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Mulher supera assassinato de filho ensinando corrida em bairro violento de SP

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Prática esportiva de Neide inspirou outras mulheres a integrar projeto
Imagem: BBC

Rodrigo Pinto

Em São Paulo

11/07/2016 13h15

A baiana Neide Silva viu no esporte uma válvula para superar as mortes violentas do filho e o do marido --e ajudou a transformar vidas na região do Capão Redondo.

A vida de Neide Silva contém muitos dos absurdos aos quais os brasileiros se acostumaram nas grandes cidades. Retirante nordestina, ela foi abusada sexualmente a caminho de São Paulo, quando tinha seis anos de idade. Mais tarde, perderia o marido, baleado pela polícia e, ainda, um dos três filhos, assassinado por um menor no bairro do Capão Redondo.

No entanto, Neide não só se superou as tragédias como delas tirou força para ajudar outras mulheres a encarar de forma diferente o dia a dia em uma das áreas mais violentas da região metropolitana de São Paulo.

"As mulheres me viam correndo e falavam: Ora, então eu posso correr também", conta Neide, que comanda o projeto Vida Corrida, que atende a centenas de mulheres e crianças no Capão.

Neide saiu de Porto Seguro, na Bahia, aos seis anos de idade. "Minha mãe me entregou para outra família criar", conta. No novo lar, não foi à escola. Trabalhou como faxineira e, mais tarde, como costureira.

À escola, só chegaria aos dez anos de idade, quando já vivia com outra família - a segunda de três pelas quais passaria antes de voltar à mãe biológica, com quem vive hoje em dia. Um dia, foi chamada a participar de uma prova de revezamento, porque a titular havia faltado. Ajudou a equipe da escola a vencer e transformou o atletismo em rotina.

Casada aos 17 anos, Neide engravidou e teve neném aos 18. "Quando o meu filho estava com quase 4 meses, o meu marido, negro, chegando do trabalho, foi assassinado por um policial militar. Segundo as investigações, o meu marido não aceitou a voz de comando, e o policial deu um tiro, e foi um tiro fatídico no meu marido", conta, emocionada.

Correndo diariamente pela manhã, Neide se concentrou no esporte para superar a dor. Passou a ser seguida por mulheres do bairro. "As mulheres vieram até mim porque elas queriam o direito de fazer uma atividade física. Porque na comunidade só os homens jogam futebol. Só os homens tinham acesso a prática esportiva."

Assim nascia o projeto Vida Corrida, que logo chegaria ao Parque Santo Dias, uma ilha de Mata Atlântica rodeada pelas favelas do Capão Redondo. Ajudando a mãe com as corridas pelo bairro, o primeiro filho de Neide, Mark, pediu à mãe que incluísse as crianças do bairro, que se envolviam com o tráfico de drogas. "Mas eu não aceitei, disse que não tinha tempo", lembra Neide.

Em setembro de 2000, Marke seria assaltado e assassinado por um menino de 14 anos de idade. "Eu queria estar no lugar do meu filho", lamenta Neide. Atualmente, Neide atende a 200 adultos e 250 crianças. Segundo ela, mais de 80% são do sexo feminino.

Aos poucos, ela teve de reduzir os trabalhos como costureira - hoje ela se dedica quase que exclusivamente à coordenação das atividades do Vida Corrida.