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A polêmica sobre colombiana responsabilizada pelo próprio estupro e assassinato

Mauricio Duenas Castaneda/BBC
Imagem: Mauricio Duenas Castaneda/BBC

18/05/2016 08h19

"Se Rosa Elvira Cely não tivesse saído à noite com seus colegas de turma, não estaríamos hoje lamentando sua morte".

Foi recorrendo a essa justificativa que a Prefeitura de Bogotá, capital da Colômbia, responsabilizou a própria vítima por seu trágico destino, um crime que levou milhares de colombianos a protestar e que, quatro anos depois, permanece vivo na memória coletiva.

Por essa interpretação, se a colombiana de 35 anos não tivesse tomado tal decisão em 23 de maio de 2012, seu colega de turma Javier Velasco não a teria conduzido a uma zona escura do Parque Nacional de Bogotá, não a teria violado e torturado.

Como resultado, ela não morreria no hospital quatro dias depois, deflorada por um galho de árvore que o assassino usou para estuprá-la.

"Todos sabiam que [Javier Velasco e Mauricio Ariza, o primeiro, condenado a 48 anos de prisão pelo crime, e o segundo, considerado inocente] tinham comportamentos atípicos e eram vistos como bandidos", informa um documento firmado pela advogada Luz Stella Boada e revelado pelo jornal colombiano "El Espectador".

"Apesar de tudo isso, Rosa Elvira Cely saiu com eles, foram beber juntos..."

A Prefeitura de Bogotá pretendia responder com esses argumentos à acusação de negligência apresentada pela família da vítima.

O recurso foi interposto pela família de Rosa em 22 de agosto de 2014.

Segundo a família, a polícia, a promotoria e as secretarias de Governo e da Saúde não atuaram devidamente para evitar o homicídio.

São vários os argumentos que colocam em xeque a atuação das autoridades: a demora dos serviços de emergência -- a partir de um telefonema da própria Rosa--, e a decisão de não transferi-la para um hospital mais próximo, entre outros.

Mas o que terminaria por gerar uma onda de indignação entre a população é que Velasco já havia sido condenado pela morte de outra mulher, Dismila Ochoa. O crime aconteceu em 2002, dez anos antes de Rosa ser assassinada.

"O crime cometido contra Elvira é o resumo dos múltiplos crimes que são cometidos nesse país contra as mulheres", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, a diretora da ONG Casa da Mulher, Olga Amparo Sánchez.

No ano em que Rosa morreu, quase mil mulheres foram assassinadas na Colômbia, segundo o Instituto de Medicina Legal do país.

"O crime abriu no país uma discussão muito séria sobre se a sociedade colombiana está interessada em proteger a vida das mulheres", acrescentou.

Críticas

Mas foi a justificativa oficial -- de culpar a vítima pelo crime que lhe tirou a vida -- que despertou críticas de vários setores da sociedade.

"Além de cruéis, essas palavras mostram uma clara ignorância sobre o que significa o estado indefeso de uma pessoa", disse Ángela Robledo, deputada estadual de Bogotá.

A morte de Rosa levou o Partido Verde a propor uma lei contra o feminicídio. Intitulada Lei Rosa Elvira Cely, em homenagem à vítima, foi aprovada em junho do ano passado.

Ainda assim, o jurista e defensor dos direitos humanos César Rodríguez Garavito afirmou que a argumentação da Secretaria não "tem pé nem cabeça".

"Afirmar que uma mulher que sai com homens e acaba sendo estuprada ou assassinada tem culpa pelo que ocorreu é a perspectiva mais troglodita do abuso sexual", criticou.

O próprio prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, também se mostrou indignado com o argumento do órgão governamental e pediu que a argumentação fosse revisada e corrigida.

"Não compartilhamos com a argumentação jurídica da Secretaria de Governo. Solidariedade com Rosa Elvira Cely e seus familiares", escreveu ele, sem sua conta no Twitter.

Frente à enxurrada de críticas, o secretário municipal da Casa Civil de Bogotá, Miguel Uribe, pediu desculpas à família da vítima.

"Em nome de nosso distrito, pedimos desculpas pelo tipo de argumento que a Secretaria de Governo usou nesse caso", disse, em entrevista a jornalistas.

"Pedimos desculpas às mulheres (...), solicitamos que esse embasamento jurídico seja descartado e que o juiz não o avalie quando julgar a defesa da administração local", explicou.

Uribe acrescentou que a diretora do escritório jurídico da Secretaria da Casa Civil, a advogada Nayibe Carrasco, renunciou ao posto.