal argumento para o pedido de impeachment, seriam um exemplo dessa lógica de "não encarar os problemas e não revelá-los à sociedade"?

Traumann - Na minha opinião as pedaladas são algo muito pequeno quando você pensa que hoje o Brasil tem mais de 100 mil pessoas perdendo seus empregos todos os meses, uma inflação de mais de 10% e que estamos indo rumo a um terceiro ano de recessão.

A economia do Brasil hoje encolheu ao mesmo tamanho que tinha em 2010. Estes são os problemas. O fato de o Brasil ter perdido seu boom de crescimento e de que encontrar uma solução será muito difícil e muito complicado. É isto que as pessoas estão sentindo em seus bolsos e em suas vidas.

BBC Brasil - Outro ponto polêmico do relatório que o senhor escreveu e que foi vazado à imprensa em março de 2015 foi seu entendimento de que o país caminhava para um "caos político". O que o senhor quis dizer com isso?

Traumann - Eu alertei que estávamos indo em direção a um caos político. E por quê? Porque o governo havia perdido o contato com a sociedade. Como um governo eleito com 54 milhões de votos poderia estar executando a mesma agenda do partido de oposição? As pessoas não conseguiam entender aquilo.

Eles tinham que ter ido a público e dizer "vejam, nós cometemos um erro, estávamos errados". Sem fazer este mea culpa, por que a população daria um voto de confiança à presidente Dilma Rousseff? Este foi o momento-chave em que o governo se perdeu, perdeu popularidade e perdeu sua credibilidade com a população.

BBC Brasil - O senhor diria que o "caos político" chegou?

Traumann - Eu temo que sim. O que eu previ naquele documento é que o Brasil estava caminhando para um caos político, e é claro que o que aconteceu no domingo é prova de que este caos político chegou, sim.

Hoje nós temos uma sociedade completamente dividida. Pode ser 60% contra 40%, mas está repartida entre os que defendem a presidente Dilma e os que defendem o impeachment.

Qualquer que seja a situação, seja o cenário em que Dilma consiga se recuperar, ou outro, no qual o vice-presidente Michel Temer assuma, as decisões que vão ser tomadas vão ser muito impopulares e vão necessitar de um apoio muito grande da sociedade. Não só dos investidores, mas também de empresários e sindicatos. E hoje, olhando a situação do país, não se consegue enxergar nenhuma circunstância que favoreça este tipo de consenso necessário.

BBC Brasil - Quais seriam os caminhos possíveis para o país de agora em diante?

Traumann - Vamos enfrentar mais dificuldades à frente e não vejo uma solução fácil para o Brasil hoje. Estamos agora caminhando para um processo de impeachment no Senado, o que será muito complexo. Eu creio que o vice-presidente Michel Temer assumirá o poder, mas terá de tomar decisões muito difíceis e impopulares.

Nós estamos agora numa sociedade muito dividida entre os que defendem o impeachment e a permanência de Dilma no poder, e o Brasil terá anos tumultuados e muito, muito complicados pela frente.

BBC Brasil - Tendo conhecido a presidente Dilma Rousseff de muito perto, como o senhor diria que ela deve se comportar daqui para frente? Há chance de retomar sua popularidade?

Traumann - A presidente Dilma é uma lutadora. Eu tenho certeza que ela vai tentar lutar contra o impeachment até o último dia. Eu a vi trabalhando sob pressão, durante os protestos de 2013 e durante a eleição de 2014. Ela não é o tipo de pessoa que desiste, tenho certeza disso.

BBC Brasil - O senhor diria que o governo tem como mostrar uma reação? Qual seria a estratégia?

Traumann - É uma situação muito difícil, e eu realmente acho que não há muito a ser feito. Dito isso, tenho certeza de que o governo vai buscar uma nova chance com os senadores, tentando convencer tanto com promessas de mudanças nas políticas quanto com um novo gabinete de ministros compartilhado com outros partidos. Mas agora é tarde demais.

Hoje temos uma situação em que dois terços do país são a favor do impeachment e um terço é contra, então é muito difícil imaginar qualquer governo, seja do PT ou do PMDB, que possa unificar um país tão dividido. É uma missão extremamente difícil.

BBC Brasil - Os mercados tendem a favorecer a saída de Dilma, mas na sua opinião um novo governo pode de fato mudar os rumos da economia?

Traumann - Eu tenho certeza de que, caso assuma o poder, Temer terá entre suas primeiras medidas um conjunto de políticas extremamente voltadas à indústria, e os mercados, sem dúvida, verão isso com bons olhos e investirão mais no Brasil.

Mas esta é a parte fácil da missão dele. O que eu acho que trará dificuldades enormes será criar qualquer tipo de diálogo com o PT e com os movimentos sociais. O problema dele vai ser muito mais na política do que no gerenciamento da economia a curto prazo.

BBC Brasil - Considerando seus alertas feitos em março do ano passado, o senhor acredita que a presidente Dilma Rousseff fará alguma mudança na maneira com que se comunica, após as notícias de domingo?

Traumann - Agora é tarde demais.