Topo

'Lava Jato exportação':as conexões internacionais do esquema de corrupção

Sérgio Moro, juiz paranaense responsável pelo processo da Operação Lava-Jato - Nelson Antoine/Frame/Estadão Conteúdo
Sérgio Moro, juiz paranaense responsável pelo processo da Operação Lava-Jato Imagem: Nelson Antoine/Frame/Estadão Conteúdo

Thiago Guimarães

Em Londres

10/05/2016 21h30

Sabe-se que a operação Lava Jato ultrapassa as fronteiras do Brasil. Bancos internacionais e empresas em paraísos fiscais movimentaram, por exemplo, boa parte dos R$ 6,2 bilhões em propinas que, segundo a apuração, minaram os cofres da Petrobras.

Outra coisa é saber se políticos, empresários e empreiteiras brasileiras investigadas na operação reproduziram o esquema em outros países, em associação com interesses locais.

Desvendar essas possíveis conexões, porém, não é atribuição de instituições brasileiras, mas dos países em que os supostos crimes teriam ocorrido.

Até agora, 11 países (Andorra, Costa Rica, Dinamarca, Itália, Guatemala, Liechtenstein, Panamá, Peru, Porto Rico, Suíça e Uruguai) já fecharam cooperação formal com o Ministério Público Federal brasileiro para receber dados sobre a investigação.

Outros, como a Argentina, apostam por enquanto na colaboração informal, com visitas de procuradores a colegas no Brasil.

Pistas sobre uma possível "Lava Jato para exportação" vieram à tona principalmente em países onde a Petrobras e empreiteiras brasileiras possuem operações, como Peru, Venezuela e República Dominicana.

Cada país, no entanto, tem tratado as suspeitas à sua maneira, em equações que levam em conta a temperatura da disputa política, a independência das instituições e a exposição dos casos na mídia local.

A repercussão na opinião pública, por exemplo, é maior no Peru e República Dominicana, nações que estão em meio a um processo de escolha de novos presidentes.

A BBC Brasil verificou o que já se sabe até o momento sobre essas eventuais conexões e os impactos da investigação brasileira em países em que há indícios de reprodução do maior esquema de corrupção e lavagem de dinheiro já descoberto no país.

Peru

O país andino é onde a Lava Jato fez mais barulho até agora, por reunir mais sinais da reprodução do esquema de financiamento político ilegal verificado no Brasil.
Investigações no Congresso e Ministério Público lançam suspeitas sobre pelo menos dois ex-presidentes (Alejandro Toledo e Alan García) e ajudaram a derrubar a popularidade do atual mandatário, Ollanta Humala, reprovado por 80% do eleitorado.

Instalada em novembro, a CPI peruana entregou relatório preliminar em abril e estendeu os trabalhos até o final deste mês. Corre contra o relógio porque a nova legislatura assume em junho, quando o país elege novo presidente - Humala não pode ser reeleito.

Após quebrar sigilos bancários e fiscais de 294 pessoas físicas e jurídicas, a comissão diz ter "indícios e evidências" de que "autoridades peruanas estariam comprometidas em negociações ilegais" com as empreiteiras investigadas na Lava Jato.

O relatório da comissão, ao qual a BBC Brasil teve acesso, enumera indícios de favorecimento em licitações e contratos, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva.

"Uma questão clara para nós é que empresas brasileiras trabalharam para atuar com o poder econômico e político (do Peru)", afirmou à reportagem o deputado oposicionista Juan Pari, presidente da comissão, que esteve no Brasil em março em busca de informações.

O presidente Humala, que nega irregularidades, entrou no centro do escândalo após a Policia Federal brasileira apreender uma planilha da Odebrecht com a inscrição "Projeto OH" ao lado de cifra de US$ 3 milhões. A PF suspeita que a sigla se refira a Humala, que negou ter relações com o esquema brasileiro.

Operação Acarajé, 23ª fase da Operação Lava Jato, incluiu a apreensão de veículos de luxo, lancha e de obras de arte - Divulgação/Polícia Federal - Divulgação/Polícia Federal
Entre as apreensões, obras de arte, como a tela do artista Romanelli
Imagem: Divulgação/Polícia Federal

Anotações

Um celular de Marcelo Odebrecht, presidente afastado da empreiteira, trazia a anotação "cash para Angola e Peru", que a PF supõe ser referência a propinas.

Delatores no Brasil citaram supostas remessas de dinheiro ao Peru pela OAS para pagamento de subornos e práticas de lobby no país que recairiam sobre o ex-ministro José Dirceu, preso na Lava Jato, para Engevix, OAS e UTC. Dirceu já disse que prestou trabalho legal como consultor. A OAS não respondeu ao contato da reportagem.

