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Relator no Senado recomenda processar Dilma e ataca tese de 'golpe': Entenda o parecer

Tucano Antonio Anastasia, relator no Senado, diz ver indícios de que Dilma cometeu crimes ficais - Adriano Machado/Reuters
Tucano Antonio Anastasia, relator no Senado, diz ver indícios de que Dilma cometeu crimes ficais Imagem: Adriano Machado/Reuters

Adriano Brito - @adrianobrito

Da BBC Brasil em São Paulo

04/05/2016 14h14

Como já era esperado, o relator do impeachment no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), emitiu parecer recomendando processar a presidente Dilma Rousseff.

O relatório de 126 páginas, lido nesta quarta-feira, deve ser votado pelo colegiado na sexta e levado a plenário na semana que vem, quando a Casa decidirá se dá início ao processo autorizado pela Câmara e, assim, se afasta provisoriamente a petista. Para isso, são necessários os votos da maioria simples dos senadores.

No parecer, Anastasia conclui que a denúncia é plausível ao apontar "irresponsabilidade" de Dilma na execução da política fiscal. A presidente é acusada de assinar decretos de suplementação orçamentária de forma irregular e de realizar operações de crédito com bancos públicos, o que é ilegal, nas manobras conhecidas como "pedaladas fiscais".

Além de votar pela abertura do processo, o relator rebateu em seu texto as acusações de que um golpe está em curso com o objetivo de tirar a presidente do poder.

"Nunca se viu golpe com direito a ampla defesa, contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo, com direito à fala por membros de todos os matizes políticos, e com procedimento ditado pela Constituição e pelo STF", opinou.

Confira, a seguir, os principais pontos do relatório:

Dilma Rousseff - Evaristo Sá/AFP - Evaristo Sá/AFP
Dilma Rousseff pode ser afastada pelo Senado já na semana que vem
Imagem: Evaristo Sá/AFP

'Impeachment não é golpe'

Anastasia dedicou algumas páginas a uma resposta às acusações de que o impeachment seria um golpe.

Após citar a Constituição, o senador disse ser "fácil constatar que o impeachment se apresenta como um mecanismo de controle e repressão de delitos presidenciais".

"A necessidade de exercício do controle horizontal dos crimes presidenciais é importantíssima, pois somente assim se assegura o cumprimento das leis e o fortalecimento das instituições e se evita abusos", afirmou o tucano. "O impeachment dialoga com a soberania popular, mediante arranjo sábio entre as instâncias políticas e jurídicas do país".

O senador acrescentou que a defesa tenta "desqualificar" o instituto do impeachment por meio de uma estratégia que consiste em associar os autores do pedido de afastamento e parlamentares favoráveis à medida, "com alarde na esfera interna e internacional", a práticas golpistas e "à quebra da ordem democrática".

"A alegação de que o presente impeachment é um golpe é absolutamente descabida e desprovida de amparo fático e legal. Pelo contrário, o impeachment é justamente um mecanismo constitucional que previne rupturas institucionais."

Ao fazer a defesa de Dilma na Câmara, o ministro José Eduardo Cardozo (Advocacia-Geral da União) afirmou que ela só poderia sofrer um impeachment por atos "extremamente graves". Se esses "pressupostos" não estiverem presentes, o pedido de impeachment é tentativa de "golpe de Estado", disse.

A presidente, por sua vez, tem repetido que não há crime de responsabilidade contra ela e que, por isso, o processo é uma "fraude", uma tentativa de "golpe".

Anastasia e Lira - Marcelo Camargo/Agência Brasil - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Anastasia só falou após Raimundo Lira (PMDB-PB), presidente da comissão, parar debates
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

'Análise técnica' e 'pano de fundo'

Acusado de parcialidade por ser tucano e, segundo defensores de Dilma, ter lançado mão das mesmas manobras das quais ela é acusada quando era governador de Minas Gerais – o que nega –, Anastasia disse que seu texto se concentraria na "análise da matéria", ou seja, dos crimes fiscais dos quais a presidente é acusada.

