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Ascensão e queda de Eduardo Cunha, um dos políticos mais poderosos do país

Trajetória política de Eduardo Cunha remonta à era Collor - Aílton de Freitas / Agência O Globo
Trajetória política de Eduardo Cunha remonta à era Collor Imagem: Aílton de Freitas / Agência O Globo

05/05/2016 11h14

A crise política brasileira ganhou mais um capítulo nesta quinta-feira (5), quando o ministro do Superior Tribunal Federal Teori Zavascki determinou o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do mandato de deputado federal.

Cunha é réu no STF pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro; ele também é acusado de ter recebido propina no esquema da Petrobras investigado pela Operação Lava Jato.

A liminar concedida pelo ministro atendeu a um pedido feito em dezembro pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Ele acusa Cunha de usar seu cargo na Presidência da Câmara para "constranger, intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar investigações".

Ainda nesta quinta-feira, o STF deve julgar uma outra ação contra o parlamentar, de autoria do partido Rede de Sustentabilidade, que defende que presidentes da Câmara ou do Senado não podem ter ações penais no STF. O partido sustenta que Cunha está na linha sucessória da presidente, cargo que não admitiria, de acordo com a Constituição, ser exercido por um réu.

A BBC Brasil preparou um perfil do polêmico presidente da Câmara, que foi um dos principais personagens dessa crise política:

Em 1992 já havia um "Fora, Cunha". Naquele ano, em meio à turbulência em torno do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, o Sindicato dos Trabalhadores em Comunicação do Rio de Janeiro exigia a saída do economista Eduardo Cosentino da Cunha da presidência da companhia telefônica estadual.

"Um collorido na presidência da Telerj", denunciava o cartaz de protesto.

Hoje o "Fora, Cunha" é uma hashtag, e o ex-collorido da Telerj se tornou o poderoso presidente da Câmara dos Deputados, o homem à frente da votação de 17 de abril que pavimentou o caminho que tende a levar o país a mais um processo de impeachment – a decisão, agora, está a cargo do Senado.

Agora, porém, com seu afastamento, o futuro do principal opositor da presidente Dilma Rousseff na longa e cansativa batalha do impeachment é incerto - assim como o papel que exercerá daqui em diante nos bastidores da crise política do país.

Seja como for, para o ex-deputado Roberto Jefferson, condenado no processo do mensalão, Cunha foi o "adversário mais à altura" que o PT já enfrentou em seus 13 anos de governo.

"Lula nunca esperou encontrar um bandido da mesma qualidade moral, intelectual que ele", disse Jefferson em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", publicada no último dia 31 de março.

Cunha, entretanto, tem muitos admiradores. "Ele é um político ousado, inteligente, disciplinado e trabalhador", elogia o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), um de seus principais aliados na encarniçada guerra contra o PT. "Reúne todas essas qualidades. Leva isso ao extremo."

De fato, Cunha sempre foi aplicado. Estuda os regimentos da Câmara com afinco, como na época em que era um estudante discreto, de cabelos compridos e óculos "fundo de garrafa" que sempre tirava boas notas, como conta um perfil publicado pelo jornal O Globo, também em março.

Mas nada em seu comportamento escolar nos anos 1970 (ele nasceu em 1958; em setembro completa 58 anos) indicava que Cunha estaria hoje no centro do noticiário político do país por seu papel de principal opositor ao Poder Executivo e por conduzir o processo de admissibilidade do impeachment enquanto ele mesmo é réu no Supremo Tribunal Federal sob a suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

Tesoureiro de campanha de Collor

"Cunha não era politizado quando jovem. Nunca foi de movimento estudantil nem de associação de moradores", conta o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), ferrenho adversário do peemedebista.

"Ele vinha de uma família de classe média, era tijucano (morador do bairro da Tijuca, zona norte do Rio) como eu, e ingressou na política com um objetivo claro de ascensão social."

