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Recep Tayyip Erdogan: quem é o presidente de pulso firme que divide a Turquia

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, dá entrevista após retornar a Istambul e diz ter retomado o controle do país - Huseyin Aldemir - 15.jul.2016/Reuters
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, dá entrevista após retornar a Istambul e diz ter retomado o controle do país Imagem: Huseyin Aldemir - 15.jul.2016/Reuters

16/07/2016 20h20

Em meio a uma tentativa de golpe por um grupo militar que tentava tomar o poder na Turquia na última sexta-feira, o presidente Recep Tayyip Erdogan convocou a população para as ruas para defender a democracia.

"Chamo o povo turco para ocupar as praças públicas e aeroportos. Nunca acreditei que pudesse haver um poder maior do que o poder do povo", ele disse.
A tentativa de golpe foi fracassada, mas ela levantou um questionamento sobre a continuidade no poder de um líder polêmico. Erdogan, que comanda a Turquia desde 2002, tem governado o país a pulso firme, enfrentando alguns grupos militares, rivais políticos e até a própria imprensa.

"Esse golpe foi um ato de traição. Faremos uma limpeza no Exército", afirmou o presidente - neste sábado, o saldo da tentativa de golpe já eram pelo menos 100 mortos e 2,8 mil militares presos.

Erdogan e seu partido têm um apoio forte e leal da base conservadora e muçulmana de eleitores, enquanto fora do país, ele tem recebido críticas pela maneira como "silencia" seus opositores - em alguns casos fazendo até o uso da força.

O mandatário tem um caráter combativo com o qual boa parte dos turcos simpatiza.

Ele chegou ao poder em 2002, um ano depois da formação do partido AKP, do qual ele é líder.

Ficou 11 anos no cargo de primeiro-ministro da Turquia antes de se tornar o primeiro presidente eleito por voto direto em agosto de 2014.

Em junho de 2015, o partido AKP sofreu uma queda nas pesquisas e não conseguiu firmar uma coalizão para concorrer às eleições.

Mas nos comícios antecipados de novembro deaquelrano, o AKP recuperou sua maioria depois de um ataque suicida que fez com que o governo de Erdogan declarasse guerra contra os separatistas curdos.

Desafios militares

Nas décadas anteriores à chegada do AKP ao poder, os militares turcos haviam feito intervenções políticas no país em quatro ocasiões para enfrentar a influência islâmica.

Erdogan "venceu" o Exército em 2013 depois que 17 pessoas foram condenadas a prisão perpétua por conspirarem a derrubada do AKP do poder - entre elas, vários oficiais do alto escalão do Exército. O caso ficou conhecido como "Ergenekon".

Outras centenas de oficiais também foram submetidos à Justiça, junto com jornalistas e políticos laicos, em uma investigação nacional.

Quando mais de 200 militares foram detidos em um marco dessa organização em 2011, os chefes do Exército, da Marinha e da Força Aérea da Turquia renunciaram em forma de protesto.

Os críticos acusaram Erdogan de usar o sistema judicial para silenciar seus oponentes políticos e disseram que ele havia usado falsas acusações contra os culpados.

Mas os seguidores do presidente o aplaudiram por ter enfrentado figuras de uma classe que antes era considerada "intocável" e que via a si mesma como "guardiãs do Estado moderno turco" criado por Mustafa Kemal Ataturk em 1923.

Sua reputação, porém, sofreu um golpe em maio de 2014, quando ele reagiu com frieza ao desastre da mina em Soma, no oeste da Turquia, onde morreram 301 pessoas.

Protestos

Erdogan também usou a força para calar os protestos massivos que aconteciam em Istambul em junho de 2013 e que eram centralizados no Parque Gezi, uma área verde onde seria realizada uma grande obra.

Os protestos se estenderam para outras cidades e receberam respaldo de muitos turcos laicos que suspeitavam das inclinações islâmicas do AKP.

Logo, um grande escândalo de corrupção atingiu seu governo em dezembro de 2013, quando aconteceram inúmeras prisões e, entre elas, estavam as dos filhos de três ministros de Erdogan.

O presidente chamou as denúncias de "conspiradoras" e disse que vinham de fora da Turquia.

Também criticou as redes sociais e se comprometeu a "eliminar" o Twitter.