Antes da avaliação técnica, porém, deu várias alfinetadas no governo e na presidente.

Segundo o senador, o processo não tem o objetivo de "contrastar" o mandato da petista com seus "índices críticos de impopularidade", com o "sentimento de rejeição" nas redes sociais e, em referência aos áudios de conversas entre ela e Lula divulgados pelo juiz Sergio Moro, responsável pela operação Lava Jato na primeira instância, e à delação do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), com "eventuais condutas veiculadas em áudios e delações".

"Não se cuida de uma revisão da biografia da mandatária da nação", afirmou.

Mesmo assim, ele ressalta que a parte jurídica da questão – ou seja, se Dilma cometeu crime de responsabilidade ou não –, vem acompanhada de um "pano de fundo", o "contexto do julgamento".

"Esses elementos estão nas ruas, em reiteradas e plurais manifestações, em diversificadas análises internas e internacionais, em diferenciadas mídias, em pesquisas de opinião, em anais do Congresso Nacional, em indicadores sociais e econômicos, em rumorosos inquéritos e processos judiciais, em acalorados debates", lista.

Lula - Xinhua/Rahel Patrasso - Xinhua/Rahel Patrasso
Para relator, fatos como áudios de Dilma e Lula constroem "contexto do julgamento"
Imagem: Xinhua/Rahel Patrasso

Resposta a questionamentos da defesa

Anastasia usou parte de seu texto para refutar queixas da defesa de Dilma sobre a tramitação do impeachment.

Entre elas, de que o processo seria nulo porque o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teria acolhido o pedido de afastamento por "vingança" ou "retaliação", o que caracterizaria desvio de finalidade ou poder.

Ao afirmar que não é possível dizer que houve desvio, o relator aponta que a decisão de Cunha destaca "critérios técnicos". Para exemplificar, lembra que o peemedebista acolheu apenas as acusações referentes ao ano de 2015, ou seja, ao mandato atual da petista.

"Houve o recorte substancial dos fatos descritos na denúncia, o que agradou muito a defesa da senhora presidente."

O tucano disse que a defesa se vale "do ato do Presidente da Câmara quando lhe convém": defende a delimitação da denúncia adotada por Cunha, mas quer a nulidade do processo por suposto "desvio de finalidade", mas sem "comprovação consistente".

Além disso, o relator refutou as afirmações de que seria necessário que o Congresso julgasse as contas de 2015 do governo para que Dilma pudesse ser processada por eventuais irregularidades fiscais – a própria presidente tem usado esse argumento.

"O julgamento de contas na esfera de controle externo não interfere na ação penal comum e na ação cível de improbidade administrativa", disse Anastasia.

Eduardo Cunha - Pedro Ladeira-7.abr.2016/Folhapress - Pedro Ladeira-7.abr.2016/Folhapress
Anastasia refutou tese da defesa de que processo seria "nulo" porque Cunha agiu por "vingança"
Imagem: Pedro Ladeira-7.abr.2016/Folhapress

Ameaça à 'estabilidade fiscal e monetária'

Em trecho que diz ser dedicado à "contextualização dos fatos", Anastasia lista uma série de dados que, na sua visão, indicam que houve crime fiscal.

"Não está em evidência, unicamente, a discussão sobre a manutenção de um mandato presidencial. Está em jogo, sobretudo, a avaliação de questões pertinentes à preservação (...) da estabilidade fiscal e monetária do país."

Ele chama atenção para o dado, ilustrado em um gráfico, de que a meta de superavit foi descumprida nos primeiros quadrimestres de 2014 e 2015, o que não ocorreu nos anos anteriores.

Para o senador, assim fica clara "a razão pela qual a edição de decretos presidenciais tenha sido questionada justamente a partir de 2014".