Seu primeiro partido foi o PRN (Partido da Reconstrução Nacional): em 1989, ele ajudou a eleger Collor presidente, como tesoureiro do comitê de campanha no Rio, a convite "da figura mais nefasta daquele grupo, o Paulo Cesar Farias", relata Chico.

Como se vê, a pecha de "collorido" que Cunha carregava em 1992 não era gratuita. Foi o próprio PC quem sugeriu a Collor nomeá-lo para a presidência da Telerj, em 1991. Antes de ingressar no mundo dos cargos comissionados, ele teve passagens como economista pelas empresas Arthur Andersen e Xerox.

Em sua gestão na telefônica, teve um papel importante na implementação da telefonia celular no Rio. Também foi envolvido, pela primeira vez, num escândalo de superfaturamento. A segunda vez veio em 2000, quando foi afastado da Companhia Estadual de Habitação (Cehab) por denúncias de contratos sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas.

Ele havia sido nomeado pelo então governador Anthony Garotinho (hoje no PR), hoje um ferrenho desafeto, apenas seis meses antes.

Conta na Suíça

Entre a Telerj e a Cehab, Cunha foi apadrinhado pelo empresário e deputado federal Francisco Silva, dono da rádio gospel Melodia, evangélico como ele, e tornou-se radialista. Passou também a frequentar os cultos da Igreja Assembleia de Deus, onde construiu sua base eleitoral.

Nessa época ele já se casara com a jornalista Claudia Cruz, apresentadora do noticiário RJTV, da TV Globo, a quem convidara para ser "a voz" da Telerj.

O trabalho virou romance e, juntos, tiveram uma filha, Bárbara (ele tem outros três filhos do primeiro casamento). Levam uma vida de alto luxo: vão a jantares em restaurantes caríssimos de Paris, tiveram aulas de tênis em Nova York que custaram US$ 60 mil, possuem carros caríssimos. O dinheiro que paga esses prazeres está sendo investigado na Operação Lava Jato.

Claudia também é sócia de Cunha em diversas empresas suspeitas (entre elas, uma chamada Jesus.com) e titular de uma conta irregular na Suíça, bloqueada a partir da investigação. Nada que surpreenda Chico Alencar. "Ele sempre lidou com denúncias de negociatas em sua trajetória", diz o deputado do PSOL.

Alencar e Cunha se conheceram pessoalmente quando se elegeram deputados estaduais, em 1998. Cunha entrou como suplente; teve apenas 15 mil votos, menos de sete por cento dos 232 mil que o tornaram o terceiro deputado federal mais votado do Rio em 2014.

"Naquela época ele era bem mais discreto, mas sempre foi considerado uma figura ardilosa", recorda Chico.

Um terço da Câmara

Essa discrição acabou em 2014, quando Cunha liderou um "blocão" que exigia do governo mais cargos para os aliados. Como forma de pressão, passou a impor derrotas na Câmara a Dilma e ao PT, a quem já havia ajudado em momentos importantes, como na CPI do Apagão Aéreo, em 2007, quando já estava havia quatro anos no PMDB e era vice-líder do partido, com um séquito de seguidores.

Fiel companheiro de Cunha no impeachment de Dilma, o sindicalista Paulinho da Força, líder do partido Solidariedade, afirma que 180 dos 513 deputados federais dançam conforme a música que o antigo aluno de óculos "fundo de garrafa" toca. Quase um terço da Câmara.

"Individualmente, ele tem mais votos do que o PT e seus aliados. Cunha, sozinho, também tem mais força que a oposição", diz Paulinho.

Trata-se de um exército legislativo conquistado com uma habilidade específica: "Ele cumpre tudo o que diz. Isso tem valor na Câmara; geralmente político fala e não cumpre. A lealdade e o compromisso com as pessoas o tornaram forte", avalia Paulinho.

