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Brasil suspende negociação com Europa para receber refugiados sírios

17/06/2016 07h53

Acordo em discussão previa pagamento para que país acolhesse milhares de famílias desalojadas por guerra civil

O governo brasileiro suspendeu negociações que mantinha com a União Europeia para receber famílias de desalojados pela guerra civil na Síria.

Pelas tratativas, iniciadas na gestão do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, o Brasil buscava obter recursos internacionais para alojar cerca de 100 mil pessoas que fugiram do conflito.

Duas pessoas que acompanhavam o diálogo disseram à BBC Brasil que a suspensão foi ordenada pelo novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e comunicada a assessores e diplomatas numa reunião nesta semana.

Segundo eles, a decisão segue uma nova - e mais restritiva - postura do governo quanto à recepção de estrangeiros e à segurança das fronteiras.

Cerca de 5 milhões de sírios deixaram o país desde o início da guerra civil, a maioria rumo a nações vizinhas. O deslocamento causou a maior crise humanitária mundial dos últimos 70 anos.

Segundo a Organização Internacional para a Migração, ao menos 3.370 refugiados - muitos deles sírios - morreram afogados em 2015 ao tentar chegar à Europa pelo Mediterrâneo.

'Braços abertos'

Em março, o então ministro da Justiça Eugênio Aragão visitou o embaixador da Alemanha no Brasil para tratar da recepção de sírios. Na época, disse a jornalistas que o país poderia acolher cerca de 100 mil refugiados nos próximos cinco anos e que a negociação tinha o respaldo da presidente Dilma Rousseff.

Em 2015, a Alemanha recebeu cerca de 1 milhão de refugiados - um terço deles provenientes da Síria.

No ano passado, Dilma disse que o Brasil estava de "braços abertos" para acolher refugiados. Em 2013, o governo passou a facilitar o ingresso de sírios ao permitir que viajassem ao país com um visto especial, mais fácil de obter (a modalidade também é oferecida a haitianos). Desde então, cerca de 2 mil chegaram ao país.

A iniciativa brasileira era considerada exemplar pelo Acnur (agência da ONU para refugiados) e contrastava com a de várias nações que vêm endurecendo suas políticas migratórias em meio a preocupações com a segurança.

Em 2015, o número de refugiados e imigrantes que ingressaram na União Europeia (UE) quase quadruplicou em relação ao ano anterior. O tema tem provocado desentendimentos entre os membros do grupo.

Alguns países - como Itália, Grécia e Hungria - se dizem sobrecarregados e cobram nações vizinhas a dividir a responsabilidade pelo acolhimento.

Compensação

Ao discutir o realojamento de sírios, Brasil e UE ainda não haviam definido valores nem de onde os refugiados viriam (muitos estão vivendo em condições precárias em acampamentos no Líbano, Jordânia e Turquia).

Em fevereiro, a UE se comprometeu a repassar 6 bilhões de euros (R$ 23,4 bilhões) à Turquia até 2018 para que o país investisse na recepção e integração dos estrangeiros. A nação abriga cerca de 2,5 milhões de refugiados sírios.

Assessores dizem que a ideia de negociar um acordo sobre refugiados com os europeus partiu de Aragão. A iniciativa do ministro - que chefiou o Ministério da Justiça entre março e maio - foi recebida com reserva pelo Itamaraty.

Em conversas internas, o órgão dizia que, em vez de facilitar a vida dos europeus, o Brasil deveria pressionar a União Europeia a ser mais generosa com refugiados e imigrantes.

Em foros internacionais, a União Europeia prega que o debate sobre refúgio e migração considere também os temas de segurança e terrorismo, enquanto a Chancelaria brasileira defende que os assuntos sejam tratados separadamente.

Procurado na quarta-feira, o Ministério da Justiça não se manifestou sobre a suspensão da negociação até a publicação desta reportagem.

Um diplomata europeu envolvido nas conversas lamentou a decisão brasileira e disse que a União Europeia segue disposta a tratar do tema.

Referência internacional

Para Camila Asano, coordenadora de relações internacionais da ONG Conectas, o "Brasil não pode se furtar a ser parte da solução da crise síria".

"Embora o país passe por restrições econômicas, ainda somos uma das principais economias do mundo e não há nenhuma desculpa para que o governo interino reduza os esforços para acolher refugiados", ela diz.

Segundo Asano, o Brasil se tornou uma referência internacional pela forma com que trata o assunto, encarando-o como uma "obrigação humanitária e criando mecanismos para que refugiados sírios cheguem ao país de maneira segura".

Ela se diz preocupada com a nova postura do governo em relação à segurança nacional e às fronteiras. Dias após o afastamento de Dilma, o presidente interino Michel Temer convocou ministros e a

Polícia Federal para uma reunião sobre o tema, também tratado como prioritário pelo chanceler José Serra e pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Segundo o governo, a estratégia busca coibir a entrada de armas e drogas e combater a violência dentro do país.

Para Asano, o governo interino encara a questão com uma lógica exclusivamente "militarizada".

"As fronteiras também são espaços onde as pessoas passam, e a imigração é um direito humano. Uma política de securitização intensa pode violar direitos humanos e sobretudo os direitos de imigrantes", ela afirma.