A Engevix confirmou que "realizou uma visita de prospecção comercial ao Peru, em 2008, em conjunto com o ex-ministro José Dirceu, mas a prospecção não gerou negócios." "A Engevix já esclareceu os fatos à Justiça brasileira e está prestando todo o apoio aos processos em julgamento no Brasil", disse a empresa.

A Camargo Corrêa afirmou que as alegações que citam a empresa no relatório da comissão do Congresso peruano são "de caráter preliminar" e "baseadas em material decorrente da Operação Castelo de Areia, realizada em 2009, e que foi julgada ilegal com todas as suas acusações arquivadas por decisão judicial, corroborada definitivamente pelo Supremo Tribunal Federal."

"Presente no Peru desde 1995, a construtora Camargo Corrêa reitera sua orientação de respeitar a legislação vigente e seu compromisso com a ética, a transparência e a competência técnica e operacional", informou em nota.

A Queiroz Galvão informou que "todos os contratos da empresa para executar obras no exterior são realizados seguindo rigorosamente a legislação local". "No Peru, a empresa atua há quase 20 anos construindo projetos de infraestrutura, vitais para o desenvolvimento econômico e social da região."

No mês passado, Humala prestou depoimento como testemunha ao Ministério Público sobre os supostos vínculos com a Lava Jato e um encontro que teve com Dirceu na época da campanha de 2010. O presidente sempre negou irregularidades e em fevereiro convocou o embaixador do Brasil em Lima para manifestar sua posição.

Empreiteiras na mira da Lava Jato acumulam, sozinhas ou em conjunto, 42 projetos no Peru desde 2004. O total supera US$ 17 bilhões, divididos entre Odebrecht (74%), OAS (7,4%), Andrade Gutierrez (7%), Queiroz Galvão (6%) e Camargo Corrêa (5,6%).

O relatório preliminar da CPI peruana analisou 5 dos 42 projetos. Na rodovia Interoceânica, que liga Peru ao Brasil, por exemplo, a comissão questiona aditivos que dobraram o valor da obra para US$ 4,2 bilhões.

Em outro caso, critica como a Odebrecht conseguiu receber US$ 33 milhões de compensação por um atraso que a própria empresa teria provocado em uma obra de irrigação e energia de US$ 263 milhões.

À BBC Brasil, a Odebrecht, bem como Andrade Gutierrez, informou que não comentará as suspeitas sobre sua atuação no exterior.

Argentina

Na Argentina, o Ministério Público investiga desde fevereiro uma rede de cem empresas locais e brasileiras para verificar se firmas implicadas na Lava Jato replicaram o modus operandi no país.

"Estamos checando todos os contratos, como foram fechados, licitações. E aprofundaremos para verificar se houve pagamentos de propinas", afirmou à BBC Brasil o procurador Marcelo Raffaini. A apuração, contudo, ainda está no começo. "O que investigamos são subornos internos, não transnacionais."

O esquema de corrupção na Petrobras pode ter tido ramificações por três governos na Argentina: Carlos Menem (1989-99), Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015).

Os indícios aparecem em delações do ex-diretor da estatal Nestor Cerveró e do lobista Fernando Baiano. Cerveró disse que a compra de uma petrolífera argentina pela Petrobras em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, envolveu US$ 100 milhões em propinas. FHC já disse que as declarações de Cerveró são "vagas" e "servem apenas para confundir".

O ex-diretor e o lobista citam ainda supostos pagamentos de subornos em um negócio de 2007, já na gestão Lula, quando a Petrobras vendeu ações que tinha em uma distribuidora de energia argentina para uma firma privada cujos sócios eram próximos ao governo Kirchner.

Em outra linha de apuração, a Lava Jato no Brasil reuniu indícios – que também estão na mira dos procuradores argentinos – de que a Odebrecht teria pagado propinas entre 2009 e 2010 a Ricardo Jaime, ex-homem forte dos governos Néstor e Cristina na área dos transportes. Com condenações em outras acusações de corrupção, Jaime foi preso no mês passado.

O impacto político e midiático da Lava Jato na Argentina por ora é limitado – não há CPI no Congresso e a imprensa privilegia outros escândalos recentes de corrupção da era Kirchner e suspeitas sobre o recém-eleito presidente Maurício Macri no caso dos Panama Papers.

Venezuela

Metrô, ponte, siderúrgica, termelétrica, represas. Projetos tocados na Venezuela por empreiteiras envolvidas na Lava Jato entraram na berlinda no país vizinho após as revelações da operação no Brasil.

Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez são responsáveis por 40 obras no país, orçadas em cerca de US$ 20 bilhões.

A ONG Transparência Venezuela, braço da Transparência Internacional, solicitou ao governo detalhes sobre esses contratos, além de investigações "exaustivas e abertas" para verificar se as companhias repetiram "práticas de corrupção" observadas no Brasil.

Afirma, contudo, que a ação do Executivo e do Judiciário neste sentido é nula. "Não há investigação", disse à BBC María Antonieta Pérez, integrante da Transparência Venezuela que acompanha os desdobramentos da Lava Jato no país.

"Obras da Odebrecht, por exemplo, são muito visíveis em Caracas. Cada vez que surge alguma revelação da Lava Jato no Brasil sobre essas empresas, as pessoas aqui imediatamente se questionam se não houve corrupção na Venezuela também", afirma Pérez.

A organização pede ainda apuração sobre "impacto do possível lobby" do ex-presidente Lula pela obtenção de contratos para as empresas, lembrando que o petista visitou o país 16 vezes entre 2003 e 2010, período em que o presidente Hugo Chávez, morto em 2013, esteve 20 vezes no Brasil.

O ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, disse à Justiça, por exemplo, que Lula ajudou a empresa a ganhar a obra de uma siderúrgica na Venezuela em 2008, e que depois o PT cobrou 1% do valor do financiamento do BNDES no projeto.

O Instituto Lula diz que o ex-presidente Lula nunca cometeu crimes e sempre agiu dentro da lei. O PT nega ter recebido doações ilegais.

A força-tarefa da Lava Jato no Brasil suspeita ainda que a Odebrecht tenha usado contas de offshores no exterior para transferir dinheiro para o marqueteiro do PT João Santana, detido desde fevereiro.

A mulher e sócia de Santana, Mônica Moura, disse à PF que esses pagamentos bancaram serviços prestados pelo marido à campanha presidencial de Hugo Chávez em 2011, e que a Odebrecht ajudou a custear essas despesas com caixa dois. Não há informações sobre investigações oficiais na Venezuela sobre essas suspeitas de irregularidades em campanhas locais.

Angola e República Dominicana

João Santana também é apontado como elo entre empresas da Lava Jato e o mundo político em ao menos outros dois países.

Santana trabalhou na campanha de 2012 à reeleição do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979. Em depoimento à PF, a mulher do publicitário disse que a campanha no país custou US$ 50 milhões, dos quais US$ 20 milhões teriam sido recebidos por fora.

A suspeita é que esses recursos de caixa dois tenham sido desviados da Petrobras.

O marqueteiro reconheceu ter recebido parte desses pagamentos não declarados de Zwi Skornick, acusado de ser operador de propinas pagas pela Odebrecht no exterior. A empreiteira é a maior empregadora privada do país africano, com negócios em setores como construção civil, agronegócio e mineração.

Apesar dos indícios, a repercussão do caso em Angola é mínima e não há apuração oficial, afirmaram à reportagem jornalistas de Angola que acompanham o caso de perto. A reportagem tentou, sem sucesso, contato com a Presidência de Angola para eventuais comentários.

Situação semelhante ocorre na República Dominicana, onde a Odebrecht constrói uma usina a carvão (contestada na Justiça local por superfaturamento e problemas ambientais) e uma rodovia, e já executou ao menos 11 projetos desde 2002.

"Santana foi o ideólogo da campanha de reeleição, e já indícios de que sua relação com o presidente possa ter trazido negócios obscuros, como as usinas de carvão de Punta Catalina, concedidas à Odebrecht em licitação questionada", disse à BBC Orlando Jorge Mera, presidente em exercício do oposicionista PRM (Partido Revolucionário Moderno).

João Santana fez a primeira campanha do presidente do país, Danilo Medina, e atuava na campanha à reeleição quando foi preso em fevereiro, o que movimentou o mundo político do país e levantou suspeitas sobre o financiamento dos trabalhos.

A imprensa local tem acompanhado o caso - a eleição é no próximo dia 15, e o presidente lidera as pesquisas -, mas não há apuração na Justiça ou no Ministério Público, segundo o presidente do PRM. "A Justiça é controlada pelo governo e o Ministério Público atua sob ordens políticas", diz Mera.

Quando Santana foi detido e se afastou da campanha, o presidente Danilo Medina disse apenas que o marqueteiro "era um assessor importantíssimo, mas a campanha seguirá adiante". Tentativas de contato da reportagem com o governo da República Dominicana não tiveram resposta.