Para o deputado André Moura, do PSC, o "presidente Eduardo", como o chama, dignifica o Parlamento. "Ele devolveu o protagonismo ao Legislativo. Deu altivez a essa casa", opina o sergipano, membro da tropa de choque dos aliados de Cunha.

"Apesar de todos os problemas pessoais que tem enfrentado, o presidente Eduardo consegue pautar e botar para votar matérias importantes, como o pacto federativo, a redução da maioridade penal e a reforma tributária", diz Moura.

O deputado Wadih Damous (PT-RJ) vê Cunha de uma forma bem distinta.

"É um ditador na presidência da Câmara. Patrocina projetos de lei reacionários e alguns absurdos, como o projeto de lei do Dia do Orgulho Hétero. A figura dele é emblemática do que há de pior na política nacional", afirma.

Glauber Braga (PSOL-RJ) faz coro. "Não tem limites no exercício e na conquista do espaço político. E hoje ele tem muito mais espaço para impor sua agenda retrógrada. Ele usa todos os instrumentos para ter acesso a um mecanismo de poder sem limites. Tenho convicção de que o mentor do acordão e articulador das ações do (vice-presidente) Michel Temer é o Cunha", diz o deputado.

Roteiro de série

Em 15 de março de 2014, o jornal gaúcho "Zero Hora" publicou uma reportagem em que apontava Cunha como "o homem capaz de balançar a aliança entre peemedebistas e petistas". No último 29 de março, o presidente da Câmara festejou o rompimento com o governo ao lado do senador Romero Jucá (também investigado pela Lava Jato) e outros peemedebistas.

"Ele buscou uma independência harmoniosa entre os poderes, mas o Palácio (do Planalto) nunca aceitou isso. Essa foi a origem dos problemas", diz André Moura. "Ele se elegeu com base no poder econômico, com financiamento de caixa 2 de empresas, é réu no STF e, por isso, não tem legitimidade", rebate Damous.

Cunha é acusado, na Lava Jato, de receber propinas milionárias: por um contrato de navios-sondas da Petrobras teria recebido US$ 5 milhões; das empresas ligadas ao Porto Maravilha (no Rio de Janeiro), a soma chegaria a espetaculares R$ 52 milhões. Como se não bastasse, seu nome figura na lista de offshores reveladas pelos Panama Papers.

Com base nas denúncias apuradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou Cunha ao STF em setembro do ano passado. Ele nega todas as acusações e diz que é perseguido, inclusive por Janot.

Mas o marco do seu antagonismo derradeiro contra o PT veio, segundo os bastidores políticos, quando o partido do governo definiu, em dezembro, que não o apoiaria no Conselho de Ética da Câmara, onde tramita um processo que, no limite, pode levar à cassação de seu mandato. Seu ato imediato foi aceitar um dos pedidos de impeachment – em seu primeiro pronunciamento após o resultado do domingo, Dilma voltou a acusá-lo de agir por "vingança", o que ele nega.

Porém, mesmo depois da maior das várias derrotas que já aplicou ao governo, o peemedebista preferiu evitar celebrar – ao menos publicamente. "Tudo isso é muito triste. Um caso grave", disse aos jornalistas.

O deputado, todavia, não parece estar disposto a buscar uma trégua. Para Cunha, esta é uma luta pela própria sobrevivência e até aqui tem funcionado: ao contrário do impeachment, que corre célere, seu processo no Conselho de Ética se arrasta lentamente.

"Eduardo Cunha quer destruir, um a um, os opositores que debatem sua cassação", disse à BBC Brasil o deputado José Carlos Araújo (PR-BA), que preside o conselho.

Ano que vem a Netflix promete lançar uma série inspirada na Lava Jato. A criação e direção serão de José Padilha (Tropa de Elite, Narcos). Já a trama do roteiro tem sido escrita, no dia a dia da política nacional, com a atuação de Eduardo Cunha. E ninguém, até aqui, consegue prever o desfecho dessa história.