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Qual é a surpreendente cidade mais poluída da América Latina?

Nem tráfego, nem produção industrial, nem lixo. Calefações para o inverno mantidas com lenha úmida são a causa da poluição na cidade - Wiki Commons
Nem tráfego, nem produção industrial, nem lixo. Calefações para o inverno mantidas com lenha úmida são a causa da poluição na cidade Imagem: Wiki Commons

Gabriela Torres - Da BBC Mundo

14/05/2016 20h53

Se os principais fatores de poluição em uma cidade são o tráfego, os sistemas de refrigeração e calefação, a produção industrial e o lixo, pode-se imaginar que quando maior é a cidade, maior é a contaminação.

Segundo o relatório mais recente da Organização Mundial de Saúde sobre a poluição do ar, as principais cidades da América Latina - como Cidade do México, Buenos Aires, Bogotá, Caracas, Lima ou São Paulo - têm concentrações de material particulado (partículas finas de sólidos ou líquidos suspensas no ar ou PM, na sigla em inglês) maiores que os valores recomendados.

Mas nenhuma delas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é a mais contaminada.

O título é da cidade de Coyhaique, no sul do Chile. Com apenas 63 mil habitantes, é a cidade que tem a mais alta concentração de materiais particulados no continente.

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Calefação com lenha úmida

A OMS mede dois tipos de material particulado, o PM10 e o PM2,5, cuja diferença está no tamanho das partículas poluidoras - como sulfato, nitratos e carbono - que penetram nos pulmões e no sistema cardiovascular.

"As mais finas são as mais perigosas porque podem entrar no sistema respiratório, e, dali, passar ao sanguíneo", disse María Neira, diretora do Departamento de Saúde Pública e Determinantes Ambientais e Sociais da OMS, à BBC Mundo.

Em 2014, Coyhaique registrou 75µm de PM10 e 64µm de PM2,5 (1 µm equivale à milésima parte do milímetro). Os valores que a OMS considera seguros para a saúde são 20µm e 10µm, respectivamente.

"No ano de 2014, a poluição em Coyhaique tocou fundo", disse à BBC Mundo Marcelo Mena Carrasco, subsecretário do Meio Ambiente do Chile.

O problema desta cidade da Patagônia chilena, onde só é possível chegar de avião desde a capital, Santiago, não é o tráfego, nem a produção industrial, nem o lixo. É a calefação a lenha.

"É uma lenha úmida que contamina muito, que basicamente é queimada em buracos e faz com que os dias sem chuva sejam criticos (em termos de poluição)."

Os alertas começaram em 2013, quando Coyhaique encabeçou a lista nacional das cidades mais poluídas.

Mena Carrasco diz que desde então, começou-se a tomar medidas para reduzir a poluição diária e anual da cidade.

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Segundo ele, o que ocorre em Coyhaique é o que acontece quando são utilizados combustíveis sólidos para cozinhar ou para a calefação.

"Não importa que seja África, Índia ou América, quando há maior utilização de combustível sólido, os níveis de contaminação serão muito mais altos. Isso acontece não só em Coyhaique, mas também em muitas cidades do sul."

Na pequena cidade chilena, 97% das emissões vêm da calefação residencial e os 3% restantes, da indústria ou de caldeiras de hospitais e colégios.

Agora, nos dias de má qualidade do ar, fica proibido o uso de mais de uma calefação a lenha por residência.

Carrasco diz também que os aquecedores estão sendo trocados na cidade e que começou um programa de isolamento térmico das casas.

Segundo os dados do Ministério, em 2015 o local registrou 49,88µm de PM2,5, uma diminuição de 22% na contaminação.

Não é um ranking

O Chile é um dos países da região que mais monitora a contaminação do ar em suas cidades.

Para o relatório da OMS, as autoridades chilenas forneceram os dados de mais de 20 cidades, enquanto que países como Argentina, Venezuela e Peru só forneceram os dados de suas capitais.

É por esse motivo que a organização esclarece que o relatório mais recente não é um ranking de cidades.

"Não fizemos o relatório com a intenção de fazer uma classificação dos piores. Agora temos três mil cidades (em todo o mundo) que monitoram a qualidade do ar e isso é quase o dobro do ano passado", diz Neira.

Apesar de a maioria das cidades latino-americanas ter índices acima das recomendações da organização, Neira diz que "houve uma tendência positiva de diminuição" de emissões.

Também no continente há cada vez mais cidades monitorando o ar. Isso é importante porque, segundo a OMS, a poluição do ar é hoje em dia a maior causa de doenças e mortes em todo o mundo.

Estima-se que a cada ano cerca de sete milhões de pessoas morram prematuramente por causa de doenças relacionadas com a poluição.

"Obviamente não é agradável alarmar as pessoas. Mas sete milhões de mortes é inaceitável", diz Neira.

"Esta é uma das maiores crises de saúde pública que já enfrentamos."

  • Paraguai, Nicarágua e Panamá não participam do relatório, porque não forneceram dados de emissões de suas cidades.