Topo

338 crianças mortas em 6 meses: os dramáticos números da violência no Afeganistão

Enterro de vítima do atentado do EI no Afeganistão no último fim de semana - Adam Ferguson/The New York Times
Enterro de vítima do atentado do EI no Afeganistão no último fim de semana Imagem: Adam Ferguson/The New York Times

27/07/2016 11h48

ONU descreveu situação como 'vergonhosa e alarmante'; outras 1.121 ficaram feridas só neste ano.

"Tenho 10 anos. Brincava nas ruas do meu vilarejo, quando algo, de repente, explodiu".

"Ouvi um barulho forte e uma onda vindo em minha direção".

Esse é o relato de um menino que sobreviveu a uma explosão no dia 27 de maio em Pul-i-Khumri, na província afegã de Baghlan, no norte do país.

"Fui atingido por estilhaços e caí no chão".

"Não me lembro do que aconteceu depois".

A explosão deixou quatro crianças mortas e uma ferida.

E, desde o início do ano, 388 crianças morreram e outras 1.121 ficaram feridas no Afeganistão.

A ONU, que reúne periodicamente estatísticas sobre vítimas civis no Afeganistão, classificou a situação como "alarmante e vergonhosa".

Só neste ano:

1.601 civis morreram, dos quais 388 crianças e 130 mulheres

3.565 civis ficaram feridos, incluindo 1.121 crianças e 377 mulheres

157.989 afegãos foram deslocados desde o início de 2016, 10% a mais do que no mesmo período do ano passado

Estima-se que hoje haja 1,2 milhão de afegãos deslocados pela violência.

Ao menos 63.934 pessoas morreram ou ficaram feridas pela violência no Afeganistão desde o início da contagem pelas Nações Unidas, em janeiro de 2009.

Violência sexual e ataques a escolas

O relatório também enumera casos de violência sexual contra crianças.

A ONU soube de pelo menos dois incidentes, embora acredite que pelas questões culturais e pelo estigma que cerca as vítimas, apenas uma pequena parcela dos casos é relatada.

Em um dos incidentes, um dos chefes da polícia local sequestrou um menino de 16 anos dentro de casa e o manteve em cativeiro durante três dias. No período, o jovem foi estuprado várias vezes.

A ONU também confirmou que uma unidade da polícia utilizou uma outra criança como guarda-costas e a explorou sexualmente na província de Baghlan.

O relatório cita o chamado "bacha bazi", uma prática de alguns comandantes e outros homens poderosos associada à exploração sexual e ao estupro de crianças.

Apesar de ter havido uma queda em relação ao mesmo período de 2015, de janeiro a março deste ano, foram registrados 46 incidentes envolvendo crianças, a maioria relacionada à intimidação e ameaças.

"Forças antigoverno fecharam todas as escolas do distrito. Não querem que as meninas frequentem a escola", contou o diretor de uma escola de meninas no distrito de Zurmat, segundo o relatório.

"Todas essas meninas permanecerão analfabetas durante toda a vida, embora queiram ser médicas, enfermeiras, engenheiras e professoras", acrescentou.

"Elas vão sofrer o resto da vida", acrescentou.

Recrutamento de crianças

A ONU também recebeu denúncias de recrutamento de crianças por rebeldes e forças do governo afegão.

Foram, ao todo, 34 crianças recrutadas, das quais 26 pelo grupo extremista Talebã, quatro por insurgentes e quatro pela polícia local.

Pelo menos três delas foram usadas para realizar atentados suicidas, incluindo um menino de nove anos, que sofria supostamente de transtorno mental e morreu quando os explosivos que carregava na cintura explodiram antes do esperado no dia 30 de março deste ano, na província de Kandahar.

Responsáveis

Forças antigoverno ? ou seja, grupos militantes ligados ao Talebã e ao autodenominado 'Estado Islâmico' - são responsáveis por 60% das vítimas no Afeganistão

Mas neste ano, 1.189 mortos foram atribuídas às "forças pró-governo", um aumento de 47% em relação ao mesmo período do ano passado.

As vítimas morrem em ataques terrestres, atentados suicidas ou são atingidas por explosivos improvisados.

Além disso, as crianças também são afetadas por restos de artefatos enquanto brincam nas ruas.

Esse foi o caso dos filhos de um homem cujo depoimento foi colhido pelas Nações Unidas.

"Tinha saído para comprar coisas para meus filhos. Quando cheguei em casa, todo mundo estava reunido", lembrou ele.

"As crianças estavam em cima da cama e todos choravam copiosamente", acrescentou.

Dois meninos morreram e outro ficou ferido enquanto brincavam com explosivos uma zona de conflito entre a polícia afegã e forças antigoverno na província de Zabul, no dia 6 de maio.

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Raad Al Hussein, disse ser necessário pôr fim à "impunidade reinante que desfrutam os responsáveis pelas mortes, independemente de quem são".

Julgamento da história

Desde o início da retirada das tropas internacionais do Afeganistão em 2011 e do término oficial da missão da Otan três anos depois, o número de vítimas civis no país aumenta a cada ano.

Tadamichi Yamamoto, representante especial das Nações Unidas para o Afeganistão, cobrou "passos concretos" para reduzir o "sofrimento" do povo afegão.

"A história e a memória coletiva do povo afegão julgarão os líderes de todas as partes desse conflito por sua conduta verdadeira", disse ele.

O relatório também documenta outras violações de direitos humanos e abusos, incluindo sequestros e execuções sumárias.

Ativistas de direitos humanos, jornalistas, advogados e juízes também vêm sendo alvo de ataques.