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A homofobia internalizada está entre as causas do ataque em Orlando?

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Imagem: Reprodução/MySpace

Jasmine Taylor-Coleman

Da BBC News em Washington

19/06/2016 14h21

Relatos de que Omar Mateen frequentava boates e usava aplicativos para gays levaram à especulação de que ele realizou o atentado por causa de uma homofobia internalizada. Mas o que é isso?

Relatos de que o atirador Omar Mateen frequentava regularmente a boate gay que atacou e usava aplicativos de encontros para homens homossexuais levaram à especulação sobre se ele foi motivado por uma homofobia internalizada.

Mas o que é isso e como isso tem a ver com o pior ataque a tiros da história recente dos Estados Unidos, que completa uma semana neste domingo?

Investigadores estão tentando determinar o que levou o segurança de 29 anos a assassinar 49 pessoas e ferir outras dezenas enquanto elas se divertiam em uma popular casa noturna, a Pulse.

Eles estão analisando indícios de que Mateen se inspirou no islamismo radical, após ser revelado que ele jurou lealdade ao grupo extremista autodenominado Estado Islâmico e ter sido investigado duas vezes pelo FBI, a polícia federal americana, por ligações com terrorismo.

O pai do atirador também sugeriu que seu filho manifestava fortes opiniões contra gays, levando muitos a crer que o ataque foi motivado por homofobia.

Mas, conforme novas informações sobre Mateen vêm à tona, mais complexa fica esse cenário.

Testemunhas disseram que ele esteve na Pulse várias vezes nos últimos três anos e interagiu com homens em aplicativos de relacionamento para gays. À rede CNN, sua ex-mulher, Sitora Yusufiy, disse cogitar que ele tinha uma inclinação homossexual em segredo.

Isso fez especialistas questionarem se o atirador foi levado a agir, ao menos em parte, por um intenso desprezo por sua própria orientação sexual. Ele poderia ter sido levado a odiar e agredir gays porque odiava a si mesmo?

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"Apesar de não ser comum, não é inédito que uma pessoa seja violenta com gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (LGBT) por causa de um dilema interno próprio", diz Genevieve Weber, especialista em aconselhamento de pessoas afetadas por homofobia internalizada e professora da Universidade Hofstra, em Nova York.

As definições de homofobia internalizada variam, mas é essencialmente quando pessoas LGBT se deparam com crenças sociais negativas sobre esta comunidade e absorvem estas noções, considerando-as como a única verdade possível.

Pesquisadores dizem que se trata de algo involuntário e que, apesar de Mateen ser um exemplo extremo, é algo que afeta muitos homossexuais e transgêneros em algum ponto de suas vidas.

"Infelizmente, é um conceito bastante simples", diz Ilan Meyer, pesquisador sênior de lei para políticas públicas e orientação sexual da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. "Todos aprendemos quais são as convenções sociais. Aprendemos sobre o estigma e o preconceito direcionado a certos grupos desde muito cedo."

"Então, quando uma pessoa começa a se reconhecer como gay ou lésbica, essa negatividade já está presente."

As mensagens da sociedade sobre a homossexualidade podem vir de diversas fontes, dizem especialistas, como a família, a escola e a mídia.

O preconceito pode ser transmitido discretamente, por meio de xingamentos ou declarações preconceituosas - "isso é tão gay" -, ou claramente, por meio do bullying e de ensinamentos contra gays por religiões que não aceitam o público LGBT.

"Muitas religiões não são homofóbicas", diz Meyer. "Mas, em alguns casos, se você é uma pessoa religiosa e ouve mensagens negativas repetidamente de pessoas que são renomadas em sua comunidade, pode ser uma lição muito dolorosa."

"Isso certamente ocorre na comunidade cristã evangélica dos Estados Unidos, por exemplo, onde você pode aprender coisas terríveis ao ir à igreja toda semana."

Sohail Ahmed, um jovem muçulmano de Londres, diz que ter travado uma batalha com sua própria sexualidade o levou a manifestar visões religiosas cada vez mais extremadas, ao ponto de ter considerado realizar um ataque terrorista.

"Pesquisava todo o texto islâmico para saber o que fazer ao ter desejos homossexuais", disse ele à BBC. "Algo que sempre surgia era a necessidade de ter mais fé, fortalecer seu lado religioso. Pode parecer paradoxal... mas me tornei mais radical na tentativa de me curar da homossexualidade."

Ahmed diz ter escondido sua verdadeira orientação sexual de todos que conhecia e começado a acreditar que era uma pessoa "má".

"Pensava que era gay como punição de Deus por algo que tinha feito. Era horrível acordar todo dia com uma voz na cabeça dizendo que eu era desprezível", conta ele.

"Era um ciclo sem fim. Só aumentou meu ódio por mim mesmo e por outros gays. Foi muito destrutivo."

Ahmed deixou para trás estas opiniões e, agora, ajuda outras pessoas a deixarem de ser radicais. Ele se assumiu gay e, hoje, segue um ramo mais progressista do Islã que aceita o público LGBT.

Mas especialistas alertam que a homofobia internalizada pode ter também um impacto negativo na saúde mental de uma pessoa e causar depressão e ansiedade, impedir alguém de ter relacionamentos íntimos ou levá-las a atitudes perigosas.

"A homofobia internalizada não é um problema mental em si, mas causa distúrbios psicológicos", afirma Meyer.

"Com certeza, se você está passando por um período difícil de autoaceitação, pode ser bem estressante e levar ao consumo abusivo de drogas ou álcool. Você pode vir a usar drogas durante o sexo para se anestesiar do que está fazendo."

Pessoas afetadas por este sentimento precisam entender que se trata de uma condição que pode ser superada, afirma Weber.

"Com a ajuda adequada de um terapeuta ou alguém que realmente entenda o que está acontecendo, a pessoa pode se recuperar e amar a si mesma ao perceber que há toda uma comunidade que a apoiará."

Tanto Weber quanto Meyer dizem que esclarecer a sociedade como um todo é crucial para evitar que uma pessoa desenvolva uma homofobia internalizada e seus efeitos negativos.

"Os ambientes escolares precisam não só ser inclusivos, mas ensinar às crianças sobre gays e lésbicas", diz Meyer. Ele também incentiva que qualquer um que enfrente problemas com sua sexualidade busque por imagens e histórias positivas na internet.

Weber diz ser importante se certificar de que há pessoas preparadas para ajudar nestes casos. "Temos de garantir que há profissionais treinados para compreender a questão e estar acessíveis a quem precisa."

Ainda não se sabe ao certo se Mateen realmente sofria com uma homofobia internalizada - ou se ele tentou buscar ajuda. Meyer diz que não há pesquisas suficientes para apontar uma ligação direta entre a homofobia internalizada e comportamentos violentos.

"No entanto, Mateen não seria a primeira pessoa a demonstrar homofobia tanto interna quanto externamente." Entre os exemplos estão políticos conservadores que manifestaram posições anti-LGBT e depois foram "tirados do armário" ao ter sua homossexualidade exposta pela mídia, diz ele.

Mas, quanto ao atirador de Orlando, essa é uma questão que ainda não foi respondida.

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