"Enquanto nos exercícios pretéritos (...), havia espaço fiscal para a ampliação de despesas, a partir de 2014 esse lastro não mais se fazia presente", diz. "A conduta esperada na ausência de espaço fiscal, ao invés de ampliação, seria a de limitação de despesas."

Em outro gráfico, o tucano mostra o valor devido pela União a bancos públicos, como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, que saltou na gestão Dilma, chegando a R$ 58,7 bilhões, para desabar em dezembro de 2015, após o Tribunal de Contas da União apontar irregularidades nas "pedaladas fiscais".

"Essa redução verificada em dezembro de 2015, a elevação do passivo da União ao longo do ano reforça os indícios de crime de responsabilidade narrados na denúncia", opinou.

Michel Temer - Ueslei Marcelino/Reuters - 19.mar.2015 - Ueslei Marcelino/Reuters - 19.mar.2015
Diante a iminência do afastamento de Dilma, Temer já negocia seu ministério
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters - 19.mar.2015

'Pedaladas', decretos e 'interesses políticos

Segundo Anastasia, a abertura de créditos suplementares é legal quando compatível com o cumprimento da meta de superavit do ano. Eis, diz, é o problema: isso não ocorreu com os decretos assinados em 2015.

"O Poder Executivo havia fixado até agosto meta de superávit primário de R$ 22,2 bilhões, e o resultado acumulado obtido até esse mês havia sido deficitário em R$ 15,2 bilhões. Nesse cenário, constata-se que não havia espaço fiscal disponível para operações que implicassem aumento de déficit primário."

O senador conclui que, dos seis decretos listados na denúncia contra Dilma, cinco "apresentam repercussão negativa" à obtenção de um superavit primário, o que aponta para transgressão da Lei Orçamentária Anual e oferece "indícios suficientemente robustos para que se conclua pelo acolhimento da denúncia".

Ele também rebateu a tese da defesa de que o TCU chegou a conclusão diferente em 2009. "Não foram examinados, na ocasião, decretos de abertura de créditos suplementares", disse.

Ao tratar das "pedaladas", o relator disse que a "União valeu-se de instituições financeiras por ela controladas para, com recursos próprios dessas empresas, suportar o pagamento de obrigações de sua responsabilidade. Ao assim proceder, a União passou a ser devedora dessas instituições financeiras" - o que, a seu ver, configura operação de crédito entre governo e banco público controlado por ele, o que é ilegal.

José Eduardo Cardozo - André Dusek/Estadão Conteúdo - André Dusek/Estadão Conteúdo
Cardozo têm repetido que acusações não são graves a ponto de justificar impeachment
Imagem: André Dusek/Estadão Conteúdo

"Os fatos reiterados em 2015 (...), também praticados em 2014, revelam contexto que podem demonstrar desvio de finalidade em favor de interesses políticos partidários, na medida em que, em contexto eleitoral, sonegaram informações à sociedade brasileira", disparou, em referência às eleições de 2014 – Dilma se reelegeu ao vencer no segundo turno o senador Aécio Neves (PSDB-MG), padrinho político de Anastasia.

Ao recomendar a admissibilidade do processo com base nas acusações baseadas nas "pedaladas" e de irregularidade com relação aos decretos, o tucano ressaltou que não se trata de “criminalização da política fiscal”, como a defesa de Dilma argumentou à comissão, "mas da forma como a política foi executada, mediante o uso irresponsável de instrumentos orçamentário-financeiros".

José Eduardo Cardozo tem repetido que as "pedaladas" foram praticadas em governos anteriores a Dilma e também por governadores e prefeitos. "Essas operações foram aceitas pelos tribunais de contas em todo o país por décadas", afirmou o advogado-geral da União.

Dilma tem repetido isso para se defender das acusações referentes aos decretos.

"Se eu for comparar com todos os presidentes que me antecederam, pelo menos os dois últimos, a situação é extremamente estranha. Eu fiz seis decretos. Quem mais fez foi FHC que fez 101 decretos."