Relação com a imprensa

Com Erdogan no poder, os jornalistas turcos foram investigados e levados à Justiça, enquanto correspondentes estrangeiros sofreram peserguições e, em alguns casos, foram deportados.

Em abril, a polícia invadiu o maior jornal da Turquia, Zaman, em um episódio que alguns funcionários chegaram a deixar o local ensanguentados.
A última edição independente de Zaman dizia que a imprensa na Turquia vivia "seus dias mais obscuros".

Mas já na primeira edição da publicação sob controle do Estado, os artigos que estampavam o jornal eram descaradamente favoráveis ao governo.

Renascimento muçulmano

Erdogan negou que tenha o desejo de impor os valores do Islã ao país e disse que está comprometido com um Estado "laico".

No entanto, o presidente reforça que apoia o direito dos turcos de expressarem suas crenças religiosas mais abertamente.
Essa mensagem é bem recebida especialmente nas zonas rurais e na cidade de Antália, a "capital" do AKP.

Alguns partidários apontam Erdogan como um "sultão", como nos tempos de Império Otomano.
Em outubro de 2013, a Turquia cancelou a regulamentação que proibia as mulheres de usar véu nas instituições estatais do país.

A esposa de Erdogan, Emine, chegou a usar véu no cabelo em eventos oficiais, assim como a esposa de seu aliado de anos no AKP, Abdullah Gul, que foi presidente antes que ele chegasse ao poder.

Os críticos também apontam a tentativa fracassada de Erdogan de penalizar o adultério e suas tentativas de criar "zonas livres de álcool", como sinais de suas intenções islâmicas no poder.

Política interna e externa

Os oponentes políticos de Erdogan também citam um novo e luxuoso palácio presidencial dele como um símbolo das supostas tendências autoritárias do presidente.

Situado sobre uma montanha nos arredores de Ancara, o Ak Saray (Palácio Branco) tem mil quartos e é maior que a Casa Branca ou o Kremlin.
Mas o que faz Erdogan se manter no poder e ter sucesso na política do país na última década é a estabilidade econômica, que tem dado ao país um crescimento anual médio de 4,5%.

A Turquia se tornou uma sede de fábricas e de indústrias de exportação.

O governo do AKP manteve a inflação sob controle, uma tarefa não tão fácil, já que por anos na década de 1990 a taxa ultrapassava os 100%.
Mas em 2014, a economia começou a cair, a taxa de crescimento se reduziu para 2,9% e o desemprego aumentou para acima de 10%.

No âmbito internacional, Erdogan condenou Israel - antigo aliado da Turquia - pela maneira com que trata os palestinos.
Sua popularidade não cresceu só entre os islâmicos turcos, mas também se estender por todo o Oriente Médio.

Erdogan apoiou a oposição na Síria em sua luta contra o governo de Bashar al Asad.

Formação islâmica

Nascido em 1954, Recep Tayyip Erdogan é filho de um guarda-costas do Mar Negro da Turquia. Quando tinha 13 anos, seu pai decidiu mudar para Istambul com esperança de poder dar a seus filhos uma educação melhor.
Como adolescente, o jovem Erdogan vendia limonada e bolo nas ruas de Istambul para ganhar um dinheiro extra.

Ele frequentava uma escola islâmica antes de se formar em Administração na Universidade de Mármara de Istambul, onde jogou futebol profissionalmente.

Enquando estava na faculdade, ele conheceu Erbakan, que virou o primeiro-ministro islâmico do país, e entrou para o movimento islâmico da Turquia.

Em 1994, Erdogan se tornou o prefeito de Istambul. Os críticos admitem que ele fez um bom trabalho, já que conseguiu tornar a cidade mais limpa e mais verde.

Mas em 1999, passou quatro meses preso depois de ter sido condenado por incitação religiosa.

Ele havia lido publicamente um poema nacionalista que incluía as frases: "As mesquitas são nossos quartéis, as cúpulas nossos capacetes e os fiéis nossos soldados."

Em 2001, Erdogan se juntou ao AKP, depois de ter sido sondado pelo Partido da Virtude, que acabou proibido no país.

Sua ascensão ao poder foi completa quando o AKP conseguiu uma vitória esmagadora nas eleições de 2002, e ele assumiu o cargo de primeiro-ministro.

Análise: postura autoritária pode deixar Erdogan ainda mais isolado

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